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quarta-feira, 20 de abril de 2011

O dólar tem seus dias contados


Por Samuel Jaberg, swissinfo.ch

A moeda americana se transformou na maior bolha especulativa da História e está condenada a uma forte queda.

Os ataques contra o euro são apenas uma cortina de fumaça para esconder a falência da economia americana, defende a jornalista suíça Myret Zaki em seu último livro.

"A queda do dólar se prepara. É inevitável. O principal risco no mundo atualmente é uma crise da dívida pública americana. A maior economia mundial não passa de uma grande ilusão. Para produzir 14 trilhões de renda nacional (PIB), os Estados Unidos geraram uma dívida de mais de 50 trilhões que custa 4 trilhões de juros por ano."

O tom está dado. Ao longo das 223 páginas de seu novo livro, a jornalista Myret Zaki faz uma acusação impiedosa contra o dólar e a economia americana, que considera "tecnicamente falida".

A jornalista se tornou, nos últimos anos, uma das mais famosas escritoras de economia da Suíça. Em seus últimos livros, ela aborda a situação desastrosa do banco suíço UBS nos Estados Unidos e a guerra comercial no mercado da evasão fiscal. Na entrevista a seguir, Myret Zaki defende a tese de que o ataque contra o euro é para desviar a atenção sobre a gravidade do caso americano.

swissinfo.ch: A Senhora diz que o crash da dívida americana e o fim do dólar como lastro internacional será o grande acontecimento do século XXI. Não seria um catastrofismo meio exagerado?

Myrette Zaki: Eu entendo que isso possa parecer alarmista, já que os sinais de uma crise tão violenta ainda não são tangíveis. No entanto, estou me baseando em critérios altamente racionais e factuais. Há cada vez mais autores americanos estimando que a deriva da política monetária dos Estados Unidos conduzirá inevitavelmente a tal cenário. É simplesmente impossível que aconteça o contrário.

swissinfo.ch: No entanto, esta constatação não é, de forma alguma, compartilhada pela maioria dos economistas. Por quê?

MZ: É verdade. Existe uma espécie de conspiração do silêncio, pois há muitos interesses em  jogo ligados ao dólar. A gigantesca indústria de asset management (investimento) e dos hedge funds (fundos especulativos) está baseada no dólar. Há também interesses políticos óbvios. Se o dólar não mantiver seu estatuto de moeda lastro, as agências de notações tirariam rapidamente a nota máxima da dívida americana. A partir daí começaria um ciclo vicioso que revelaria a realidade da economia americana. Estão tentando manter as aparências a todo custo, mesmo se o verniz não corresponde mais à realidade.

swissinfo.ch: Não é a primeira vez que se anuncia o fim do dólar. O que mudou em 2011?

MZ: O fim do dólar é realmente anunciado desde os anos 70. Mas nunca tivemos tantos fatores reunidos para se prever o pior como agora. O montante da dívida dos EUA atingiu um recorde absoluto, o dólar nunca esteve tão baixo em relação ao franco suíço e as emissões de novas dívidas americanas são compradas principalmente pelo próprio banco central dos EUA.

Há também críticas sem precedentes de outros bancos centrais, que criam uma frente hostil à política monetária americana. O Japão, que é credor dos Estados Unidos em um trilhão de dólares, poderia reivindicar uma parte desta liquidez para sua reconstrução. E o regime dos petrodólares não é mais garantido pela Arábia Saudita.

swissinfo.ch: Mais do que o fim do dólar, a Senhora anuncia a queda da superpotência econômica dos EUA. Mas os Estados Unidos não são grandes demais para falir?

MZ: Todo mundo tem interesse que os Estados Unidos continuem se mantendo e a mentira deve continuar por um tempo. Mas, não indefinidamente. Ninguém poderá salvar os americanos em última instância. São eles quem terão que arcar com o custo da falência. Um período muito longo de austeridade se anuncia. Ele já começou. Quarenta e cinco milhões de americanos perderam suas casas, 20% da população sairam do circuito econômico e não consomem mais, sem contar que um terço dos estados dos EUA estão praticamente falidos. Ninguém mais investe capital no país. Tudo depende exclusivamente da dívida.

swissinfo.ch: A Senhora diz que o enfraquecimento da zona euro representa nada menos do que uma questão de segurança nacional para os Estados Unidos. Será que não estamos entrando numa espécie de paranoia antiamericana?

MZ: Todos nós amamos os Estados Unidos e preferimos ver o mundo cor-de-rosa. No entanto, após o fim da Guerra Fria e da criação do euro em 1999, uma guerra econômica foi declarada. A oferta de uma dívida pública sólida em uma moeda forte iria provavelmente diminuir a demanda pela dívida dos EUA. Mas os Estados Unidos não podem deixar de se endividar. Essa dívida lhes permitiu financiar as guerras no Iraque e no Afeganistão e garantir a sua hegemonia. Eles têm uma necessidade vital dela.

Em 2008, o euro era uma moeda levada muito a sério pela OPEP, os fundos soberanos e os bancos centrais. Ela estava prestes a destronar o dólar. E isso os EUA queriam impedir a todo custo. O mundo precisa de um lugar seguro para depositar seus excedentes, e a Europa está sendo totalmente impedida de aparecer como sendo esse lugar. É precisamente por isso que os fundos especulativos têm atacado a dívida soberana de alguns países europeus.

swissinfo.ch: O que vai acontecer depois da queda anunciada do dólar?

