segunda-feira, 27 de março de 2023

Bostificação, o futuro irresistível do ChatGPT

 


por Natalia Viana
natalia@apublica.org
Diretora Executiva da Agência Pública

 

No seu livro A Superindústria do Imaginário, o professor Eugênio Bucci (que é conselheiro da Agência Pública) chama a gratificação instantânea provida pelas plataformas de “valor de gozo”, e nos provoca a pensar como internalizamos “a indistinção entre divertimento e trabalho”, a ponto de nos “alegrarmos” em tomar parte da linha de montagem superindustrial do valor de gozo. “O tal ‘usuário’ se diverte, acha que o ‘entretenimento’ que lhe oferecem é um presente, e trabalha até não mais poder”, tornando-se de uma só vez, mão-de-obra, matéria-prima e mercadoria. “Nunca o capitalismo desenhou um modelo de negócio tão perverso, tão acumulador e tão desumano”, escreve Eugênio.        

Pois, lendo sobre o ChatGPT, encontrei o excelente conceito de Enshitification, ou “amerdalhamento” ou ainda “bostificação”, como preferirem, pois acho que sou a primeira pessoa a traduzir esse conceito criado pelo intelectual canadense e ativista da internet livre Cory Doctorow para descrever o negócio das Big Techs mais disruptivas. Cory está no mercado há muito tempo: em 1999, criou uma empresa de software livre, foi um dos fundadores do Open Rights Group e trabalhou anos com a Electronic Frontier Foundation, uma fundação do bem que defende a internet livre. Seu conceito de “enshitificação” vem menos de uma reflexão profunda e calcada na academia do que a identificação de um padrão que se repete, de novo e novo, no mundo das Big Techs.  

Em resumo, ele diz que o ciclo de vida de plataformas digitais tem funcionado da seguinte maneira: primeiro, elas são boas para seus usuários; depois, elas abusam o usuário para fazer as coisas melhores para seus clientes comerciais; finalmente, elas abusam os clientes comerciais para extrair todo o valor para si mesmas. 
   

Uma vez tendo conquistado a maior parcela possível do público – hoje já são mais de cem milhões de pessoas usando o ChatGPT – a Open AI deve seguir o caminho trilhado por muitas outras plataformas. Vai seguir o mecanismo que nos mantém aprisionados seja no Facebook, Google, Uber, Amazon, ou ChatGPT, e a maneira como essas empresas conseguem extrair valor, ou mais-valia. 

Sim, o produto somos nós. Mas Cory vai além, dizendo que a bostificação é praticamente inevitável, dada a facilidade que as plataformas têm em realocar onde extraem mais-valia no seu modelo de negócios. Ou, melhor dizendo, uma vez que as plataformas e seus algoritmos são atravessadores entre vendedores e compradores, “mantendo ambos os lados como reféns”. 

Funciona assim: no começo, qualquer plataforma com ambições grandes o bastante dispensa milhões, senão bilhões de dólares em oferecer um serviço inovador, engajante, interessante e interativo, que permita ao usuário o gozo da descoberta de um mundo novo. Grana estratosférica é gasta em desenvolvedores, designers, cientistas sociais, linguistas, psicólogos, que vão construir uma deliciosa experiência de usuário, sem absolutamente nenhum retorno financeiro imediato à empresa. Fora o pessoal do marketing, que vai se esforçar em aliar o lançamento à narrativa do bom-mocismo do Vale do Silício. Então o Uber era pra democratizar a locomoção, o Facebook te conectava com aqueles que você ama, a Amazon te entrega o que você quiser na sua casa etc etc.    

A Amazon, por exemplo, operou durante anos com um prejuízo estratosférico; o Uber, pra quem não sabe, tem prejuízo todos os anos, chegando a 9 bilhões de dólares em 2022 no seu afã de controlar todo o mercado global. Uma vez tendo os usuários, é fácil atrair os fornecedores, a quem inicialmente também se oferece um bom negócio. Os motoristas de Uber, por exemplo, recebiam uma bela quantia no começo, ficavam extremamente satisfeitos por poderem ter um trabalho mais flexível. E os clientes estavam satisfeitos. Até que o Uber passou a recolher margens maiores, achatando o valor pago aos motoristas. Hoje, tem sido difícil encontrar um Uber – o famoso processo de bostificação.  

No caso do Facebook, o começo da era dos impulsionamentos – que eu vivi aqui como diretora da Pública – também não era assim tão mau. Você pagava um pouquinho, sua mensagem chegava a um monte de gente, havia enorme interação. Só que, como se trata de um mercado não regulado, as regras mudam de acordo com a cabeça do CEO da vez. 

Imaginem o seguinte: as plataformas funcionam como grandes praças públicas, porém privatizadas, onde as pessoas se encontram e passam um bom tempo da sua vida. Mas, por serem espaços privados (e digitais, sem nenhuma correlação necessária com a materialidade), toda e qualquer regra pode ser mudada a qualquer momento – e sem aviso. Então você é um vendedor de cachorro-quente e um dia o dono da praça decide que a gravidade já não se aplica mais, e suas salsichas saem voando; no outro dia, decidem que seria melhor que a temperatura fosse abaixo de zero; e toda sua mercadoria congela.

É mais ou menos isso que acontece, mas na descrição de Cory (mais sensata que a minha), o que ocorre é um pouco uma extorsão: uma vez que todo-mundo-do-mundo já está capturado na sua plataforma, o algoritmo passa a deixar de entregar sua mensagem, ou seu produto, e passa a cobrar cada vez mais para fazer algo que antes custava pouco. Sendo um monopólio, você é apenas obrigado a pagar. 

