quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

STOP THE GAME!

 


 Por Pablo Villaça @pablovillaca01

Não sei se vocês estão acompanhando o que está acontecendo na bolsa de valores dos EUA com as ações da GameStop, uma cadeia de lojas especializadas em games, mas é algo muito interessante. E instrutivo.

Vou tentar resumir: um subgrupo do Reddit que reúne pessoas interessadas em ações e na bolsa de valores (mas não ligadas a nenhum grande fundo de investimentos) decidiu investir nas ações da GameStop como uma ação conjunta e passaram a comprá-las loucamente. Eles a escolheram por dois motivos: 1) (e isto é suposição) por simpatia pela empresa; e 2) (isto é fato) porque ao valorizarem as ações da franquia, eles trariam um prejuízo bilionário a grandes investidores e fundos de investimentos.

Como fizeram isso? Bom, como é fácil imaginar, muitos investidores passaram a encarar a GameStop como uma empresa com imenso potencial para afundar - não só por causa do comércio online roubando seu público, mas porque as lojas da franquia, situadas em shoppings, estão fechadas por causa da Covid. E aí os especuladores fizeram o que especuladores fazem: decidiram apostar CONTRA a empresa, fazendo o que em inglês chamam de "shorting" as ações. Se vocês viram A Grande Aposta (e recomendo, pois é excelente), sabem do que se trata. Mas basicamente é o seguinte: você pega as ações de uma empresa "emprestadas" e as vende pelo preço de mercado naquele momento. Depois, quando as ações caem, você as compra de volta, devolve e fica com a diferença entre o preço que vendeu e comprou.

Um exemplo para ficar mais claro: suponhamos que eu acredite que o preço do quilo de arroz vai cair. Eu vou a uma mercearia, pego 30 quilos "emprestados" com a promessa de devolver tudo dali a, digamos, uma semana. Então vendo os 30 quilos pelo preço de mercado - digamos, pra facilitar, dez reais por quilo, o que me faz faturar 300 reais. Espero alguns dias e, quando o preço do arroz cai (para 7 reais, digamos), eu compro os 30 quilos de volta (pagando 210 reais), devolvo tudo à mercearia e fico com os 90 reais de diferença para mim.

É uma jogada obviamente arriscada, porque se der errado, não há limite para o tanto que você pode perder. Se você compra ações de modo normal e elas afundam, você perde "só" o dinheiro que investiu; no caso do short selling, porém, você perde mais e mais à medida que as ações sobem. E como há contratos que determinam o prazo de "devolução" das ações, você é obrigado a recomprá-las pelo preço que estiverem sendo vendidas naquele momento, seja qual for. No exemplo do arroz, suponhamos que vendi por 300 reais esperando que o preço caísse e, em vez disso, o preço subiu para 30 reais o quilo. Ora, como eu TENHO que devolver os 30 quilos dentro do prazo acordado, sou obrigado a pagar o novo preço de mercado (no caso, 900 reais) e tomo um prejuízo de 600 reais. E quanto mais o arroz subisse, maior seria o rombo.

Tenho certeza de que há várias nuances que me escapam, mas em resumo é isso.

Pois bem: acontece que vários fundos de investimento haviam apostado muito dinheiro que as ações da GameStop iriam cair (o tal "shorting"). Mas graças ao subreddit, elas começaram a subir. Um dos fundos já teve que receber um influxo de dinheiro de mais de um BILHÃO de dólares para cobrir as perdas. Mas parece que nesta sexta, dia 28, vencem os contratos de outros que fizeram essa "aposta" e aí é que se terá uma noção exata da escala do estrago. Enquanto isso, os caras que participam do subreddit continuam a comprar ações e a levar o preço pra cima. É uma compra organizada, sistemática, pensada com estratégia.

E está ferrando os grandes investidores.

Aí, claro, os donos da bola começam a ficar com raiva porque não têm mais controle da narrativa - e alguns querem pressionar pela regulamentação do que ações coordenadas como esta podem ou não fazer, querendo CONTROLAR um fórum de internet. Boa sorte com isso. A ironia é que esses grandes fundos, quando apostam contra uma empresa, estão contando justamente que a APOSTA EM SI garantirá que as ações cairão - e muitos fazem apresentações públicas defendendo por que acham que as ações cairão. Ou seja: ELES podem; os outros, não.

Isto deixa claro como o "mercado" lida não com bens reais, com coisas tangíveis, mas com especulação pura e simplesmente. Não interessa se a GameStop é viável como empresa ou não - ou se afundar a empresa terá efeitos sobre seus funcionários; interessa a ESPECULAÇÃO.