MZ: A Europa é hoje a maior potência econômica e tem uma moeda de referência sólida. Ao contrário dos Estados Unidos, é um bloco em expansão. Na Ásia, o yuan passará a ser a moeda de referência. A China é a melhor aliada na Europa. Ela tem interesse em apoiar um euro forte para diversificar seus investimentos. Por outro lado, ela precisa de um aliado como a Europa na OMC e no G20 para evitar de ter que reavaliar sua moeda em breve. Hoje, a Europa e a China atuam como duas forças gravitacionais que atraem em suas órbitas os antigos aliados dos Estados Unidos: o Japão e a Inglaterra.

swissinfo.ch: E o que vai acontecer com o franco suíço?

MZ: Seu papel de valor refúgio ainda vai crescer. No caso de uma crise da dívida soberana dos EUA, haverá uma grande procura pelo franco suíço. O franco suíço tem quase o mesmo status que o ouro e não está pronto a cair face ao dólar. Em uma revisão do sistema monetário, a Suíça terá que escolher um lado. Porque eu não estou convencida de que o franco suíço poça continuar existindo sozinho, o seu papel como valor refúgio é muito prejudicial para a economia suíça.

Samuel Jaberg, swissinfo.ch
Adaptação: Fernando Hirschy

terça-feira, 6 de julho de 2010

Aumentam críticas à OMS por gestão da gripe suína


Em 11 de junho de 2009, a Organização Mundial de Saúde (OMS), sediada em Genebra, declarava a pandemia mundial de gripe A(H1N1), conhecida inicialmente como gripe suína.

"O mundo encontra-se diante do início de uma gripe pandêmica." Essas palavras, pronunciadas há um ano pela diretora-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Margaret Chan, eram alarmistas. Ao mesmo, o nível de alerta foi elevado ao máximo (6) pela OMS, pela primeira vez nos últimos 41 anos.

Um ano depois do que poderia ter sido, segundo alguns especialistas, uma gripe ainda mais mortal do que a gripe espanhola de 1918, que causou 18.156 mortes em todo o mundo. Para comparar, a gripe sazonal provoca, em média, 250 mil a 500 mil mortes por ano.

Nas últimas semanas, a atuação da OMS vem sendo muito criticada. Uma enquete publicada pelo British Medical Journal revelou as relações entre certos membros da comissão de especialistas da OMS e a indústria farmacêutica. A Comissão de Saúde da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa publicou em junho um relatório, submetido ao plenário em 24 de junho, criticando a falta de transparência da OMS.

Na entrevista a seguir, a senadora suíça Liliane Maury Pasquier, membro da Comissão de Saúde do Conselho da Europa, fala sobre o assunto.

swissinfo.ch: Quando da apresentação se seu relatório, o relator Paul Flynn declarou que a pandemia "jamais ocorreu realmente." O que permitiu chegar a essa conclusão?

Liliane Maury Pasquier: Nós não afirmamos que a pandemia nunca existiu, mas que se a definição não tivesse sido modificada, não haveria declaração de pandemia. As definições precedentes incluíam sempre a noção de gravidade. Desde maio de 2009, depois do surgimento dos primeiros casos no México, a OMS modificou a definição, confundindo a noção de pandemia.

A OMS constesta e afirma que jamais modificou a definição de pandemia. Portanto, ao ler as respostas fornecidas, parece que não falamos a mesma língua. Tanto na definição de 1999 como na de 2005, essa noção de gravidade está presente.

Questionar as causas dessa mudança não é irrelevante, sabendo que é precisamente a elevação para o nível 6 que dispara o alerta pandêmico, ou seja, a mudança de prioridade na política de saúde pública da indústria farmacêutica para a produção de vacinas.

A dúvida também é alimentada pelo fato de que não se conhece a identidade dos membros do comitê de especialistas da OMS. Acrescenta-se ainda que a organização tinha conhecimento da gravidade relativa do vírus.

swissinfo.ch:
Poderíamos dizer que é precisamente graças às medidas preconizadas pela OMS e adotadas por muitos países que a pandemia pode ser evitada? E que um ano atrás havia dúvidas científicas?

L.M.P.: É evidente que os vírus gripais têm um forte potencial de mutação e devem ser alvo de muita vigilância. Mas também é evidente que as medidas tomadas pela OMS não tiveram papel nenhum nesse sentido.

Quando se examina as políticas adotadas por diversos governos, constata-se que alguns países fizeram uma campanha de vacinação em grande escala, enquanto outros tiveram uma taxa de vacinação muito baixa. No entanto, os resultados foram praticamente idênticos nos dois casos.

swissinfo.ch: A senhora acha necessário redefinir o princípio de precaução que justificou essas medidas excepcionais?

L.M.P.: Não se pode reagir da mesma maneira quando se trata de uma infecção grave ou não. Muitos especialistas defendem vacinar em grande escala e pronto. Mas muitos países não podem fazer isso, principalmente a logo prazo. Portanto, é preciso fixar prioridades.

Em termos de saúde pública, adotar esse tipo de estratégia significa investir somas importantes para lutar contra uma infecção precisa. Isso significa ainda que certos recursos não podem ser consagrados ao combate a outras doenças.

swissinfo.ch: Especialistas da OMS ligados à indústria farmacêutica, falta de transparência, medicamentos antivirais de origem duvidosa e efeitos secundários pouco conhecidos. Lendo o relatório do Conselho da Europa e a enquete do British Medical Jornal, têm-se a impressão que essa gripe foi sobretudo uma magnífica operação de marketing da indústria farmacêutica. Qual é a opinião da senhora?