Lembrando que esse mercado não é regulado. Não tem regra. Não tem supervisão nenhuma. Nenhum monitoramento público. À la americana, o mercado promete resolver sozinho os problemas que cria ao prender as pessoas-produto no ciclo de gozo.  

Aí sim chega a fase final, a fase em que o mercado está tão dominado de ambos os lados – quem oferece o serviço e quem compra – que chega a hora de os investidores verem de volta todo aquele investimento inicial. E a plataforma fica uma merda. 

É o que estamos vendo agora com o Twitter, e o que vimos com o Facebook.  

O final do ciclo, para Cory, seria que as plataformas se tornariam um “monte tão grande de merda” que esse seria o fim. Depois de mexer nas relações humanas extraindo mais valia de todos os lados, o final seria o abandono do cuidado com todas as partes e o fechamento da empresa, depois de extrair muito lucro pros acionistas. Diz Cory que hoje o Facebook, por exemplo, está “terminalmente bostificado”.  

Mas eu acho que isso é otimista. Gigantes máquinas de dinheiro não morrem assim tão fácil, e podem inventar novos produtos, comprar outras empresas e tentar recomeçar o ciclo de atrair o público. 

Minha preocupação é outra: que essas empresas tenham se tornado tão poderosas e tão gananciosas que consigam frear qualquer mecanismo de regulação até que seja tarde demais para conter as novas ondas de robotização das atividades mais triviais da nossa vida, e com isso, a nossa prisão, a precarização do serviço ofertado, e então o rebosteio final. 

No fundo, o que pode parecer um problema extremamente complexo é simples. “A bostificação só conseguiu durar tanto porque a internet virou ‘cinco websites gigantes’” e é dominada por um “grupo de monopolistas confortáveis”, diz Cory. “A bostificação exerce uma gravidade praticamente irresistível ao capitalismo plataformizado”. Alternativas de serviços melhores não conseguem disputar a atenção, e, quando conseguem, os monopólios apenas as compram.     

Esse ciclo pode até ser infinito – veja a corrida do Google por lançar seu próprio chat com inteligência artificial e imagine um ChatGpt que esteja conectado na internet e já saiba tudo sobre você, que já tenha todos os seus dados – desde que as empresas consigam atrasar indefinidamente qualquer regulação pública da atividade de escravização humana, ou da “indústria do gozo”. Já estamos vendo isso na queda de braço da regulação em muitos lugares, inclusive no Canadá e no Brasil.


Para não sermos escravizados por robôs ultracapitalistas, não teremos outra saída a não ser regular, quebrar, e regionalizar as plataformas.   

 

Fonte do Texto: https://mailchi.mp/apublica.org/newsletter-xeque-na-democracia-032?e=f0c046fac2

Fonte da Imagem: https://rare-gallery.com/resol/1600x900/4582261-people-monochrome-surreal-digital-art-labyrinth.jpg

segunda-feira, 20 de março de 2023

A NOITE QUE NÃO TERMINOU (*)



Uma pequena rua com nome histórico: Travessa Lanceiros Negros. Em um bairro de classe média alta, esta denominação não tinha nada a ver. Muito diferente também do nome da rua onde acabava por desembocar: Nova Iorque.


Nenhum negro no bar apinhado de gente jovem. Em plena pandemia, todos ignoram a exigência de máscaras, a não ser as próprias, que usam para disfarçar seus sentimentos.


Meia-noite: música alta, metálica, misturada às vozes e ao cheiro de cerveja, espumante, vodca e batata frita. De repente, o céu é rasgado por uma sucessão de relâmpagos e a escuridão toma conta de tudo. É quando surgem e estacionam em frente ao bar quatro viaturas da Força Nacional Patriota. O esponsável pela operação, protegido por outros sete policiais, desce com um megafone na mão:

– Não se mexam, fiquem calmos. Repito! Fiquem calmos! Foi decretado Estado de Sítio. Estamos sob lei marcial federal. Saiam do bar de forma lenta e ordenada e nada acontecerá. Mostrem seus documentos de identificação aos agentes da Força Nacional. Estamos atrás de um perigoso subversivo! Ele será levado e nada acontecerá aos demais. 

As pessoas, mesmo não sabendo o que significa Estado de Sítio, entendem que a situação é grave. Reclamam, urram, mas o primeiro tiro de fuzil para o alto extingue a confusão.


Após mostrarem suas identidades, todos são liberados, com exceção de um. A turba tenta chamar motoristas de aplicativo, mas o 4G não funciona, os celulares não têm sinal, o Whatsapp está congelado, o Facebook e o Instagram estão bloqueados. Isso ocorre com todos na cidade: a capital, Porto Alegre, está às escuras; o Rio Grande do Sul está às escuras; o país está às escuras. As comunicações foram interrompidas. As rádios e emissoras de televisão estão fora do ar. Os canais dos radioamadores rugem somente estática.


O caos espalha-se com rapidez. Famílias tentam fugir da cidade, mas a Polícia do Exército está nas rodovias, nas gares e nas estações de metrô. Ninguém pode sair dos seus municípios ou deixar o país. Os militares, fortemente armados, mandam as pessoas voltarem para suas casas e permanecerem tranquilas. Caças cruzam a noite, espalhando terror na população.


Não há nenhuma explicação, só angústia e espera.


