Condenação de teólogos e teólogas: nenhuma surpresa nestes tempos.
Charles Curran
O
Papa e o
Vaticano estão
cada vez mais defendendo a ideia de uma Igreja remanescente – uma Igreja
pequena e pura que se vê muitas vezes em oposição ao mundo ao seu
redor. Parece como se as autoridades da Igreja não estão nada
preocupadas com aqueles que deixam a Igreja. Qualquer outra organização
tomaria medidas fortes para remediar a perda de um terço de seus
membros.
A opinião é do teólogo norte-americano
Charles E. Curran, professor da cátedra
Elizabeth Scurlock de Ética Cristã da
Southern Methodist University. O artigo foi publicado no sítio do jornal
National Catholic Reporter, 06-06-2012. A tradução é de
Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.A condenação por parte da
Congregação para a Doutrina da Fé ao premiado livro da
Ir. Margaret Farley, das
Irmãs da Misericórdia,
Just Love: A Framework for Christian Sexual Ethics,
não é nenhuma surpresa. A Congregação insiste que o livro "não pode ser
usado como uma expressão válida da doutrina católica" porque discorda
do magistério hierárquico sobre masturbação, atos homossexuais, uniões
homossexuais, indissolubilidade do casamento, divórcio e segundo
casamento.
Há uma longa lista de teólogos morais católicos cujas
obras sobre ética sexual, em um veio semelhante, foram condenados ou
censurados pela
Congregação para a Doutrina da Fé ao longo dos últimos 40 anos. O
Papa João Paulo II escreveu a sua encíclica
Veritatis splendor,
em 1993, por causa da discrepância entre o ensino oficial da Igreja
sobre questões morais e o ensino de alguns teólogos morais, até mesmo
nos seminários. Segundo o papa, a Igreja está "enfrentando o que
certamente é uma crise genuína, que não se trata já de contestações
parciais e ocasionais, mas de uma discussão global e sistemática do
patrimônio moral".
Todos têm que reconhecer que há uma crise real
como essa na Igreja hoje. Mas a crise não é apenas uma crise na
teologia moral: ela envolve uma crise na Igreja como um todo e na nossa
própria compreensão da
Igreja Católica. De acordo com o respeitado
Pew Forum on Religion & Public Life,
uma em cada três pessoas que foram educadas como católicas romanas nos
Estados Unidos já não é mais católica. A segunda maior "denominação" nos
EUA é de ex-católicos. Uma em cada 10 pessoas nos EUA é
ex-católica. Todos nós temos experiência pessoal daqueles que deixaram a
Igreja por causa do ensino sobre questões sexuais. Questões
relacionadas, incluindo o papel das mulheres na Igreja, o celibato para o
clero e o fracasso das lideranças eclesiais em lidar com o escândalo
dos abusos infantis e o seu encobrimento, também foram reconhecidas como
razões pelas quais muitas pessoas abandonaram a Igreja Católica.
A
reação de papas e bispos até teólogos morais revisionistas é apenas uma
parte de uma realidade crescente em nossa Igreja hoje. Há uma ladainha
de outras ações similares tomadas pelo Vaticano – as restrições impostas
à
Leadership Conference of Women Religious (LCWR); o controle sobre as atividades da
Caritas Internationalis, a agência da Igreja dedicada à ajuda aos pobres; a reação muito negativa das
associações de padres na Áustria e na Irlanda; a remoção de
Dom William Morris, bispo de
Toowoomba,
na Austrália, por ter meramente incentivado a discussão sobre o
celibato e o papel das mulheres; a nomeação apenas de clérigos muito
seguros como bispos etc. E a lista continua.
O que está acontecendo aqui é que o papa e o
Vaticano estão
cada vez mais defendendo a ideia de uma Igreja remanescente – uma
Igreja pequena e pura que se vê muitas vezes em oposição ao mundo ao seu
redor. Parece como se as autoridades da Igreja não estão nada
preocupadas com aqueles que deixam a Igreja. Qualquer outra organização
tomaria medidas fortes para remediar a perda de um terço de seus
membros. Mas a Igreja remanescente se vê como uma Igreja forte de fiéis
verdadeiros e, portanto, não está preocupada com essas partidas.
Esse
conceito de Igreja opõe-se à melhor compreensão da Igreja Católica. A
palavra "católico", em sua própria definição, significa grande e
universal. A Igreja abraça tanto santos e pecadores, ricos e pobres,
homens e mulheres, e conservadores e liberais políticos. Sim, há limites
para o que significa ser católico, mas a compreensão de "católico" com
"c" minúsculo insiste na necessidade de ser o mais inclusivo possível.
Muitos de nós ficaram profundamente impressionados com os gestos do
Papa Bento XVI no início do seu papado, ao ir ao encontro em
diálogo com Hans Küng e de
Dom Bernard Fellay, chefe do grupo originalmente fundado pelo arcebispo
Marcel Lefebvre. Infelizmente, hoje, o diálogo ainda está em andamento com
Dom Fellay, mas não com
Hans Küng.
O
problema básico de tudo isso é a compreensão e o papel da autoridade na
Igreja Católica. Essa questão é muito vasta e complicada para ser
discutida aqui com detalhes, mas três pontos deveriam orientar qualquer
consideração sobre a autoridade na Igreja.
Primeiro, a principal
autoridade na Igreja é o Espírito Santo, que fala de diversas maneiras; e
todos os outros na Igreja, incluindo os detentores de cargos, devem se
esforçar para ouvir e discernir o chamado do Espírito.
Segundo, a Igreja precisa dar corpo à compreensão de
Tomás de Aquino de
que algo é mandado e ordenado porque é bom, e não o contrário. A
autoridade não faz algo certo ou errado. A autoridade deve se conformar
ao que é verdadeiro e bom.
Terceiro, o perigo para a autoridade na Igreja é alegar uma certeza muito grande para o seu ensino e propostas.
Margaret Farley desenvolveu esse ponto em um ensaio muito significativo,
Ethics, Ecclesiology, and the Grace of Self-Doubt
[Ética, Eclesiologia, e a Graça da Dúvida de Si]. A pressão por certeza
fecha muito facilmente a mente e às vezes também o coração. A graça da
dúvida de si permite a humildade epistêmica, condição básica para o
discernimento moral comunitário e individual.