L.M.P.: As respostas fornecidas pela OMS infelizmente não dissiparam essas dúvidas. Percebemos um reflexo de autoproteção e de medo de eventuais consequências ulteriores. Além disso, surgiram casos suspeitos de influência exercida dentro da OMS pela indústria farmacêutica já há vários anos.

swissinfo.ch: A senhora questiona o papel de certos especialistas "independentes" e sua influência sobre as decisões tomadas. Mas como melhorar essa situação sabendo que são os mesmos especialistas são contratados para desenvolver novos medicamentos?

L.M.P.: É evidente que se dispomos de competências, temos de utilizá-las. Mas é primordial conhecer a origem das opiniões emitidas. Se tal ou tal especialista está ligado à indústria farmacêutica, essa pessoa não pode ter qualquer poder de decisão. A transparência deve ser absoluta, o que não é o caso atualmente.

swissinfo.ch: Que margem de manobra os governos e as diferentes instituições sanitárias nacionais ainda têm nesse contexto?

L.M.P.: Certamente ainda têm. Aliás, todos os Estados não reagiram da mesma maneira. Veja o exemplo da Polônia. Ela se recusou a fechar contratos para a entrega da vacinas, alegando que os contratos estipulavam claramente que as vacinas seriam distribuídas sob a responsabilidade do governo e que, em caso de complicações, o governo deveria assumir as responsabilidades. Tratava-se, portanto, de um caso exemplar de privatização dos lucros enquanto os riscos incumbiam à coletividade.

swissinfo.ch: Agora é preciso restabelecer a confiança. Quais são as recomendações da comissão de saúde que a senhora preside?

L.M.P.: A OMS tem um papel importante. Para que essa instituição funcione melhor, é preciso que haja confiança. É por essa razão que considero necessário publicar a lista de membros dos grupos de especialistas, seus interesses e evitar que erros se repitam. Os Estados-membros também são responsáveis e podem certamente ditar condições, sem ameaçar um centavo de contribuição dada à organização, evidentemente.

Eu acho ainda que é necessário redefinir a noção de pandemia e prever planos de ação segundo a gravidade da situação. Ao nível dos Estados, é importante que o setor de pesquisa e de especialistas sejam realmente independentes. Mas, evidentemente, tudo isso tem um custo.

Daniele Mariani, swissinfo.ch
(Adaptação: Claudinê Gonçalves)

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA INTERNACIONAL ATACA OUTRA VEZ


No início do atual inverno da Europa o fortíssimo lobby das grandes indústrias farmacêuticas, integrado por políticos, grande mídia e OMS, criou pânico em relação a pandemia da GRIPE SUÍNA. Os governos de vários países integrantes da União Européia, aterrorizados, fizeram enormes encomendas de vacinas às indústrias farmacêuticas. Foi um grande fiasco, pois a maior parte dessas vacinas encalhou, ou seja, não está sendo utilizada. Veja AQUI reportagem da Swissinfo sobre este relevante tema.

Agora, no Haiti, o lobby das grandes indústrias farmacêuticas, apoiado novamente pela OMS e pela grande mídia, espalha o terror através do seguinte lema: O PIOR AINDA ESTÁ POR VIR (Haiti pode ter o mais grave desastre médico da história). Veja AQUI reportagem da BBC questionando esses boatos espalhados no mundo.

São apenas dois exemplos recentes de manipulação.

Como se poderia chamar gente que se aproveita da desgraça alheia para lucrar?

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

E QUANTO AOS BRASILEIROS?


UBS entrega "peixes grandes" ao fisco dos EUA

Não só milionários, mas também clientes norte-americanos do UBS que "esconderam" fortunas superiores a 250 mil francos entre 2001 e 2008 poderão ser denunciados ao fisco dos Estados Unidos.

A Secretaria Federal de Justiça da Suíça analisa os primeiros 900 casos e pretende dar ainda esta semana luz verde para a entrega dos dados de 400 supostos sonegadores.

Devido a um acordo extrajudicial fechado entre o UBS e a Justiça dos EUA em 19 de agosto passado, deverão ser fornecidos os dados de 4450 contas do maior banco suíço à autoridade fiscal norte-americana IRS (Internal Revenue Service) até 31 de agosto de 2009.

Segundo detalhes do acordo divulgados na terça-feira (17/11), a ajuda administrativa suíça aos EUA refere-se a titulares de contas suspeitos de sonegação ou graves fraudes fiscais. A maioria é "peixe grande".

De acordo com informações da Secretaria Federal de Justiça e da Receita Federal, 4200 casos referem-se a norte-americanos que entre 2001 e 2008 tenham escondido uma fortuna mais de um milhão de francos em contas não declaradas e obtido com isso um lucro de no mínimo 100 mil francos em três anos.

A segunda categoria – 250 casos – diz respeito a clientes norte-americanos que, independentemente de seu país de residência, tenham tido contas inscritas numa "sociedade offshore" e possuído uma fortuna de 250 mil francos no mesmo período, informou a agência de notícias SDA.

O anexo ao acordo UBS-EUA classifica de "construções enganosas" as contas em "sociedades offshore" que escondem o nome real dos titulares. O documento revela uma série de truques usados pelo UBS e outros bancos para que seus clientes pudessem burlar o fisco norte-americano nos últimos anos.

Até agora, o UBS enviou os dados de 900 clientes à Administração Federal de Impostos da Suíça para análise. A autoridade já deu seu parecer conclusivo em 400 casos, que podem ser contestados num prazo de 30 dias diante do Tribunal Administrativo Federal.
Dimensões do caso

A ajuda administrativa solicitada pelos EUA para obter dados de clientes do UBS tem dimensões inéditas. As autoridades suíças informaram que, no passado, recebiam uma média de três pedidos de ajuda internacional por ano em matéria fiscal.

