quinta-feira, 4 de abril de 2024

Fim da Impunidade aos torturadores

 

Imagem: Sébastien Norblin, Antígona dando enterro a Polinices, 1825 (Wikimedia Commons)


(texto de 2013, continua atual)

 

Luis Fernando Verissimo - O Estado de S.Paulo (04 de abril de 2013)


Sempre é bom começar citando Hegel. Porque dá uma certa classe ao texto e porque, a partir de Hegel, você pode ir para qualquer lado, para a esquerda e ou para direita. Marx afiou suas teses criticando e às vezes assimilando Hegel, e Hegel, ao mesmo tempo em que sacudia o pensamento conservador europeu, era o exemplo mais acabado do que Marx abominava, o filósofo que explicava o mundo em vez de tentar mudá-lo. Mas minha citação de Hegel não tem nada a ver com esta divisão, mesmo porque é uma que todo o mundo - a partir da redescoberta da peça no século 18 - endossaria. Hegel disse que a Antígona de Sófocles era o mais sublime produto da mente humana, e sua heroína a mais admirável personagem, da História.


Escrita 400 anos antes de Cristo, a peça conta a história da filha de Édipo. Rei de Tebas, com a sua mulher (e mãe, lembra?) Jocasta. Antígona quer enterrar seu irmão, morto num ataque a Tebas, contrariando as ordens do rei Creonte, para quem o corpo do traidor, que permanecerá insepulto, pertence ao Estado e não à sua família. Antígona rouba o corpo do irmão para que sua alma, sem os ritos fúnebres, não se perca no mundo dos mortos, e o sepulta no meio da noite. Para punir sua desobediência, Creonte a condena a ser enterrada viva. Muitos conflitos são desnudados na peça mas o principal dele é entre o Estado e o indivíduo, entre a lei fria e costumes antigos, entre o direito do soberano e o direito do sangue comum. O fascínio da peça para Hegel e outros tem muito a ver com o renascente interesse pela cultura grega na Europa de então, mas também com a revolução que acontecia nas relações Estado/cidadão no explosivo começo do século 19.


A história de Antígona se adapta ao momento no Brasil, quando se tenta investigar o que permanece simultaneamente enterrado e insepulto no nosso passado, tantos anos depois do fim da ditadura. Os corpos ainda não foram devolvidos às suas famílias, os direitos do sangue ainda não se impuseram aos direitos do Estado algoz, os ritos fúnebres de muitos continuam restritos à imaginação de novas Antígonas, tão trágicas quanto a Antígona grega. Os arquivos da ditadura estão sendo aos poucos desenterrados. Já passou da hora de abrir as outras sepulturas.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

A GEOPOLÍTICA EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO


 

Hoje, 22 de fevereiro de 2024, li duas notícias que considerei portadoras de informações relevantes a respeito da geopolítica mundial.

Algumas pessoas poderão achar engraçado – eu achei – porém sem dúvida é um assunto sério.

Aí vai:

“No sábado, faz dois anos que a Rússia invadiu a Ucrânia. Serão também dois anos de um vexame de previsões erradas sobre a economia russa.

O PIB do país de Vladimir Putin cresceu 3,6% em 2023. Na zona do euro, o crescimento deve ter sido 0,6%. No Brasil, de 3%. Nos EUA, foi de 2,5%, ... .

O resumo prévio da ópera é que Putin driblou sanções, no curto ou no médio prazo pode sustentar a guerra e consegue tocar um plano de descolamento do Ocidente.”

Esses três parágrafos acima foram copiados deste artigo da Folha de São Paulo: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2024/02/economia-russa-cresce-e-pode-sustentar-a-guerra-de-putin-por-muito-tempo.shtml

Outra ocorrência interessante:

“Componentes produzidos por empresas sediadas nos Estados Unidos e na Europa foram encontrados em um míssil norte-coreano lançado pela Rússia que caiu na Ucrânia, revela um relatório da organização Conflict Armament Research (CAR),com sede em Londres.

O míssil balístico de procedência da Coreia do Norte caiu na cidade ucraniana de Kharkiv no início de janeiro e continha 290 peças eletrônicas que não provinham do país do leste asiático, mas de 26 empresas de oito nações, a maioria delas ocidentais, como Estados Unidos e Alemanha.