Depois da noite que não terminou, às doze horas do dia seguinte, todas as emissoras de TV e rádios voltam a operar em rede única para transmitir o seguinte comunicado:

Informações de inteligência dão conta de que a Argentina movimentou todas as suas forças bélicas, com o apoio externo de uma grande nação comunista, no objetivo de invadir o Brasil e implantar esse famigerado regime, sanguinário e ditatorial. Graças ao preparo e expertise das gloriosas Forças Armadas, aliado ao alto poder de negociação da nossa competente cúpula diplomática, e com a ajuda de Deus, conseguimos repelir essa ameaça externa. Em troca da proteção e apoio dos Estados Unidos da América, entregaremos somente as reservas do Aquífero Guarani e a metade norte da Amazônia, onde não se está plantando soja. O momento é grave e único na nossa História; assim, é imprescindível a confiança e o apoio de todos os patriotas para vergarmos a lâmina que paira sobre nossas cabeças. Mantenham a calma e confiem no seu Presidente.


Após o comunicado, é divulgada uma lista das medidas tomadas pelo gabinete de crise para o bem da coletividade: fechamento do Congresso Nacional e dos demais poderes legislativos, do Poder Judiciário, de sindicatos, federações e confederações, da UNE, da OAB e Conselhos de Fiscalização de Classe. Governadores e Prefeitos são destituídos, e novos serão nomeados. São determinadas a flexibilização dos direitos fundamentais, proibição de reuniões, supervisão das comunicações e da mídia, relativização do sigilo de dados e da correspondência, possibilidade de invasão de domicílio, busca e apreensão e prisão, por ordem de Autoridade.


Para finalizar, transforma-se o presidencialismo em monarquia: o Presidente vira Rei; sua esposa, Rainha; seus filhos, Príncipes. Ao menos, até que a ameaça externa seja contida.

É criado o Conselho de Segurança do Brasil, órgão de assessoramento direto do Presidente-Rei. Milhares de cidadãos, suspeitos de serem agitadores ou comunistas, antes monitorados nas redes sociais, são cassados, aposentados compulsoriamente, demitidos ou deportados do país por meio de inquéritos militares sumaríssimos: jornalistas, juízes, promotores, sindicalistas, médicos, advogados, intelectuais, artistas, escritores, poetas e principalmente letristas de músicas subversivas, além de políticos dos partidos de centro e esquerda. Quase todos foram presos na noite que não terminou, e levados para a Venezuela e Cuba. São recebidos no exílio mediante a doação de milhares de toneladas de soja, milho, algodão, cana-de-açúcar, frangos, suínos e bovinos. Na mesma semana, ocorre uma situação inusitada.


O Fundador da Associação Nacional da Classe Média – ANACLAME, completamente embriagado, após sair de uma festa em comemoração à decretação do Estado de Sítio, invade o zoológico de Brasília e, em um arroubo de lascívia e bestialismo, estupra uma anta.
Após onze meses, nasce no zoo um animal metade anta, metade homem. O fato viraliza, torna-se notícia mundial. O Estado de Sítio já foi amenizado para Estado de Defesa, sendo sucessivamente prorrogado por quatro anos. O Presidente-Rei tem uma ideia. Por decreto, o animal é alçado ao status de Guru Supremo. Ele será o responsável pela edição de novas leis, já que todas, inclusive a Constituição, foram revogadas durante o Estado de Sítio.
Como o animal só sabe assobiar, três filósofos do Planalto são designados intérpretes da sua vontade.


A rotina se repete: a anta dorme durante o dia, é alimentada ao final da tarde com o melhor feno transgênico e, à noite, começa a assobiar. No dia seguinte, as novas leis e diretrizes obrigatórias da sociedade são impressas e divulgadas, uma por dia, trezentos e sessenta e cinco vezes ao ano:


São extintos os Poderes Legislativo e Judiciário, o Ministério Público e os Tribunais de Contas.


A meritocracia é valor supremo e central do Estado, preponderando sobre quaisquer outros  fundamentos ou princípios.


É admitida apenas a religião oficial neste território.


O Estado subvencionará a compra de armas para todos os cidadãos de bem.


Não existe pena de morte no Brasil, exceto em razão de fuga, perseguição ou flagrante delito de indivíduo negro ou pardo suspeito, e por decisão exclusiva da Autoridade.


A partir de hoje, todos colaboradores passam a ser sócios efetivos das empresas, no percentual máximo de 0,000000000000000000017%, com a respectiva supressão dos direitos a um terço de férias, décimo terceiro salário, adicional noturno, horas-extras, auxílio-doença, dentre outros, em contrapartida a tornarem-se empreendedores.


A propriedade e a desigualdade são direito de todos, e compete à Autoridade zelar para que se cumpra essa determinação.


Com a volta da extrema direita ao poder nos Estados Unidos, o país passa a ser um protetorado norte-americano bilíngue. Não gasta mais com políticos, urnas eletrônicas e eleições. O dólar está  subvalorizado, permitindo à classe média viajar duas vezes por ano para Orlando e Miami.

Os combustíveis foram depreciados em trinta por cento.


Brasileiros, com determinada renda ou patrimônio, podem emigrar para os Estados Unidos sem uso de passaporte.


A pequena rua com nome histórico, Travessa Lanceiros Negros, está novamente repleta de jovens brancos bebendo suas cervejas e ouvindo músicas metálicas, indiferentes a tudo.
Com a morte do Rei, o Príncipe primogênito, depois de mandar prender os irmãos, assume para um mandato vitalício.

O povo está feliz.


Rodrigo Valdez 


(*) Esse é um dos contos do livro Berkut, cuja capa está acima publicada. O texto foi cedido para publicação neste bloguinho pelo gentil autor do livro, Rodrigo, do qual tenho o privilégio de ter relação de amizade. Recomendo fortemente o livro.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

A INVASÃO DAS BARATAS VOADORAS

 


No verão de 2016 aconteceu um fenômeno curioso no bairro onde resido em Porto Alegre: os moradores começaram a escutar um som novo, intermitente, que vinha de diversos lugares.