O responsável pelo caso UBS na Administração Federal de Impostos, Hans-Jörg Müllhaupt, disse que 40 pessoas trabalham na "organização do projeto", entre elas, cerca de dez da empresa de auditoria PricewaterhouseCoopers. Uma outra empresa de auditoria, a KPMG, controla em nome da administração federal o cumprimento do acordo junto ao UBS.

A pedido dos EUA, a Suíça manteve em sigilo durante três meses (até terça-feira) os critérios exatos para a entrega dos dados de clientes do UBS. Isso, segundo as autoridades fiscais norte-americanas contribuiu para que 14.700 contribuintes dos EUA com contas em 70 Estados tivessem se autodenunciado ao fisco.

O embaixador dos EUA em Berna declarou há poucos dias que cerca de 9 mil sonegadores com contas na Suíça tinham se autodenunciado. Ainda não se sabe quantos deles pertencem ao grupo dos 4450 referidos no acordo UBS-EUA.

As autoridades suíças estimam que o número de clientes do UBS atingidos pelo pedido de ajuda administrativa dos EUA é pequeno. Müllhaupt disse à imprensa em Berna que se pode contar nos dedos das duas mãos os clientes do maior banco suíço que até agora aprovaram a entrega de seus dados à receita norte-americana.

swissinfo.ch com agências

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

"Há algo de suicida na atitude do presidente palestino"

A arte de Bansky no vergonhoso muro construído por Israel:

O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, sucessor de Yasser Arafat, afirma que não vai disputar um segundo mandato e diz que inclusive está disposto a renunciar.

Trata-se de um lance de pôquer frente ao marasmo político em que se encontram as negociações, julga Pascal de Crousaz, especialista do conflito israelo-palestino.

O ministro francês das Relações Exteriores disse que irá tentar dissuadir Mahmoud Abbas da decisão de não concorrer às eleições presidenciais, previstas para 24 de janeiro de 2010. Como a situação se degenerou a esse ponto?

swissinfo.ch: Por que Mahmoud Abbas anunciou na semana passada que renunciaria a disputar um novo mandato à frente da Autoridade Palestina?

Pascal de Crousaz: Ele não tem mais nada para propor e, sobretudo, não tem mais esperança a oferecer a seu povo. Ele passa a impressão de estar em um impasse.

Os palestinos veem os territórios no qual poderiam estabelecer um Estado encolher cada vez mais, à medida em que a colonização israelense avança. Eles compreenderam há bastante tempo que não há nada a esperar, além das belas declarações do governo Bush. E quando Obama foi eleito, com um programa para o Oriente Médio que parecia promissor, os palestinos voltaram a ter um pouco de esperança, a começar por Mahmoud Abbas.

Eles aguardavam esse plano de paz americano para a primavera, depois para junho, quando o presidente Obama se dirigiu aos muçulmanos no Cairo e depois ainda durante a Assembleia-Geral da ONU, mas nada aconteceu. Como se o presidente Obama, vendo as dificuldades internas com seu programa para a Saúde, quisesse evitar conflito com os defensores de Israel nos Estados Unidos.

Aconteceu também a mudança de posição da secretária de Estado, Hillary Clinton – mesmo se ela tentou depois relativizar – mas, de maneira geral, ela abandonou as exigências americanas de parar a colonização para retomar as negociações de paz. Os palestinos sentiram-se completamente abandonados. E Mahmoud Abbas ficou em uma situação insustentável frente a seu povo para negociar com um governo israelense que, de maneira evidente, apesar de um discurso que parece dar uma esperança de paz, não faz as concessões necessárias.

Além disso, Mahmoud Abbas foi levado a relativizar o relatório das Nações Unidas (Goldstone) sobre a guerra em Gaza. Ademais, todo o processo de paz parece bloqueado. Então ele usa a arma do fraco, deixando de ser o interlocutor moderado que a chancelarias ocidentais apreciam, mas que é incapaz de atender às expectativas mínimas de seu povo. Há algo de suicida na atitude de Mahmoud Abbas. É uma espécie de apelo ao socorro pelo abandono.

swissinfo.ch: Ou seja, o anúncio de Mahmoud Abbas não é uma jogada de pôquer?

P.d.C.: Talvez haja uma parte de jogada. Ele já fez isso e, no mundo árabe, é muito frequente líderes tentarem um lance de pôquer, ameaçando renunciar. Gamal Abdel Nasser (Egito), por exemplo, durante a guerra dos seis dias. Mas também é possível que ela se sinta cansado diante de um processo de paz que aparentemente não leva a nada.

A curto prazo, o tempo é favorável a Israel através da colonização e da construção do muro, sem que os palestinos tenham meio de mudar as coisas. A longo prazo, no entanto, a demografia é favorável aos palestinos.

Entre os próximos de Mahmoud Abbas, alguns dizem que frente aos israelenses totalmente refratários às concessões necessárias para a solução de dois Estados defendida pela comunidade internacional, só resta abandonar. Ficar dentro do "Grande" Israel, exigir a igualdade e o direito de voto. Por trás dessa ideia há a esperança de que o peso dos palestinos vai aumentar. E que, se o direito de voto para os palestinos é instaurado rapidamente, o Estado israelense deixará de ser judeu. Em caso de recusa do ocupante, os palestinos poderiam então "desmascarar" Israel e acusar o país de praticar o apartheid.

swissinfo.ch: Que consequência teria a saída Abbas sobre o que resta do processo de paz?

