domingo, 28 de janeiro de 2024

Úrtimo! Empresta uma e banca pela?

 

Arremesso de bolita estilo "cú de galinha".

 Era assim que Dunga normalmente chegava na roda de amigos, cuja idade variava entre 10 e 12 anos, mais ou menos.

Se alguém não entendeu, não se preocupe. Vou explicar.

Basicamente, naquela fase, existiam dois jogos de bolita principais: o triângulo e o boco. O triângulo era mais popular, por ser mais emocionante.

O triângulo consistia basicamente no seguinte: era riscado, desenhado, um triângulo na terra e depois outro risco, afastado do triângulo. A distância entre o triângulo e o risco era variável, negociada a cada início de uma série de disputas. Quanto mais longe o risco do triângulo, teoricamente melhor a qualidade dos competidores.

Cada participante do jogo coloca uma ou mais bolitas dentro do triângulo e fica com a “joga” na mão. A joga era a bolita da sorte, normalmente escolhida entre aquelas maiores e mais pesadas.

Posicionando-se perto do triângulo, cada participante arremessa uma bolita procurando fazer com que ela pare o mais próximo da linha riscada no chão. O nível de proximidade da bola define a ordem dos jogadores. Se algum jogador se antecipar e falar “último”, será o último a jogar a bolita, podendo observar o desempenho dos demais.

O jogo começa com o primeiro participante arremessando a joga para tentar acertar alguma das bolinhas posicionadas no triângulo. Se conseguir, fica com a bola atingida e continua jogando até errar, quando dará a vez ao segundo e assim por diante. Se a bola parar dentro do triângulo, o jogador fica “preso” e só poderá participar da próxima rodada. Os participantes vão se revezando e tentando “matar” as bolitas dos adversários, utilizando os dedos polegar e indicador para empurrar a bola de gude na terra, com o objetivo de atingir o maior número de bolas dos outros participantes. Ganha o jogo quem conseguir ficar com mais bolas. As bolitas conseguidas passam a ser propriedade de quem ficou com elas, quando a partida é “às ganhas”.

Mas voltemos ao Dunga, que era neto da Dona Gasparina, famosa benzedeira da região.

Dunga normalmente chegava na roda de amigos sem nenhuma bolita e bradava: “úrtimo!”. Aí se dirigia a algum dos presentes e solicitava: “me empresta uma e banca pela?”.

O úrtimo (último) era uma convocação para o jogo do triângulo. A solicitação de empréstimo era um desafio. Normalmente o solicitado, caso não emprestasse, ficava numa posição difícil, pois não aceitar o desafio implícito significava falta de autoconfiança.

Dunga normalmente começava assim as partidas e “rapava” todos os competidores, ou seja, ganhava todas as bolitas.

Existiam basicamente duas formas para o arremesso inicial da joga: a pinha e a bocha.

Na pinha, a joga era depositada entre o dedo indicador e o médio, sendo impulsionada pelo polegar. Caso o jogador não conseguisse impulsionar a joga de maneira correta, o que era denominado “cú de galinha”, optava pelo arremesso inicial tipo bocha, que consistia basicamente em utilizar o braço como pêndulo para atirar a joga.

Dunga era campeão da pinha. Raramente errava uma. Chegava a quebrar algumas bolitas, às vezes.

Se o jogo de bolita fosse modalidade olímpica, certamente Dunga seria medalhista.

Comentavam que Dunga vendia as bolitas que ganhava para ajudar no orçamento de sua casa, pois sua família era muito pobre, mas isso eu não sei se é verdade ou não.