Muitas pessoas confundiram com alarmes.

 Eram cigarras, que voltavam ao bairro depois de anos.

Veja aqui o que escrevi, na época, a respeito:  https://doomar.blogspot.com/2016/01/o-verao-das-cigarras.html

Neste ano, 2023, nas mesmas cercanias surgiu um novo acontecimento: edifícios e apartamentos receberam visitas acintosas de baratas voadoras com frequência e quantidades fora do usual.

As baratas apareceram sobre a face da terra há aproximadamente 400 milhões de anos e, em nosso país, são conhecidas 644 espécies, sendo que a maioria habita ambientes de floresta. Aproximadamente cinco espécies desses insetos estão associadas a ambientes urbanos e, portanto, presentes em habitações humanas de diversas regiões do globo terrestre. 

A barata de esgoto, ou barata voadora, Periplaneta americana, é uma das espécies domésticas mais comuns no Brasil. Esse animal pode viver em vários ambientes, preferindo locais mais isolados, quentes e úmidos. Rodapés, rachaduras, cantos, frestas, ralos e caixas de gordura de nossas casas podem abrigar esses seres cuja presença não é muito bem-vinda.

Por que apareceram nesse verão de forma que pode parecer exagerada é uma questão a ser estudada.


Saiba mais: https://mundoeducacao.uol.com.br/biologia/barata.htm

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Cuidado com os 'homens de bem'

Por Ruy Castro, para Folha de São Paulo

Incrível como tantos patriotas de Bolsonaro se envolvem com crimes de toda espécie

O patriota com camiseta de Bolsonaro que vandalizou o relógio no Palácio do Planalto tem três passagens pela polícia em Goiás, por ameaça física, tráfico de drogas e receptação de carros roubados. A patriota que, enrolada na bandeira do Brasil na invasão do STF, gabou-se de ter emporcalhado o banheiro dos ministros, também tem uma condenação por tráfico, em Santa Catarina. E outro patriota capturado nos distúrbios, munido de bombas, estilingues e material para coquetel molotov, era foragido por ter matado um homem a facadas no Pará em 2018.

Um patriota do Paraná, suspeito de ter fretado quatro ônibus que levaram golpistas de Londrina a Brasília, já cumpriu dois anos por sonegação de R$ 1,2 milhão em impostos. Outro patriota, este de Mato Grosso, foi acusado em 2021 de ameaçar a ex-mulher com uma barra de ferro e, ao ser preso, jurou matá-la "assim que saísse da cadeia". A quantidade de infratores da Lei Maria da Penha entre os capturados na praça dos Três Poderes é grande, com destaque para um patriota de Minas Gerais, que tentou esfaquear a mãe.

Todos os patriotas de Bolsonaro se dizem "homens de bem". Mas desde quando "homens de bem" estão associados a tantos problemas com a lei?

O cardápio de crimes em que se envolvem é infinito: genocídio dos yanomamis, contrabando de madeira, garimpo ilegal, assassinato de sertanistas, intimidade com milicianos, arsenais domésticos clandestinos, cocaína no avião presidencial, Viagra e próteses penianas para generais, venda de cloroquina, comissão na aquisição de vacinas, Bíblias a peso de ouro, rachadinhas, compra de mansões com dinheiro vivo, cheques para a primeira-dama, militares com salários de seis dígitos, mamatas com o cartão corporativo, empresários financiadores de terrorismo etc. etc.

Desconfie de gente de camisa amarela e ficha na polícia. Pode ser um "homem de bem".

 

No terceiro andar do Palácio do Planalto, um pedaço vivo da história do país, o relógio que Dom João VI trouxe para o Brasil em 1808 foi destruido as 15h33 . imagens inéditas das câmeras de segurança do Palácio do Planalto. As cenas registradas mostram a destruição promovida pelos extremistas bolsonaristas.

 

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Consejo para Djs estivales: si querés que bailen más no subas el volumen; alcanza con agregar frecuencias bajas más allá de lo audible


 

Por Leo Lagos, para La Diaria, Uruguay.

 

Interesante para quienes miden el éxito de un festival o fiesta de acuerdo a cuánto se mueve la gente, una investigación mostró que frecuencias bajas imperceptibles para el oído –infrasonidos– aumentaron casi en 12% el movimiento de las personas durante un evento de música electrónica.

La música y la ciencia tienen una larga y fructífera relación que lleva siglos. De hecho, data de cuando a la ciencia no le decíamos así y a los griegos se les daba por andar pensando cosas que luego impactarían a lo largo de los siglos en nuestras formas de entender el mundo. La música, claro, ya estaba en el planeta desde mucho, muchísimo antes. Hay una flauta que tiene más de 60.000 años de antigüedad y no fue construida por nosotros, sino por los Homo neanderthalensis, nuestros queridos neandertales con los que los Homo sapiens tenemos una larga y sexual relación.