P.d.C.: Ou ele ganhaa sua aposta e a comunidade internacional decide avançar, ou seja, impulsiona as ideias que existem há anos com a criação de dois Estados nas fronteiras de 1967. As soluções existem desde a Iniciativa de Genebra, desde o plano Clinton. Elas poderiam ser atualizadas pela administração Obama e ser apresentadas como a única solução viável para a comunidade internacional.

Haveria o apoio imediato da União Europeia, da Rússia, do Conselho de Segurança da ONU e, muito provavelmente, da Liga Árabe. Para isso, a administração Obama deve aceitar correr um risco político. Mahmoud Abbas é a favor. Agora, se ele não conseguir isso e realmente partir, teremos um pouco mais de caos e de impasse nos territórios palestinos.

swissinfo.ch: Isso seria o fim da Autoridade Palestina ou outros líderes surgiriam?

P.d.C.: Existem líderes como Mohamed Darlan ou Jibril Rajoub, que têm boas relações com os países ocidentais e, às vezes, até com Israel. Essas pessoas estariam sem dúvida interessadas em exercer o poder e a ocupar o lugar de Mahmoud Abbas. Fala-se também de Marwan Barghouti, preso em Israel. E é claro que também tem o Hamas.

Nessa situação, o Hamas pode afirmar que sua tese era correta. Ele sempre disse que negociar com Israel não leva a lugar nenhum. Quando Mahmoud Abbas anunciou que saía, quando ele diz, como outro dia em Hebron, que não sabe o que vale Israel, indiretamente ele afirma que a negociação com Israel não leva a lugar algum. É o triunfo das teses do Hamas.

Pierre-François Besson, swissinfo.ch
(Adaptação: Claudinê Gonçalves)

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Portugal: uma vida que já não existe na Europa

Para quem não sabe o que é oxímoro, aí está um belo exemplo (Bush x Inteligência):

Eugène Green concorre em Locarno ao Leopardo de ouro com seu mais recente filme, "A religiosa portuguesa". Em entrevista à swissinfo.ch, o cineasta, dramaturgo e poeta franco-americano fala sobre sua paixão por Portugal, fado e espiritualidade.

Já a cultura americana é rejeitada por ele com toda intensidade. "São bárbaros", define o autor nascido em Nova York.

O encontro com Eugène Green ocorre em um pequeno café na Piazza Sant'Antonio. Se não fosse a bandeira suíça pendurada em um antigo casarão, qualquer pessoa poderia se acreditar na Itália. As mesas estão dispostas na praça defronte a uma antiga igreja católica. Hoje é dia de mercado. A freguesia conversa tranquilamente com os vendedores. Vez ou outra, toca o sino.

swissinfo.ch: Quando começou seu interesse por Portugal e pela idéia de fazer um filme em português?

Eugène Green: Sempre me interessei por Portugal. Aprendi a ler em português no início dos anos 1970. Eu mesmo não compreendo o porquê, mas tenho uma afinidade eletiva por esse país.

Isso surgiu através de alguma viagem?

Não, de forma alguma. Cada vez que queria viajar, era impedido por alguma razão. Era algo de estranho, um sentimento um pouco misterioso que nutria por Portugal. Quando finalmente pude ir, há apenas seis anos, encontrei na realidade exatamente o que havia imaginado. Hoje conheço um grande número de pessoas por lá, assim como também a literatura portuguesa, sobretudo a poesia.

E seguramente Fernando Pessoa...

Sim, comecei por Pessoa, mas depois vieram autores mais antigos, como Camões ou o padre Antônio Vieira. Depois li autores da época do Fernando Pessoa, como Mário de Sá-Carneiro ou Sophia de Mello Breyner. Li bastante em português a obra do Eça de Queirós. Também sou fascinado pelo mito do "Encoberto". Cheguei a escrever uma espécie de epopéia chamada "Le Chien de Camões" (n.r.: O cão de Camões) sobre as seis encarnações do Encoberto (n.r.: ligado ao Sebastianismo). É algo de muito vivo. Se você assistir ao meu último filme, verá uma aparição de D. Sebastião.

Você está falando da lenda do desaparecimento D. Sebastião I e sobre a esperança dos portugueses de que seu reaparecimento trará de novo a glória do país?

Sim, é uma espécie de esperança messiânica. D. Sebastião esteve "encoberto", deve retornar, mas na verdade sempre esteve presente. É uma espécie de noção diferente do presente. Para mim isso é muito importante, pois penso que temos uma noção do presente. O verdadeiro presente inclui tudo o que foi e o que será, ou seja, uma espécie de presente eterno. O mito do "Encoberto" exprime bem essa concepção.

Alguns intelectuais portugueses lamentam a estagnação do país. Como você busca inspiração por lá, nessa terra "melancólica"?

Eu encontro uma vida em Portugal, sobretudo em Lisboa, que já não existe mais na Europa. Lisboa me lembra um pouco Paris ou Roma como elas eram quarenta anos atrás. A melancolia portuguesa me toca, a saudade, mas não considero esse sentimento um lamentar-se pelo passado, mas sim um desejo. E o desejo sempre vai na direção do futuro. A saudade é um pouco como o Encoberto, outra maneira de viver o presente, onde o passado e o futuro estão lá. É uma maneira de viver plenamente. Quando estou em Lisboa, tenho a impressão de viver de outra forma, de uma forma plena, mesmo com essa melancolia e tristeza, sentimentos que já tinha dentro de mim.

Quantas vezes por ano você vai Portugal?