Este é um dos inúmeros motivos que me fazem desprezar aqueles que veem o "mercado" como guia da economia de um país: ele nada mais é do que uma banca de jogos pra gente rica. Que acaba brincando com as vidas reais por trás de suas especulações. E sempre que esta brincadeira dá errado, quem é que tem que correr pra SALVAR os ricaços? Pois é, o povo. Os pobres. Através de pacotes de ajuda oferecidos pelo Estado. Porque o "mercado" não pode parar, imagina.

Exatamente como agora: esses canalhas são contra regulamentação, querem poder jogar livremente com as vidas alheias, mas quando um grupo de pessoas se organiza por um fórum de internet para ferrá-los, AÍ QUEREM REGULAMENTAÇÃO URGENTE disso.

(Aliás, já que mencionei A Grande Aposta, sabem o investidor vivido por Christian Bale naquele filme, Michael Burry? Que previu o colapso de 2008 muito antes de acontecer? Pois é, ele tem ações da GameStop e acabou ganhando outra fortuna com essa jogada do subreddit.)

Mas não vou ser ingênuo como muitos e achar que o que está acontecendo foi uma ação "espontânea" num subreddit. É ÓBVIO que tem gente por trás disso (alguns falaram até do próprio Burry, mas não creio que faça seu perfil). Porém, como tem bilionários se fodendo, vou aplaudir.

Dito isso, vamos ver outra notícia que pode parecer não estar relacionada ao lance do GameStop, mas ESTÁ. E aí, sim, deve preocupar todo mundo: há poucos dias, Wall Street passou a aceitar que a ÁGUA se torne um commodity (como o petróleo) e seja comercializada na bolsa. E por que isso tem a ver? Porque, como ficou claro com o GameStop (digo: pra quem ainda não via isso), o mercado de ações está à mercê de sociopatas, de gente que trata o ganha-pão alheio como um jogo de roleta. O valor "real" não importa; importa a PERCEPÇÃO. E o que faz as ações de uma commodity subirem?

Escassez.

Agora pensem nisso: no que significa a ÁGUA passar a ser "commodity".

Primeiro, isso escancara que se trata de algo que o mercado JÁ SABE que vai se tornar cada vez mais raro. E segundo, que os especuladores, os grandes fundos de investimento, agora terão um MOTIVO para "torcer" (e nunca fica só no "torcer"; sempre há ação por trás) para que o valor da água suba. Por demanda ou por escassez.

E repito: o mercado é dominado por sociopatas.

O capitalismo vai destruir o planeta. Só não vê quem não quer.

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(P.S.: Minha crítica de A Grande Aposta pode ser lida aqui: https://cinemaemcena.com.br/critica/filme/8226/a-grande-aposta)

 

 Texto indicado por meu amigo Dr. Panta. 

 

Fonte da Imagem:  https://momentsjournal.com/surreal-paintings-michael-kerbow-vision-dark-chaotic-future/michael-kerbow-painting-surreal-diminishing_returns/

sábado, 23 de janeiro de 2021

A Colina que Subimos

  



 

Amanda Gorman, EUA (The Hill We Climb)


“Quando amanhece nós perguntamo-nos:

‘Nesta interminável sombra, onde podemos luz achar?’

‘Esta perda que carregamos, o mar que temos de cruzar’.

Nós afrontamos a barriga da besta,

nós aprendemos que a quietude não é sempre paz.

E que as normas e noções do que é justo

nem sempre são justiça.

E no entanto o amanhecer é nosso num ápice,

de alguma forma conseguimos. De alguma forma resistimos

e vimos uma nação que não está quebrada, mas apenas inacabada.

Nós, os herdeiros de um país e de um tempo

em que uma pequena garota Negra descendente de escravos

e criada por uma mãe solteira pode sonhar ser presidente

e logo ver-se a declamar para um.

E, sim, estamos longe de ser polidos, longe de ser impolutos,

e isso não significa que estejamos procurando formar uma união que seja perfeita.

Nós estamos procurando erguer uma união com propósito.

Formar um país aberto a todas as culturas,

cores, caracteres e condições humanas.

E assim nós erguemos o olhar não para aquilo que nos separa,

mas para o que está diante de nós. Nós vemos o fosso fechar,

por sabermos que para colocar o nosso futuro em primeiro lugar

temos em primeiro lugar de colocar de lado as nossas diferenças.

Nós abandonamos as armas para darmos as mãos uns aos outros.

Nós não queremos dano para ninguém mas harmonia para todos.

Deixemos o mundo, ao menos, dizer que isto é verdade:

que mesmo quando sofríamos, crescíamos;

que mesmo quando doía, tínhamos esperança;

que mesmo quando nos cansávamos, tentávamos;

que estaremos sempre juntos na vitória,

não por nunca voltarmos a sofrer derrota

mas por nunca voltarmos a semear divisão.