Uno de los casos más entrañables en esto de amalgamar música y ciencia llevó al astrónomo Johannes Kepler, en su obra Harmonia mundo de 1619, a proponer no sólo leyes matemáticas que regían el movimiento de los planetas en órbitas elípticas en torno al Sol, sino también a postular que los planetas de nuestro sistema solar entonaban una especie de coro celeste. Mercurio, el planeta más cercano y por tanto con un período más corto, sería el de la voz más alta, por lo que para Kepler era el soprano de este armonioso sistema (una cuerda corta fijada en dos puntos emitirá un sonido más agudo que una de igual grosor pero más larga). Venus y la Tierra eran las voces altas, Marte era el tenor, y como entonces sólo se conocían seis planetas, los más distantes, gigantes y lentos, Júpiter y Saturno, eran los bajos. Todo aquello no era así –en el espacio sin aire para propagar las ondas no hay ni sopranos ni altos ni tenores– pero sin embargo sí hay una armonía que las leyes de la ciencia intentan describir en una partitura que nos maraville y resulte útil.

De hecho, la física y la matemática tienen muchísimo que ver en casi cualquier instrumento musical. Lo que la música provoca en nosotros y las maneras en que lo logra se volvieron también temas de estudio para la ciencia, aun cuando una de las cosas que nos maravillan de la música es justamente su cualidad de no necesitar ser explicada para lograr conmovernos. Y de movernos, que de eso trata esta nota.

Como decía el físico biomecánico y divulgador Ernesto Blanco en su serie Superhéroes de la física, la música “es capaz de generar emociones de un modo muy directo; incluso la música logra, entre otras cosas, que empecemos a movernos de formas que en otro contexto nos resultarían extremadamente vergonzosas”. La música nos mueve. O al menos muchos humanos, y algunos animales, nos movemos con ella, sin importar si somos una figura del ballet nacional o unas ridículas criaturas que, aun en la pista de baile, nos moveremos de forma “extremadamente vergonzosa”.

Precisamente, estudiar algunos aspectos relacionados con esa capacidad de la música de hacernos mover era lo que tenía en mente un grupo de investigadores nucleados en la canadiense Universidad McMaster. Liderados por el neurocientista Daniel Cameron, quien, según dice, es baterista y por tanto ha dirigido sus investigaciones hacia “los aspectos rítmicos de la música y de cómo nos hace mover”, el colectivo sacó a fines de 2022 un interesantísimo trabajo que, ahora que hay raves y fiestas mononas por toda la costa, vale la pena desempolvar.

El trabajo se llama “Sonidos indetectables de muy baja frecuencia aumentan el baile en un concierto en vivo” y fue llevado adelante en el LIVLab, una sala en Toronto de poco más de 106 butacas que fue diseñada y concebida por la Universidad McMaster para realizar experimentos científicos sobre la música, la danza, las presentaciones multimedia y la interacción humana. Veamos de qué se trata entonces.

 

Moviendo el groove

“¿El sonido de baja frecuencia (bajos) hace que la gente baile más?”, comienzan preguntándose Cameron y sus colegas. “La música que hace que la gente quiera moverse tiende a tener un sonido de baja frecuencia, y los instrumentos bajos suelen proporcionar el pulso musical con el que la gente baila”, afirman a continuación ayudando a que los bajistas recuperen un poco de autoestima (en el mundo de la música los chistes sobre bajitas y bateristas son el equivalente a los de gallegos).

“Los tonos bajos confieren ventajas en la percepción y la sincronización del movimiento y provocan respuestas neuronales más fuertes para la sincronización en comparación con los tonos altos, lo que sugiere una comunicación sensoriomotora superior”, afirman luego, mostrando que a nivel teórico la relación entre sonidos de baja frecuencia y ganas de moverse no es un terreno yermo. Luego agregan que, además de por el sentido del oído, los sonidos de baja frecuencia se procesan también “a través de las vías vibrotáctil y vestibular”, algo que cualquiera habrá experimentado al sentir que alguien le está dando una paliza en el pecho cada vez que pasa un auto tuneado con subwoofers haciendo sonar la canción del momento. Y como dicen en el trabajo, “la estimulación de estas modalidades no auditivas en el contexto de la música puede aumentar las calificaciones de groove y modular la percepción del ritmo musical”. ¿Qué es eso del groove?

Bien, como muchas cosas de la música, a veces las palabras nos fallan al intentar abordarlas. Groove, que en inglés viene de “surco”, fue una expresión que parece venir del ámbito del swing, un estilo de jazz muy rítmico de principios del siglo pasado (swing, a su vez, se convirtió en una expresión para intentar poner en palabras cosas difíciles de definir, como la onda de un músico tocando o una persona).

“El groove musical se reconoce como una característica de las canciones que abarcan géneros como el jazz, el pop, el rock, el hip hop, el R&B, el soul y el funk, popularizadas por artistas como Stevie Wonder, Michael Jackson y James Brown”, dice el trabajo “Elementos de sofisticación musical y de la danza predicen la percepción del groove musical” publicado por Samantha O’Connell y otros en Frontiers in Psychology, también en noviembre de 2022. Allí, siguiendo la evolución del término, también reportan que “a medida que la música evolucionó, el groove se convirtió en un término paraguas para describir un fenómeno por el cual los ritmos musicales invocan movimiento”. Ya en los años 2000, el groove fue centro de múltiples estudios en neurociencias, como por ejemplo para ver la relación entre las zonas motoras y de audición del cerebro, el groove como una forma de mejorar el desempeño al realizar diversas tareas, como por ejemplo promover “zancadas más largas y pasos más rápidos al caminar”, o al correr o remar. Incluso citan trabajos que dicen que “incluso sin que haya movimiento acompañante, sólo escuchar música con groove puede tener el poder de excitar neuronas en el sistema motor”.