Sempre que posso. Há poucas semanas estive por lá para conhecer o Porto. Depois, na Vila do Conde, participei de um festival de curtas metragens. Outra razão que me leva ao país é meu interesse pelo fado, um estilo musical que descobri e está bastante presente no "A religiosa portuguesa". Dois grandes fadistas - Camané e Aldina - cantam no meu último filme. Eles virão a Locarno para participar de um concerto em 10 de agosto. Ao mesmo tempo, tenho um projeto de um filme, um documentário com elementos de ficção, sobre o fado. Meu produtor está à procura de financiamento para esse trabalho.

Wim Wenders dirigiu em 1994 "Sob os céus de Lisboa", no qual revelou ao mundo o grupo português Madre Deus. Você também viu o filme? Por que o fascínio de estrangeiros pela música lusitana?

Não, nunca (risos) vi. Madre Deus é bonito, mas não é fado. O verdadeiro fado não tem nenhuma equivalência. Talvez se aproxime um pouco do Flamenco na Andaluzia. O fado é uma forma de música, cujos textos são muito interessantes: trata-se de uma forma de poesia popular que tudo abrange. Mas muitos grandes poetas já escreveram textos para eles. Duas canções executadas no meu filme são de Fernando Pessoa. Também existem escritores que não são poetas, como Lobo Antunes ou José Saramago, que já escreveram textos para fado. Por um lado, é uma música bastante simples, que reutiliza muitas vezes a mesma melodia. Mas cada vez pode ser outra coisa, pois a música é adaptada ao poema e os cantores e guitarristas improvisam certos elementos. É uma forma de música bastante viva e rica. Muitas canções me tocam a alma e me fazem até chorar (risos).

"A religiosa portuguesa" trata da redescoberta da espiritualidade por parte da protagonista, uma atriz francesa de origem portuguesa. Por que esse elemento como base do filme?

A espiritualidade é algo de muito importante em todos os meus filmes.

Você é católico ou praticante de outra religião?

Não, mas estou aberto a todas as tradições espirituais. Sinto-me bastante europeu e para exprimir a espiritualidade, precisamos de metáforas. Todas as religiões utilizam metáforas para explicar as coisas espirituais que ultrapassam a razão. Na nossa tradição européia, é através das tradições judaico-cristãs que recebemos as metáforas. Existe uma cultura católica que é o coração da civilização européia e, por essa razão, exprimo muitas das minhas idéias através de elementos da cultura católica, sem que as pessoas possam qualificar meus livros ou filmes de obras católicas. Porém, o título "A religiosa portuguesa" me atrapalha bastante.

Não foi escolhido por você?

Sim, e eu o continuo defendendo. Mas ele me atrapalha bastante, pois na França, quando se toca em religião ou no Catolicismo, existe uma espécie de rejeição. Mas o nome é importante: a protagonista principal não é uma religiosa, mas sim uma atriz que está em Lisboa para encenar em um filme sobre um texto francês do século 17 chamado "Lettres Portugaises" (Cartas portuguesas). Seu autor verdadeiro teria sido uma religiosa portuguesa. Ela teria tido uma história de amor com um oficial francês - este a abandona mais tarde. Julie, a atriz, acaba se fascinando por uma verdadeira religiosa portuguesa, que ela encontra todos os dias na capela Nossa Senhora do Monte, na Graça. Ela sempre retorna para rever essa mulher. A cena-chave do filme, que dura aproximadamente 15 minutos, é uma discussão entre a atriz e a religiosa, onde a atriz toma consciência de algumas coisas em relação à sua vida. Todo o filme é construído em jogos de espelhos, algo que me fascina. No final, Julie acaba se tornando a imagem de um personagem de ficção e descobre na discussão com a religiosa que, de certa forma, elas são a mesma pessoa, uma na procura através dos amores pelo mundo e a outra, através de uma vida espiritual.

Nascido nos EUA, como você vê o cinema americano, tão dominante e presente nas telas do mundo?

Para mim isso é um oximoro. Esse cinema não existe.

Nem os filmes de autores consagrados, como Jim Jarmusch ou David Lynch?

Esses são produtos audiovisuais bárbaros e não têm nenhum interesse. Eu não os vejo. Eu só vejo cinema europeu, asiático e da América Latina. Mas não vejo filmes bárbaros!

A grande época do cinema europeu começa no fim da 2° Guerra Mundial e vai até 1980. Lembro de uma vez com o filme "Medéia", do Pasolini, e que não consegui entrar na primeira sessão. Tive de ficar na fila duas horas para ver a seguinte.

Na época, a juventude européia via esse tipo de cinema, obras que realmente lhe tocavam. Mas hoje em dia, devido à televisão e à influência econômica dos bárbaros, as pessoas acabaram sendo barbarizadas. Elas não têm mais a cultura para apreciar os filmes que são de sua cultura.

Vemos na França as pessoas pedindo pratos refinados com soro de cocaína para acompanhar (Coca-Cola), seja na versão "light" ou até "zero". Estimo que durante a 2° Guerra Mundial a maior parte dos países da Europa estava ocupada pelo exército alemão, mas pelo menos era algo claro. Havia ocupação com tanques e soldados. Hoje o mundo é ocupado pelos bárbaros, mas isso não se vê. É preciso resistir!

Alexander Thoele, swissinfo.ch

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Bunkers para todos



Fotos POLAR INERTIA.

A Suíça é o único pais do mundo com abrigos nucleares, capazes de acomodar toda sua população, caso um dia isso seja necessário.

"Mas porque seria necessário uma porta blindada na entrada da adega de seu apartamento?" Dá para compreender o espanto do amigo italiano ao visitar o edifício. Ele nunca havia entrado em local semelhante.

