quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

POR QUE QUEM SABE MENOS, ACREDITA QUE SABE MAIS?

 


 

Efeito Dunning-Kruger e o paradoxo da ignorância: por que quem sabe menos, acredita que sabe mais?

Você já ouviu falar do efeito Dunning-Kruger ? É um viés cognitivo que leva as pessoas com menos habilidade e conhecimento a pensar que sabem mais do que as outras. Quanto menos elas sabem, mais pensam que sabem.

Muitas vezes, aqueles que têm esse problema tendem a impor suas ideias, em vez de simplesmente dar uma opinião, considerando-as verdades absolutas. Os outros são vistos como totalmente ignorantes e incompetentes, mesmo que não o sejam.

Como esse efeito foi identificado? Em 1995, McArthur Wheeler assaltou dois bancos consecutivos no mesmo dia na cidade de Pittsburg, na Pensilvânia, Estados Unidos. Detalhe: ele não usou nenhuma máscara para esconder seu rosto. Flagrado pelas câmeras, ele foi obviamente reconhecido e facilmente capturado. Ao ser preso, estava profundamente desolado. Ele havia passado suco de limão no rosto e acreditava que, com isso, teria ficado totalmente invisível.Uns amigos seus o haviam “ensinado” o truque e ele tinha verificado: aplicou suco de limão no rosto e logo tirou uma fotografia sua. Ele pôde comprovar que a sua imagem não saía nela. No entanto, o mesmo limão o tinha impedido de ver que ele não tinha focado o seu rosto, mas sim o teto. “Como alguém pode ser tão idiota?”, perguntou-se David Dunning.”

A história chegou aos ouvidos do profissional de psicologia social da Universidade de Cornell, David Dunning, que se perguntou se a incompetência pode nos fazer desconhecer o quanto somos incompetentes. Então, iniciou uma série de experimentos com seu colega Justin Kruger e foi esse estudo que deu origem ao efeito Dunning-Kruger.

Durante quatro experimentos, os dois psicólogos analisaram as habilidades de algumas pessoas no campo da gramática, raciocínio lógico e humor, pedindo-lhes para estimar seu nível de competência e, em seguida, realizando testes de avaliação.

Eles perceberam que, quanto mais incompetente era uma pessoa, menos consciente disso ela era. Enquanto as pessoas mais competentes se subestimavam.

Daí o efeito Dunning-Kruger, segundo o qual pessoas com baixo nível de competência tendem a pensar constantemente que sabem mais do que sabem, considerando-se mais inteligentes.

Por que se tem essa percepção distorcida? Porque se você não possui um mínimo de habilidades em uma determinada área, não pode fazer uma estimativa realista de seu desempenho e limites.

Todos nós podemos “sofrer” com essa percepção distorcida, como podemos sair dela? Os especialistas aconselham tentar primeiro estar cientes da existência desse viés cognitivo, estar aberto à dúvida e evitar impor o próprio ponto de vista, aceitando também o dos outros.

O efeito Dunning-Kruger é uma realidade contundente nesta era onde quase toda nossa interação pessoal acontece virtualmente, mas, não se limita à vida on line.

Perceber esse fenômeno em si mesmo e nos outros é um grande passo para a evolução do aprendizado (ler e ouvir de quem sabe mais!) e da melhoria no compartilhamento de informações úteis (evitar propagar dados não seguros e opiniões eivadas de emoção, que não condizem com a verdade).

Fonte: Journal of Personality and Social Psychology – via GreenMe

Publicado em www.desacato.info.

Fonte da Imagem: Pinterest.

domingo, 6 de dezembro de 2020

O NOVO PADRÃO DE CAMPANHAS ELEITORAIS

 


 

Não rir, nem se lamentar, nem odiar, mas compreender.

Baruch Espinoza

 

 

Muitas pessoas que se interessam por assuntos políticos estão impressionadas com alguns acontecimentos no âmbito planetário.

De fato, nos últimos 20 anos o mundo assistiu a uma espetacular ascensão de movimentos populistas de direita e extrema direita.

Partidos e movimentos de extrema direita em todo o mundo, particularmente na Europa, se sentiram à vontade para levantar a cabeça e fazer suas pregações extremistas, algumas vezes chegando ao poder em seus países.