Con tanto furor y posibilidades de estudio, O’Connell y sus colegas dicen que “para comprender este fenómeno musical, los investigadores han estudiado los componentes auditivos específicos que pueden contribuir a la sensación de groove”. Entonces señalan que “la evidencia empírica convergente indica que las propiedades auditivas basadas en el tiempo, como un notorio ritmo de tono bajo, una complejidad rítmica moderada y un tempo medio de aproximadamente 120 beats por minuto, se han descrito como características definitorias del groove musical”. Para hacernos una idea, una canción como “El hombre de la calle”, de Jaime Roos, anda por los 100 beats por minuto (BPM), mientras que “Get back” de los Beatles ronda los 120.

En el trabajo que nos convoca, sin embargo, no se hablará del groove ni de Jaime Roos ni de los cuatro de Liverpool, sino de la música electrónica. De hecho, el experimento principal se llevará a cabo en la ya mencionada sala del LiveLab mientras el dúo Orphx realizaba un show de 55 minutos. Ya veremos más detalles, pero a los efectos de su trabajo Cameron y colegas definen al groove como “la necesidad placentera de moverse al ritmo de la música”. No hace falta contar BPM ni nada: si la música te mueve, hay groove involucrado.

¿Por qué realizaron su trabajo con música electrónica? La respuesta sería otra pregunta: ¿por qué no? Pero, además, tienen otras razones: “Relatos anecdóticos describen los efectos físicos y psicológicos intensos de las bajas frecuencias, especialmente en la música electrónica, lo que posiblemente refleje los efectos sobre la excitación fisiológica”, señalan.

 

No se oye pero se siente

Dado que lo que buscaban era probar “si la estimulación mediante bajas frecuencias inaudibles aumentaría el baile en el público” recurrieron a una de las prestaciones que les ofrecía la sala LiveLab: encendieron y apagaron parlantes que emiten muy bajas frecuencias –entre 8 y 37 herz– a intervalos de dos minutos y medio durante los 55 minutos que duró el show de Orphx. Mediante sensores y captura de movimiento, registraron cómo respondía el público durante todo el show.

La gente sabía a lo que iba: cada uno de los asistentes dio su consentimiento informado, se les suministraron “bandas para la cabeza con marcadores de movimiento”, y llenaron tanto un cuestionario antes del recital como otro después.

Lo que reportan al medir los movimientos de cabeza durante el show es que el público se movió más, en promedio 11,8%, cuando los parlantes con muy bajas frecuencias estaban encendidos que cuando estaban apagados. Orphx tal vez pensó que en esos momentos estaba haciendo mejor las cosas, pero apenas eran las frecuencias bajas haciendo de las suyas.

Dado que las frecuencias bajas que emitieron los parlantes estaban cercanas al límite de detección, los investigadores fueron un paso más allá. “Para confirmar que los sonidos de muy baja frecuencia no eran detectables conscientemente, 17 nuevos participantes (uno de los cuales participó en el experimento del concierto) completaron una tarea de elección forzada de dos alternativas utilizando los mismos altavoces en LiveLab”. A los participantes se les daba a escuchar dos pares de fragmentos de 3,5 segundos del audio del concierto y se les pedía que indicaran qué fragmentos eran diferentes. El asunto es que “todos los fragmentos eran idénticos, excepto por la presencia o ausencia de sonidos de muy baja frecuencia”. Los participantes fallaron en señalar cuándo estaban sonando los sonidos de muy baja frecuencia.

“La naturaleza indetectable de los sonidos de muy baja frecuencia empleados muestra que la relación causal entre el bajo y el baile no refleja una asociación explícita, es decir, es muy poco probable que los miembros de la audiencia identificaran cuándo se activaron esos sonidos de muy baja frecuencia y respondieran decidiendo conscientemente bailar más (a pesar de haber una asociación general de bajos, movimiento y placer)”, reportan.

Es entonces que los investigadores dicen que “estos resultados demuestran que los sonidos de muy baja frecuencia pueden aumentar la intensidad de un comportamiento social complejo, el baile, sin que los participantes se den cuenta”. Es más, señalan que estos resultados “superan las asociaciones previamente conocidas entre los sonidos bajos y el baile, demostrando un efecto grande y altamente confiable en un contexto de máxima validez ecológica”.

 

¿Por qué sucede?

El artículo es fabuloso entonces por mostrar qué sucede con un público real durante un show real de un dúo real mientras sonaban estos parlantes especiales capaces de emitir sonidos de muy baja frecuencia. La gente bailó prácticamente 12% más cuando estos parlantes estaban activados. Ahora, por qué sucedió esto es otro cantar (en frecuencias audibles).

“Los sistemas vibrotáctil y vestibular procesan el sonido de baja frecuencia, tienen vínculos estrechos con el sistema motor y pueden afectar las calificaciones del groove, el movimiento espontáneo y la percepción del ritmo”, proponen en el trabajo. Dadas estas conexiones, y dado también que los sonidos agregados al recital “estaban por debajo o cerca del umbral auditivo”, los autores señalan que “estas vías sensoriales no auditivas probablemente estaban involucradas en el efecto observado al bailar en un concierto en vivo al contribuir con señales intermodales sobresalientes al sistema motor”.

Es más, en el trabajo especulan que puesto que “una teoría sugiere que el sistema vestibular en particular tiene un papel fundamental en la percepción humana de las bajas frecuencias, el ritmo musical y las ganas de moverse al ritmo de la música, en parte debido a los efectos vestibulares-autonómicos”, su trabajo sería “consistente con esa teoría, aunque no fue una prueba directa de la misma”. En otras palabras: si esa es la razón, si el sistema vestibular está más involucrado en este aumento de gente bailando ante estos sonidos de muy bajas frecuencias, será otro trabajo el que lo diga. Aquí el diseño experimental no permite afirmarlo.