Adega? Bem, o espaço está meio cheio de garrafas de vinho, livros velhos, um freezer e roupas usadas ... mas, isto não é uma adega. Nosso amigo simplesmente se viu, pela primeira vez, diante do que é nosso abrigo atômico.

Com uma grossa porta blindada, um sistema próprio de ventilação e filtro contra gases, os cerca de 25 condôminos de nosso prédio sobreviveriam, mesmo que acontecesse algo terrível como uma explosão nuclear.

Esses suíços! Paranóicos e obcecados por segurança! - é o que nosso amigo deve ter pensado. E provavelmente há um fundo de verdade nessa sua maneira de pensar. Basta dizer que o suíço gasta mais do que qualquer outra nação no mundo (mais de 20% de seu orçamento) para se garantir contra tudo e contra todos. Além disso, há outra razão bem mais simples: trata-se de uma exigência legal.

Espaço para toda a população

"Da mesma forma que cada cidadão deve ter um abrigo, que, de sua residência, possa ser alcançado rapidamente", os "proprietários de apartamentos são obrigados a construir refúgios em todos os novos edifícios", de acordo com os arts. 45 e 46, da Lei Federal Suíça sobre Proteção Civil.

Esta é a razão pela qual a maioria dos edifícios construídos a partir da década de 60 (a primeira lei sobre o assunto foi aprovada em 4 de outubro de 1963) já possui abrigo atômico. Em 2006, havia 300 mil abrigos em residências, instituições e hospitais, bem como 5.100 abrigos públicos, proporcionando proteção para um total de 8.6 milhões de cidadãos – um grau de cobertura de 114%.

Campeões Mundiais

Se construir abrigos atômicos fosse uma prova olímpica, a Suíça, com certeza, ganharia medalha de ouro. Basta dar uma rápida olhada, mundo a fora, para se ter certeza de que ninguém rivaliza com ela nesse aspecto.

Os mais próximos competidores são a Suécia e a Finlândia. Mas, com 7,2 e 3,4 milhões de lugares protegidos respectivamente (representando uma cobertura de aproximadamente 81% e 70%, respectivamente), conseguiriam no máximo uma medalha de prata.

A situação nos outros países europeus não chega aos pés da Suíça. Na Áustria, por exemplo, a cobertura é de 30 por cento, mas a maioria dos abrigos não têm um sistema de ventilação. Na Alemanha, o nível nacional de cobertura não passa de três por cento.

Em áreas fora da Europa, abrigos são comuns na China, Coréia do Sul, Cingapura, Índia... e alguns outros países. Mas em índices de cobertura não ultrapassam os 50 por cento.

Em Israel, existem abrigos para dois terços da população, porém, em muitos casos, estas estruturas são simplesmente proteções em concreto com aberturas. Portanto, sujeitas a chuva radioativa.

Idade de ouro

A construção sistemática de abrigos atômicos na Suíça, durante a segunda metade da década de 60, foi provocada pelo receio generalizado de um ataque nuclear e pelo fantasma de uma invasão soviética. "A neutralidade não dá garantias contra a radioatividade", era um dos slogans da campanha na época.

A construção de abrigos atingiu seu pico em meados da década de 70, com uma média anual entre 300 mil e 400 mil lugares protegidos. Atualmente, esse volume gira em torno dos 50.000 anuais.

Durante alguns anos, a Suíça ostentou, orgulhosamente, a marca de possuir o maior projeto da proteção civil em todo o mundo: No túnel de Sonnenberg, em Lucerna, era possível abrigar até 20.000 pessoas.

Nos sete níveis acima do túnel, inaugurado em 1976, havia um hospital, um teatro operacional, um estúdio de radio, um centro de comando ... Entretanto, essa infra-estrutura, abandonada em 2006, era deficiente sob vários aspectos. As portas, por exemplo, tinham 1,5 metros de espessura e pesavam 350 mil quilos, mas não fechavam hermeticamente.

E os construtores não levaram em conta um outro dado muito simples: os grandes problemas psicológicos e de logística, diante de uma enorme concentração de pessoas.

Políticas inalteradas


Com o fim da Guerra Fria e uma nova situação, na política de segurança, muitos países introduziram mudanças radicais na sua filosofia de proteção. Por exemplo, na Noruega, em 1998, as autoridades revogaram legislação relativa à construção de abrigos atômicos.

Mas, na Suíça, não houve mudanças. Em 2005, um parlamentar (Pierre Kohler) apresentou projeto suspendendo a obrigatoriedade de construir abrigos em residências particulares. Ele salientou a inutilidade dessas "relíquias do passado", as quais, certamente, aumentariam os custos de construção de residências.

No entanto, após análise da situação, o governo concluiu que eles ainda eram úteis, não só em caso de conflito armado, mas também no enfrentamento de um possível ataque terrorista com "armas perigosas", acidentes químicos e as catástrofes naturais. Portanto, os abrigos atômicos continuarão a ter um futuro brilhante na Suíça.

Daniele Mariani, swissinfo.ch
traduzido do italiano por J.Gabriel Barbosa

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Obama tranquiliza árabes e cutuca novo governo de Israel


Por Arshad Mohammed

WASHINGTON (Reuters) - O presidente dos EUA, Barack Obama, reafirmou nesta semana seu apoio inequívoco à criação de um Estado palestino e cutucou o novo governo conservador de Israel, que cuidadosamente evita se comprometer com tal meta.

Em visita à Turquia, Obama manifestou em dois dias consecutivos seu apoio a uma solução para o conflito que resulte em dois Estados -- Israel e Palestina --, embora o novo primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, evite esse termo.

