segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

A INVASÃO



Por Luis Fernando Verissimo


O Estado de São Paulo
29 de dezembro de 2019

A possibilidade de sermos localizados pelas forças anticultura do governo e presos multiplica-se.

Estou transmitindo isso em código. Se a transmissão for interrompida abruptamente é sinal de que tive que fazer xixi ou fui descoberto. A possibilidade de sermos localizados pelas forças anticultura do governo e presos multiplica-se, e a repressão aumenta dia a dia. Muitos companheiros da resistência estão desaparecidos, como o pessoal do teatro de vanguarda obrigado a desocupar o teatro onde encenavam uma peça de conteúdo social, o que é proibido, e levados em camburões do temido Departamento de Combate à Criatividade com destino ignorado, todos nus. Qualquer manifestação artística com o nome de “vanguarda”, “social” e etc., já era proibida no território nacional e agora, para simplificar, decidiram proibir qualquer manifestação artística no território nacional, salvo a de bispos cantores.

A queima de livros que pregam o evolucionismo, o sexo recreativo, a redondeza da Terra, o ridículo de acreditar em astrologia, o socialismo ou tudo isso ao mesmo tempo, continua e já há uma corrente que julga inútil queimar livros se suas ideias continuam a existir e serem propagadas por mentes doentias, e sugere que se queime escritores, ou na ordem alfabética ou pela sua evidente combustibilidade. Somos obrigados a mudar o código quase que diariamente para evitar a detenção.

A própria palavra “código” não quer dizer mais código. Procure decifrar seu novo sentido antes que me peguem. Acho que não tenho muito tempo antes de ser lançado na hipotética fogueira. Nosso erro, ao escolher os fatos mais importantes que aconteceram no Brasil em 2019, foi não prestar a devida atenção. Fomos invadidos sem nos darmos conta, quando nos demos conta já era tarde. Deveríamos ter desconfiado que era uma invasão na cerimônia de posse do seu ministério anunciado pelo Bolsonaro. Lembra? Grande parte dos ministros usava longos guarda-pós brancos. Aquilo era estranho, estariam lançando uma nova moda ministerial, com o guarda-pó simbolizando sua disposição de trabalhar pelo País sem personalismo ou vaidade? Mas não. Assim que foram identificados como ministros do novo governo, os de guarda-pós arrancaram seus disfarces – que tapavam fardas militares!

A quantidade de militares em quem ninguém votou, com cargo oficial e poder, perfilados dentro da sede do governo, caracterizava um golpe. Branco como os guarda-pós, mas golpe. Sem armas à vista, sem tanques na rua, mas a invasão de um país por outro assim mesmo. Tudo neste texto é metafórico, da anticultura num país dominado pelo que ele mesmo tem de mais retrógrado, do primeiro parágrafo, aos guarda-pós que não existiram, mas sua única imprecisão está no exagero.



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quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

NATAL: A ORIGEM!




A história do Natal começa, na verdade, pelo menos 7 mil anos antes do nascimento de Jesus. É tão antiga quanto a civilização e tem um motivo bem prático: celebrar o solstício de inverno, a noite mais longa do ano no hemisfério norte, que acontece no final de dezembro. Dessa madrugada em diante, o sol fica cada vez mais tempo no céu, até o auge do verão. É o ponto de virada das trevas para luz: o “renascimento” do Sol.
Num tempo em que o homem deixava de ser um caçador errante e começava a dominar a agricultura, a volta dos dias mais longos significava a certeza de colheitas no ano seguinte. E então era só festa. Na Mesopotâmia, a celebração durava 12 dias. Já os gregos aproveitavam o solstício para cultuar Dionísio, o deus do vinho e da vida mansa, enquanto os egípcios relembravam a passagem do deus Osíris para o mundo dos mortos.
Na China, as homenagens eram (e ainda são) para o símbolo do yin-yang, que representa a harmonia da natureza. Até povos antigos da Grã-Bretanha, mais primitivos que seus contemporâneos do Oriente, comemoravam: o forrobodó era em volta de Stonehenge, monumento que começou a ser erguido em 3100 a.C. para marcar a trajetória do Sol ao longo do ano.
A comemoração em Roma, então, era só mais um reflexo de tudo isso. Cultuar Mitra, o deus da luz, no 25 de dezembro era nada mais do que festejar o velho solstício de inverno – pelo calendário atual, diferente daquele dos romanos, o fenômeno na verdade acontece no dia 20 ou 21, dependendo do ano. Seja como for, o culto a Mitra chegou à Europa lá pelo século 4 a.C., quando Alexandre, o Grande, conquistou o Oriente Médio. Centenas de anos depois, soldados romanos viraram devotos da divindade. E ela foi parar no centro do Império.
Mitra, então, ganhou uma celebração exclusiva: o Festival do Sol Invicto. Esse evento passou a fechar outra farra dedicada ao solstício. Era a Saturnália, que durava uma semana e servia para homenagear Saturno, senhor da agricultura. “O ponto inicial dessa comemoração eram os sacrifícios ao deus.
Enquanto isso, dentro das casas, todos se felicitavam, comiam e trocavam presentes”, dizem os historiadores Mary Beard e John North no livro Religions of Rome (“Religiões de Roma”, sem tradução para o português). Os mais animados se entregavam a orgias – mas isso os romanos faziam o tempo todo. Bom, enquanto isso, uma religião nanica que não dava bola para essas coisas crescia em Roma: o cristianismo.
Os primeiros cristãos não estavam interessados em comemorações natalinas.
Não havia nenhum comando bíblico para fazê-lo e nenhuma data específica.
Mas, no século 4, quando as heresias concorrentes começaram a aparecer com força, houve uma necessidade de sublinhar o nascimento histórico de Cristo.
A primeira referência ao 25 de dezembro é de 336 d.C., no reinado do imperador Constantino, devoto de Mitra.
O mitraísmo era uma religião influente no exército romano.
Com o tempo, foram incorporados o Papai Noel, as renas etc. Os presentes surgiram na Idade Média, a partir de lendas nórdicas. 
O primeiro presépio do mundo teria sido montado em argila por São Francisco de Assis em 1223. Pegou. Quem não se emociona com aquela cena?
Uma colcha de retalhos muito bem urdida, chupada de outras tradições, sucesso absoluto há séculos.
Uma dica: guarde isso para você. Ninguém precisa de um chato metido a sabichão estragando a festa com choques de realidade e pavor.
...
A vida real já é suficientemente dura.
Feliz Natal. Com ou sem fake news.

Fonte do Texto: http://desacato.info/o-natal-e-a-mae-e-o-pai-das-fake-news-feliz-natal/
Fonte da Imagem:  https://www.flickr.com/photos/evenliu/46420340972