Dicen sí que “la naturaleza implícita de la respuesta sugiere la participación de vías subcorticales desde el sonido hasta el comportamiento, posiblemente incluyendo la modulación del sistema de recompensa, cuya actividad está asociada con el groove y el vigor del movimiento, y/o la dinámica del tiempo en el sistema motor a través de los ganglios basales”.

También señalan que “si bien la cultura y la experiencia individual pueden influir o no en la medida en que los sonidos de muy baja frecuencia influyen en el baile y el movimiento, su naturaleza indetectable sugiere un camino de nivel relativamente bajo por el cual las bajas frecuencias influyen en el movimiento y el baile, lo que a su vez sugiere un aspecto fundamental de la cognición humana de la música y el comportamiento de baile”.

 

No todo es movimiento

Cuando quien hace de Dj o de músico quiere que el público estalle, tiene varios trucos a los que apelar. Tocar una conocida, apelar a canciones con un ritmo fiestero –¿groovy?– y tantos otros. Sin embargo, este estudio dice que subir la perilla de volumen no es necesario. La cosa es más una cuestión de frecuencias (aunque también es cierto que al activar los parlantes de ultrasonido, aunque no se escuchara, la presión sonora aumentó en la sala).

“La música es una curiosidad biológica: no nos reproduce, no nos alimenta y no nos protege, entonces ¿por qué a los humanos les gusta y por qué les gusta moverse con ella?”, pregunta Daniel Cameron en un comunicado de cuando el trabajo se dio a conocer.

Lo que sí es evidente es que cuando los músicos y los Djs tocan, la música toca a la audiencia. El sonido es presión sonora. Y por más que los sonidos los escuchamos, no sería del todo incorrecto decir que de cierta manera sentimos que nos tocan. Como dice Ed Yong en su último libro, Un mundo inmenso, “entre los cinco sentidos tradicionales, el oído está más estrechamente relacionado con el tacto. Eso podría ser contraintuitivo, ya que el último se ocupa de las superficies, que son sólidas y tangibles, y el primero se ocupa de los sonidos, que parecen etéreos y transportados por el aire. Pero tanto el oído como el tacto son sentidos mecánicos, que detectan movimientos en el mundo exterior utilizando receptores que envían señales eléctricas cuando se doblan, presionan o desvían. En el tacto, esos movimientos ocurren cuando las yemas de los dedos (o los bigotes, las puntas de los picos y los órganos de Eimer) se presionan o acarician contra una superficie. En la audición, los movimientos se producen cuando las ondas sonoras llegan al oído y desvían las pequeñas células ciliadas de su interior”.

La música nos toca, entonces. En el trabajo, en ese groove, en esas ganas de bailar más debido a sonidos de muy baja frecuencia, los sistemas vibrotáctil y vestibular algo tendrían que ver en todo esto. Sin embargo, que la música nos toque no tiene directamente que ver con que nos haga bailar más.

Hay canciones tristes que están lejos de los 120 BPM de una muy groove, pero nos mueven y nos conmueven. Hay canciones extremadamente alegres que también están lejos de esos ritmos. Hay canciones y obras siquiera sin letra alguna que expresan ideas, sentimientos y sensaciones que nos tocan hondamente y que no provocarían una explosión en una pista de baile. Hay canciones que bailamos por dentro. Entonces, estimados y estimadas Djs, si quieren hacer que la gente se mueva un poco más, alcanza con sumar sonidos de muy baja frecuencia. Sin embargo, como los artistas hace tiempo saben, pese a que no haya artículos científicos al respecto, llegarle a la gente es otra cosa. Hacer vibrar a alguien que no estamos tocando directamente podrá parecer una truchada poco científica, como la telekinesis. Sin embargo, eso es lo que viene haciendo el arte, por lo menos desde que empezamos a embadurnar las cavernas con pinturas.

Artículo: Undetectable very-low frequency sound increases dancing at a live concert
Publicación: Current Biology (noviembre 2022)
Autores: Daniel Cameron, Dobromir Dotov, Erica Flaten, Daniel Bosnyak, Michael Hove y Laurel Trainor.

Fonte: https://ladiaria.com.uy/seccion/investigacion-cientifica/

Imagem: https://wallpapersafari.com/w/QBSb2v#google_vignette

 

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Acampados dos Quartéis sofrem de Alucinações Coletivas? Leia o Artigo.

Bolsonaristas em Porto Alegre pedem ajuda fazendo sinais de luz com celular na cabeça.


Alucinações são mais comuns do que se imagina

Fred Schwaller, para Deutsche Welle

Todo mundo tem alucinações. Elas são parte da percepção sensorial normal, e não apenas o resultado de transtornos mentais ou drogas, apontam teorias científicas atuais.

Felix Yarwood, um designer de produto de 32 anos do Reino Unido, tem alucinações. Ele não vê pessoas imaginárias, nem ouve vozes que lhe dizem o que fazer. Mas às vezes sente coceiras inexistentes e ouve sons que podem ou não estar em sua cabeça – ele nunca tem certeza. De acordo com teorias atuais, as experiências de Yarwood são perfeitamente normais.

"Todo mundo tem alucinações", afirma Anil Seth, neurocientista da Universidade de Sussex, no Reino Unido.

"É importante reconhecer que alucinações podem ir e vir durante nossas vidas, em momentos de estresse ou cansaço", aponta. "Há um pouco de estigma em torno de alucinações, associadas a doenças mentais e com as pessoas sendo chamadas de loucas."