As escrituras dizem-nos para imaginarmos que ‘todos se sentem debaixo da sua própria vinha e figueira e que ninguém os faça recear.’

Se quisermos estar à altura do nosso tempo,

a vitória não estará na lâmina da destruição

mas em todas as pontes em construção.

Esta é a prometida clareira,

a colina que nós subimos se isso ousarmos,

porque ser Americano

é mais do que um orgulho que herdamos –

é o passado em que mergulhamos e a forma como o reparamos.

Nós vimos uma força que fragmentaria a nossa nação

em vez de a partilhar,

que destruiria o nosso país se adiasse a democracia.

E quase conseguiram.

Mas se a democracia pode às vezes ser adiada,

não pode nunca ser permanentemente derrotada.

Confiamos nesta verdade, nesta fé

porque quando pomos os olhos no futuro

o futuro põe os olhos em nós.

Esta é a era da justa redenção.

Receamos no início.

Não nos sentíamos preparados para ser os herdeiros de tão aterradora hora

mas no seu seio descobrimos o poder

de escrever um novo capítulo, de nos oferecermos confiança e riso.

Assim, enquanto outrora perguntávamos ‘como podemos vencer a catástrofe’,

agora dizemos: ‘como pode a catástrofe alguma vez vencer-nos?’

Não vamos marchar de regresso ao que foi, mas avançar para o que deve ser:

um país que está ferido mas inteiro,

benevolente mas audaz, forte e livre.

Nós não recuaremos ou nos deteremos

ante a intimidação porque sabemos que a nossa inação

e inércia serão o legado da próxima geração.

Os nossos erros serão os seu encargos

mas uma coisa é certa:

Se juntarmos perdão com poder, e poder com retidão,

então o amor torna-se o nossa herança

e a mudança um direito inato das nossas crianças.

Vamos pois deixar um país melhor do que aquele que nos deixaram.

Com cada fôlego do meu peito cinzelado a bronze,

nós transformaremos este mundo ferido num mundo maravilhoso.

Ressurgiremos das colinas douradas do Oeste,

ressurgiremos do Noroeste varrido pelos ventos,

onde os nossos antepassados começaram a revolução.

Ressurgiremos das cidades à beira dos lagos dos estados do Centro Oeste.

Ressurgiremos do Sul banhado pelo sol.

Nós reconstruiremos, reconciliaremos e recuperaremos todos os recantos conhecidos da nossa nação

e em cada canto que chamamos nosso país, o nosso povo diverso e belo surgirá fustigado e belo.

Quando amanhecer, nós deixaremos a sombra,

ardentes e sem medo.

Uma nova madrugada floresce enquanto a libertamos.

Porque há sempre luz se formos suficientemente bravos para a ver,

se formos suficientemente bravos para o ser.”

sábado, 16 de janeiro de 2021

O POVO DE DEUS

 

 


 

E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará. (João 8:32)


Prestem muita atenção!

· Em 1940 os Católicos eram 95% no Brasil e os Evangélicos 2,7% (IBGE).
· Em 2010 os Católicos eram 64,6% e os Evangélicos 22,2% (IBGE).
· Em 2020 os Católicos eram 49,9% e os Evangélicos 31,8% (projeção matemática).


Estima-se que em 2030 Católicos e Evangélicos terão o mesmo tamanho percentualmente (39,8%), restando 20,4% para todas as demais religiões e não religiosos.

Para as pessoas que se interessam por política e/ou têm preocupação com o futuro do País, esse crescimento vertiginoso da influência evangélica deve ser motivo de atenção, muita atenção.

De fato, nos últimos anos os evangélicos passaram a ter crescente influência em vários setores da sociedade brasileira, como é de conhecimento geral.

Pretos e pobres convertidos ascendem socialmente de forma espetacular, e hoje estão presentes no próprio Estado.

Juliano Spyer, antropólogo e historiador, fez um esforço bem sucedido e escreveu o livro “Povo de Deus” (*). Esse livro resume, em linguagem acessível, os principais trabalhos publicados por grande quantidade de estudiosos/as sobre esse importante tema.

O livro tem apresentação de Caetano Veloso e prefácio do antropólogo Gabriel Feltran.

Algumas pessoas talvez “torçam o nariz” para uma referência crítica ao Petista Haddad na apresentação de Caetano ou para comentários de Tábata Amaral e Marina Silva na contracapa.

O livro, porém, é de leitura obrigatória para quem quer entender a realidade da sociedade brasileira nesses tempos de pandemia.

Não se deixe cegar pelo preconceito!

Omar Rösler
Janeiro de 2021





(*) Agradeço ao amigo Junico Antunes pela indicação de mais este livro.