Orbán na Hungria, o partido Lei e Justiça na Polônia, Kurs na Áustria, dentre outros, foram vencedores de processos realizados dentro de formatos democráticos considerados tradicionais.

As espetaculares vitórias eleitorais de Trump em 2016 e de Bolsonaro em 2018, além da vitória do Brexit, no início de 2020, podem ser considerados os pontos mais altos da ascensão do populismo de extrema direita.

Nos últimos tempos as ondas desse populismo extremista aparentemente estão refluindo em todo o planeta, porém a forma de fazer política nunca mais será a mesma.

A seguir veremos rapidamente quais foram as mudanças mais perceptíveis.

 

 

O Caldo de Cultura: As Redes Sociais

 

Sean Parker, primeiro financiador do Facebook, explica com funcionam as redes sociais:

Somos criaturas sociais, e nosso bem-estar depende, em boa parte, da aprovação dos que estão em volta. Ao contrário de outros animais, o homem nasce sem defesas e sem competências e continua assim por muitos anos. Desde o início, sua sobrevivência depende das relações que ele consegue estabelecer com os outros. O diabólico poder de atração das redes sociais se baseia nesse elemento primordial. Cada curtida é uma carícia maternal em nosso ego. A arquitetura do Facebook é toda sustentada sobre a nossa necessidade de reconhecimento”.

Ele continua: “Nós fornecemos a você uma pequena dose de dopamina, cada vez que alguém o curte, comenta uma foto ou um post, ou qualquer outra coisa sua. É um loop de validação social, exatamente o tipo de coisa que um hacker como eu poderia explorar, porque tira proveito de um ponto fraco da psicologia humana. Os inventores, os criadores, eu, Mark [Zuckerberg], Kevin Systrom, do Instagram, estávamos perfeitamente conscientes disso. E, mesmo assim, fizemos o que fizemos. E isso transforma literalmente as relações que as pessoas têm entre si e com a sociedade como um todo. Interfere provavelmente na produtividade, de certa maneira. Só Deus sabe qual o efeito que isso produz no cérebro de nossos filhos.”

O cliente ideal do Sean Parker, de Zuckerberg e de todos os outros criadores de redes sociais é um ser compulsivo, empurrado por uma força irresistível para voltar à plataforma dezenas, centenas, milhares de vezes por dia, fissurado por essas pequenas doses de dopamina da qual se tornou dependente. Um estudo nos EUA demonstrou que, em média, cada pessoa dá 2.617 toques por dia na tela do smartphone. Sem dúvida, não é o comportamento de uma pessoa que esteja sã de espírito. Está mais próximo do modo de agir de um junkie em fase terminal, que se “aplica”, ao longo do dia, seguidas doses de refresh e de likes.

 

 

O “Público Alvo” da Extrema Direita

 

Obviamente que as pessoas fissuradas por reconhecimento nas redes sociais não se identificam automaticamente com as ideias da Extrema Direita.

Quem é, então, o “Público Alvo” desses movimentos populistas de direita?

O filósofo alemão Peter Sloterdijk nos dá uma dica importante.

Em um livro publicado em 2006 ele constata que um sentimento irresistível atravessa todas as sociedades.

Esse sentimento é alimentado por aquelas pessoas que, com ou sem razão, pensam ter sido lesados, excluídos, discriminados ou insuficientemente ouvidos.

Historicamente a Igreja foi a primeira a perceber esse sentimento de cólera e canalizar essa imensa raiva acumulada.

Posteriormente, os partidos de esquerda tomaram a frente a partir do final do século XIX. Segundo o filósofo, estes últimos garantiram a função de “bancos de cólera” acumulando as energias que, em vez de serem gastas em um instante, poderiam ser investidas na construção de um projeto mais amplo.

Hoje, diz Sloterdijk, ninguém mais gerencia essa cólera que as pessoas acumulam.

A Igreja Católica, por exemplo, teve que abandonar seus tons apocalípticos, para se adaptar aos “tempos modernos” e a esquerda, de forma geral, se adaptou aos princípios da democracia liberal e às regras do mercado.

Como consequência, a cólera passou a se expressar de maneira cada vez mais desorganizada, dos movimentos antiglobalização às revoltas nos subúrbios.