Na realidade, trata-se de algo muito comum e que acontece até mesmo diariamente. A experiência de Yarwood com coceiras imaginárias, por exemplo, é particularmente comum, especialmente depois de beber álcool.

"Também é comum que pessoas com capacidade de audição ou visão reduzida tenham alucinações naquele ouvido ou olho", afirma Rick Adams, psiquiatra da University College London. "Trata-se de alucinações não clínicas, pois não são associadas a um diagnóstico psiquiátrico."

 

Percepção é alucinação controlada

Para entender o que realmente acontece quando se tem alucinações, é preciso observar como o cérebro cria percepções sensoriais.

Intuitivamente, podemos pensar que a percepção é o resultado da leitura de informações externas que chegam ao cérebro. Algo que Seth contesta.

"Na verdade, é o contrário: a percepção é o cérebro gerando representações do mundo a partir de dentro. A informação vinda dos sentidos calibra as percepções", explica.

Ou seja, o cérebro é um órgão preditivo que tenta antecipar ou entender o que está acontecendo com base no que aconteceu antes, aponta o especialista.

Na visão, por exemplo, o cérebro cria hipóteses sobre as informações sensoriais vindas do olho. Ele faz previsões rápidas sobre o que um objeto pode ser com base no que você viu no passado. Outras informações sensoriais dos olhos ou de outros sentidos ajustam e corrigem essa previsão para torná-la mais precisa. 

"Isso significa que a percepção cotidiana é uma espécie de alucinação controlada ou sonho acordado. É gerada de dentro, mas controlada pelo mundo por meio de sinais sensoriais", conclui Seth.

 

Pareidolia e ilusões 

Pode parecer estranho pensar que o olho desempenha um papel secundário na percepção visual, mas há situações em que você pode perceber isso acontecendo. 

A primeira é a pareidolia – a tendência de ver padrões nas coisas quando não há nenhum, como ver um rosto na Lua. Aqui, o cérebro está gerando a percepção de um rosto, apesar de informações sensoriais dizerem que é impossível a Lua ter uma face. Desse modo, podemos saber que a Lua não tem rosto, mas ainda assim o vemos. 

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Em segundo lugar estão as ilusões visuais, como a ilusão do caçador lilás. Se você olhar para a cruz no centro da imagem por 30 segundos, poderá ver os discos lilás desaparecendo e um disco verde correndo ao redor do círculo no lugar da lacuna.

https://youtu.be/RKm_bmHoTFs

Mas é claro que não há disco verde. De acordo com Seth, o cérebro gerou a percepção do disco verde para preencher a lacuna de cor. 

 

Quando alucinações se tornam um problema? 

Embora todos nós tenhamos alucinações "simples" em alguma medida, as alucinações "complexas" são muito mais comuns em pessoas diagnosticadas com condições psiquiátricas: 89% das pessoas com esquizofrenia e 40% das pessoas com doença de Parkinson experimentam alucinações. 

De acordo com Adams, alucinações simples do dia a dia se tornam preocupantes quando começam a atrapalhar a vida normal.

"Não se trata de com que frequência você tem alucinações ou de que tipo elas são, mas de se elas têm algum tipo de efeito danoso sobre a própria pessoa. Elas também invadem a vida e não podem ser controladas", explicou. 

Muitas pessoas com esquizofrenia, por exemplo, tendem a ouvir vozes ou ver coisas que são desagradáveis ​​e perturbadoras, como vozes que as fazem lembrar de seus medos mais sombrios ou as dizem para machucar a si mesmas. Seth descreve esse tipo de alucinações como uma percepção descontrolada. 

Cientistas realmente não sabem por que alucinações perceptivas normais, como as que Yarwood experimenta, tornam-se fortes e complexas em condições como a esquizofrenia. Adams acredita que uma chave para o quebra-cabeça possa ser o fato de que as vozes parecem vir do mundo exterior, apesar de serem geradas dentro do cérebro.

"Achamos que existe um módulo envolvido na percepção no cérebro que de alguma forma ganha autonomia. Esse espaço do cérebro começa a jorrar previsões perceptivas que não têm base em informações sensoriais. O resto do cérebro recebe essas previsões e naturalmente assume que elas vieram de fora", diz o psiquiatra. 

A ideia é que o módulo autônomo de geração de percepção perdeu o feedback das informações sensoriais do olho ou dos ouvidos, que normalmente corrigiriam a percepção. Portanto, a alucinação parece estar desassociada do seu corpo. 

 

Diversidade nas percepções 

Mas quão comum são alucinações? Cientistas não sabem exatamente. Ainda não foram realizados estudos rigorosos sobre a frequência com que as pessoas têm alucinações de qualquer tipo. Até agora, o foco tem sido apenas as alucinações associadas a estados mentais alterados pelo uso de drogas ou distúrbios mentais.

Seth tem como objetivo entender melhor alucinações em nível populacional. Ele acha que os mundos perceptivos individuais das pessoas diferem uns dos outros mais do que pensamos.

"Chamamos isso de diversidade perceptiva. Essas diferenças são subjetivas e particulares, ao contrário da nossa pele ou cor de cabelo, mas moldam nossas vidas", diz. 

O neurocientista lidera atualmente um estudo em andamento medindo variações entre os mundos perceptivos individuais, com o objetivo de entender os tipos de alucinações ou estranhezas perceptivas que experimentamos todos os dias.

Contudo, esse estudo, denominado Censo de Percepção, vai além da simples percepção. Seth acredita que a pesquisa ainda nos ajudará a entender como percebemos o mundo ao nosso redor – quais partes compartilhamos e quais são únicas, e como isso nos torna quem somos.

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