Além disso, metade dos componentes documentados continham códigos de datas, sendo que em 75% deles foi possível identificar produção entre 2021 e 2023. Segundo o CAR, a partir desses dados, é possível concluir que, provavelmente, a arma não tenha sido montada antes de março de 2023. Ou seja: ela teria sido enviada à Rússia após o início da guerra na Ucrânia, que começou em fevereiro de 2022.”

Esses últimos três parágrafos foram copiados do seguinte artigo da Deutsche Welle: https://www.dw.com/pt-br/componentes-ocidentais-s%C3%A3o-encontrados-em-m%C3%ADssil-da-coreia-do-norte/a-68332122

Como todo mundo sabe, a Coreia do Norte é um dos países mais boicotados pelo Ocidente.

Aparentemente os boicotes e sanções dos outrora mais poderosos países ocidentais e mundiais, atualmente são um grande fiasco.

Omar 


Fonte da Imagem: Internet

domingo, 28 de janeiro de 2024

Úrtimo! Empresta uma e banca pela?

 

Arremesso de bolita estilo "cú de galinha".

 Era assim que Dunga normalmente chegava na roda de amigos, cuja idade variava entre 10 e 12 anos, mais ou menos.

Se alguém não entendeu, não se preocupe. Vou explicar.

Basicamente, naquela fase, existiam dois jogos de bolita principais: o triângulo e o boco. O triângulo era mais popular, por ser mais emocionante.

O triângulo consistia basicamente no seguinte: era riscado, desenhado, um triângulo na terra e depois outro risco, afastado do triângulo. A distância entre o triângulo e o risco era variável, negociada a cada início de uma série de disputas. Quanto mais longe o risco do triângulo, teoricamente melhor a qualidade dos competidores.

Cada participante do jogo coloca uma ou mais bolitas dentro do triângulo e fica com a “joga” na mão. A joga era a bolita da sorte, normalmente escolhida entre aquelas maiores e mais pesadas.

Posicionando-se perto do triângulo, cada participante arremessa uma bolita procurando fazer com que ela pare o mais próximo da linha riscada no chão. O nível de proximidade da bola define a ordem dos jogadores. Se algum jogador se antecipar e falar “último”, será o último a jogar a bolita, podendo observar o desempenho dos demais.

O jogo começa com o primeiro participante arremessando a joga para tentar acertar alguma das bolinhas posicionadas no triângulo. Se conseguir, fica com a bola atingida e continua jogando até errar, quando dará a vez ao segundo e assim por diante. Se a bola parar dentro do triângulo, o jogador fica “preso” e só poderá participar da próxima rodada. Os participantes vão se revezando e tentando “matar” as bolitas dos adversários, utilizando os dedos polegar e indicador para empurrar a bola de gude na terra, com o objetivo de atingir o maior número de bolas dos outros participantes. Ganha o jogo quem conseguir ficar com mais bolas. As bolitas conseguidas passam a ser propriedade de quem ficou com elas, quando a partida é “às ganhas”.

Mas voltemos ao Dunga, que era neto da Dona Gasparina, famosa benzedeira da região.

Dunga normalmente chegava na roda de amigos sem nenhuma bolita e bradava: “úrtimo!”. Aí se dirigia a algum dos presentes e solicitava: “me empresta uma e banca pela?”.

O úrtimo (último) era uma convocação para o jogo do triângulo. A solicitação de empréstimo era um desafio. Normalmente o solicitado, caso não emprestasse, ficava numa posição difícil, pois não aceitar o desafio implícito significava falta de autoconfiança.

Dunga normalmente começava assim as partidas e “rapava” todos os competidores, ou seja, ganhava todas as bolitas.

Existiam basicamente duas formas para o arremesso inicial da joga: a pinha e a bocha.

Na pinha, a joga era depositada entre o dedo indicador e o médio, sendo impulsionada pelo polegar. Caso o jogador não conseguisse impulsionar a joga de maneira correta, o que era denominado “cú de galinha”, optava pelo arremesso inicial tipo bocha, que consistia basicamente em utilizar o braço como pêndulo para atirar a joga.

Dunga era campeão da pinha. Raramente errava uma. Chegava a quebrar algumas bolitas, às vezes.

Se o jogo de bolita fosse modalidade olímpica, certamente Dunga seria medalhista.

Comentavam que Dunga vendia as bolitas que ganhava para ajudar no orçamento de sua casa, pois sua família era muito pobre, mas isso eu não sei se é verdade ou não.