Entre dez a quinze anos após o livro de Sloterdijk foi possível constatar que parte significativa dessa energia colérica foi canalizada de forma organizada pelos movimentos de extrema direita.

 

 

 

Como Isso Aconteceu?

 

O caso emblemático inicial, que alterou a forma de fazer política, aconteceu na Itália. No início dos anos 2000, um italiano especialista em marketing compreende que a internet irá revolucionar a política.

Ele, Gianroberto Casaleggio, contrata um comediante, Beppe Grillo, para o papel de primeiro avatar de carne e osso de um partido-algoritmo. Nasce, assim, o Movimento 5 Estrelas.

Na realidade o 5 Estrelas não é um partido político. É um blog extremamente centralizado por Casaleggio, que faz estrondoso sucesso abordando temas populares que estimulam o ressentimento com o establishment político. Casalleggio é o maestro dos algoritmos, selecionando os assuntos que terão engajamento de seu público e Grillo, famoso comediante, é a face viva, exagerando ao máximo os assuntos abordados.

O Movimento 5 Estrelas fez muito sucesso eleitoral, elegendo numerosas bancadas de deputados e conquistando as Prefeituras de Roma e Turim em 2016.

Esse novo formato de “fazer política” chamou a atenção de vários ideólogos de movimentos populistas de extrema direita (Dominic Cummings, Steve Bannon, Milo Yiannopoulos, Arthur Finkelstein, dentre outros).

Giuliano da Empoli, escritor italiano, denomina esses ideólogos de “Engenheiros do Caos” (*).

Bannon, por exemplo, fez muitas visitas à Itália para absorver conhecimentos e elaborar a estratégia de uma “internacional populista”.

O que foi captado na Itália foi aplicado, com adaptações, em vários lugares do planeta.

 

 

 

As Fake News

 

Os algoritmos das redes sociais são programados para oferecer aos usuários qualquer conteúdo capaz de atraí-los com maior frequência e por mais tempo.

Os algoritmos dos engenheiros do caos induzem os usuários a sustentar qualquer posição, razoável ou absurda, realista ou intergaláctica, desde que ela capte as aspirações e, principalmente, os medos dos eleitores.

Esta forma de fazer propaganda se alimenta sobretudo de emoções negativas, pois são essas que garantem maior participação dos eleitores. Daí o sucesso das fake News e teorias da conspiração.

O sucesso dessa nova forma de abordagem é medido pela capacidade de fazer explodir a cisão esquerda/direita para captar os votos de todos os revoltados e furiosos, e não apenas dos fascistas.

Por trás do aparente absurdo das fake News e das teorias da conspiração oculta-se uma lógica bastante sólida. Do ponto de vista dos líderes populistas e seus assessores, as verdades alternativas não são um simples instrumento de propaganda. Elas constituem um verdadeiro vetor de coesão.

Mencius Moldburd, famoso blogueiro da direita alternativa dos EUA, escreveu: “Por vários ângulos o absurdo é uma ferramenta organizacional mais eficaz que a verdade. Qualquer um pode crer na verdade, enquanto acreditar no absurdo é uma real demonstração de lealdade: a pessoa passa a possuir um uniforme virtual e pensa fazer parte de um exército”.

Assim, as lideranças de movimentos que agreguem fake News à construção de sua própria visão de mundo se destacam da manada dos comuns. Não são vistos como burocratas pragmáticos e fatalistas como os outros, mas como homens de ação, que constroem sua própria realidade para responder a anseios de seus seguidores.

 

 

 

A Destruição de Adversários

 

Arthur Finkelstein é um judeu homossexual de Nova York, apaixonado por ópera e literatura russa que milita, desde muito jovem, na ala dura do Partido Republicano dos EUA.

Seu método é o microtargeting, ou seja, análises demográficas sofisticadas e sondagens de boca de urna entre os eleitores das primárias dos EUA, que vão permitir identificar os diversos grupos para os quais devem ser enviadas mensagens segmentadas. A uns ele envia mensagens mais moderadas. Com outros envia mensagens pesadas, apontando certos aspectos do programa ou da personalidade dos candidatos que esses eleitores apoiam.

O verdadeiro talento de Finkelstein consiste não tanto em promover seu candidato, mas em destruir seus adversários. Ele desenvolve campanhas negativas, que jogam luzes nos defeitos de seus oponentes.

Ele transformou essa metodologia em uma arte que é copiada em vários locais do planeta.

 

 

 

Comunicação Segmentada

 

No modelo tradicional, a comunicação entre um candidato e seus eleitores alvo era (e é) muito limitada: se o candidato queria se comunicar com uma categoria ou grupo específico (base de sindicato, categoria empresarial, bairro, ...) tinha que fazer de forma pública. Se um candidato quisesse fazer uma comunicação para um público heterogêneo teria que utilizar termos moderados, para atrair o maior número possível de eleitores.

Atualmente, com a atuação de especialistas (físicos de dados, profissionais de TI, ...), a situação funciona de forma totalmente diferente. Esses profissionais identificam indivíduos ou pequenos grupos com características semelhantes e enviam mensagens customizadas para cada pessoa ou grupelho. Essas pessoas e grupos podem ter compreensões e comportamentos contraditórios entre si, porém nunca ficarão sabendo uns dos outros. O importante para os especialistas é convencê-los a votar no seu candidato ou não votar no candidato a ser destruído.

Essa nova forma de atuação política seria impensável sem a internet e as redes sociais.

 

 

 

Comentários Finais

 

Os atores com capacidade de liderança e visão estratégica continuam sendo fundamentais no jogo político.

Por outro lado, as redes sociais e a utilização de métodos científicos na comunicação via internet estão sendo cada vez mais decisivos na escolha dos eleitores. Para o bem ou para o mal.

É muito importante que as forças democráticas se apropriem dessas estratégias de comunicação com os eleitores, não só para se contrapor ao populismo de direita e extrema direita mas, principalmente, para fazer com que suas mensagens cheguem com qualidade a um número cada vez maior de pessoas.

Para que isso ocorra é fundamental que energias e recursos financeiros sejam direcionados para formação e organização de núcleos de especialistas em internet e tecnologia da informação.

Felizmente parece que estamos assistindo, no planeta, a um refluxo da onda de extrema direita e a um avanço dos ventos democráticos. Acredito que essa situação possa ser potencializada nos próximos anos.

Omar Rösler, dezembro de 2020.

 

(*) No livro “Os Engenheiros do Caos”, de Giulano da Empoli, ele explica didaticamente como as fake News, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. No presente texto tomei a liberdade de fazer citações literais desse livro. Sugiro fortemente sua leitura. Reitero agradecimento ao amigo Junico Antunes pela indicação deste livro.

 

Fonte da Imagem: https://nl.pinterest.com/pin/622059767269792755/

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

ARROZ: A FÁBULA E A REALIDADE

 

 


 

A FÁBULA

Pantanal queimando. Animais fogem desesperados. De repente percebem um passarinho que vai em direção ao fogo e se afasta, vai e volta. – Que está fazendo, pequeno pássaro, pergunta a onça? – Estou indo até o rio, encho meu bico de água, volto e jogo no fogo. – Mas desta forma não vai conseguir apagar o fogo! – Eu sei, porém ficarei com minha consciência tranquila.



A REALIDADE

Milhares de “passarinhos” desligam a água na pia enquanto escovam os dentes e ficam com a consciência tranquila. Enquanto isso, para suprir a necessidade de água do arroz, estima-se que venha sendo utilizado, atualmente, um volume de água médio de 8 a 10 mil m3 /ha (vazão de 1,0 a 1,4 L/s. POR HECTARE!), para um período médio de irrigação de 80 a 100 dias (GONÇALVES, 2010). É muita água! E, na maioria das vezes, essa água retorna para os rios e lagos com significativo volume de pesticidas (veneno), principal estratégia no campo para o combate e a prevenção de pragas.



ESSA HISTÓRIA TEM MORAL?

Os produtores de arroz utilizam intensamente nossa água, devolvem ela envenenada, depois vendem o arroz para países ricos. "Oh, a taxa de câmbio está favorável"! Enquanto isso os preços do arroz nos supermercados brasileiros aumentam, chegando a valores exorbitantes, inacessíveis para pessoas pobres. E o Governo Federal o que faz atualmente sobre isso? Apela para um hipotético “patriotismo” dos donos de supermercados, vários deles com matriz em outros países. Os donos de supermercados, claro, fazem de conta que não é com eles.


- FIM -

Omar, em outubro de 2020.