O ultradireitista chanceler de Netanyahu, Avigdor Lieberman, foi além, dizendo que o processo de paz está em um "beco sem saída" e que Israel não tem obrigação de seguir a declaração de Annapolis (2007), promovida pelos EUA, segundo a qual ambas as partes se comprometiam com "a meta de dois Estados".

"Ao dizer o que (Obama) disse na Turquia, acho que passa um claro sinal sobre a solução com dois Estados. É inegociável. Isso agora se tornou um pilar da política dos EUA", disse Ghaith Al Omari, diretor da entidade Força-Tarefa Americana para a Palestina.

"Netanyahu se esquiva da questão, aparentemente por causa da política doméstica, mas terá de assumir uma posição antes de vir aqui (Washington) encontrar Obama", disse Al Omari, ex-consultor do presidente palestino, Mahmoud Abbas. Segundo ele, o encontro entre Netanyahu e Obama deve acontecer em maio.

Obama promete fazer do conflito do Oriente Médio uma prioridade do seu governo, e dois dias depois da posse, em janeiro, nomeou um enviado especial para a região. Agora, o presidente espera atrair o cético Netanyahu para um diálogo com os palestinos.

O novo primeiro-ministro tem sido vago a respeito da sua disposição para negociar questões espinhosas, como as fronteiras e o status de Jerusalém. Afirma que sua prioridade é criar zonas de desenvolvimento para os palestinos e formas de aliviar as restrições representadas pelos bloqueios rodoviários israelenses na Cisjordânia.

A estratégia dos EUA pode ser a de conduzir Netanyahu a manifestar apoio, direta ou indiretamente, à solução com dois Estados. "Sem isso, é muito difícil avançar", disse um diplomata familiarizado com as posições do governo Obama.

ASSENTAMENTOS

Daniel Levy, ex-funcionário do governo israelense, hoje na entidade Nova Fundação Americana, em Washington, disse que a referência de Obama à conferência de Annapolis também é uma forma de reagir ao novo governo israelense.

Entretanto, analistas dizem que é cedo para avaliar até que ponto Obama estaria disposto a pressionar Netanyahu a assumir os compromissos necessários para um acordo de paz. Por enquanto, os dois governos ainda estariam se sondando.

Na semana passada, o enviado especial de Obama, George Mitchell, faz sua primeira viagem ao Oriente Médio desde a posse de Netanyahu. As negociações entre israelenses e palestinos estão suspensas desde a ação militar israelense de dezembro contra a Faixa de Gaza.

Na opinião de vários analistas, um indicador essencial será a posição que os EUA assumirem com relação aos assentamentos judeus na Cisjordânia. Um plano de paz norte-americano de 2003 exigia que Israel suspendesse a ampliação das colônias, o que não ocorreu.

"A questão reveladora para os próximos seis meses será como os dois lados irão lidar com essa questão", disse Alterman. "A partir daí, uma enorme quantidade (de decisões) irá se seguir."

swissinfo

domingo, 15 de março de 2009

Cern comemora os 20 anos da internet


Em março de 1989, o britânico Tim Berners-Lee escreveu no Cern, em Genebra, um projeto chamado "Information Management: A Proposal" (gerenciamento de informação: uma proposta), que deu origem à internet.

Nesta sexta-feira, ele voltou à Genebra para a comemoração dos 20 anos da web, que já foi comparada à invenção da tipografia por Johannes Gutenberg e abriu as fronteiras do mundo à sociedade da informação.

"1990 foi um ano de importantes acontecimentos mundiais. Em fevereiro, Nelson Mandela foi libertado após 27 anos de prisão. Em abril, o ônibus espacial Discovery colocou o telescópio espacial Hubble em órbita. E, em outubro, a Alemanha foi reunificada. Então, no final de 1990, ocorreu uma revolução que mudou a forma como vivemos hoje. Foi no Cern, Organização Europeia para Pesquisa Nuclear, onde tudo começou em março de 1989."

Assim começa a mensagem de boas-vindas que se lê hoje no site do primeiro servidor mundial da história da internet: http://info.cern.ch. O texto reflete o significado histórico que é atribuído ao surgimento da web.

A conexão de computadores em redes fechadas já havia começado em 1969, com a Arpanet, que interligava instituições de pesquisa dos EUA (leia mais na coluna ao lado), mas Tim Berners-Lee deu uma dimensão mundial à tecnologia.

Sua proposta mostrava como as informações poderiam ser facilmente transferidas através da internet, utilizando hipertexto, hoje conhecido como sistema de ponto-e-clique de navegação através da informação. No ano seguinte, o engenheiro de sistemas do Cern Robert Cailliau tornou-se o primeiro usuário da web e um de seus defensores.

A idéia era ligar hipertexto com a internet e computadores pessoais e, assim, formar uma única rede que ajudasse os físicos do Cern a partilhar todas as informações armazenadas em computador nos laboratórios da instituição.

Uma idéia "vaga, mas altamente interessante", foi a resposta escrita pelo chefe de Berners-Lee, Mike Sendall, no papel hoje exposto numa vitrine do Cern como se fosse uma certidão de nascimento da World Wide Web.

Siglas complicadas e trabalho de lobby

Berners-Lee chegou à Suíça em 1984, aos 33 anos, para desenvolver novos métodos para o registro e processamento de um novo acelerador de elétrons. No instituto eram usados os mais diferentes tipos de computadores e formatos de documentos. Sua intenção inicial foi apenas organizar o grande volume de informações.

Com um sistema de hipertexto desenvolvido por ele em 1988, os pesquisadores deveriam poder acessar mundialmente os resultados dos colegas. Esse sistema baseava-se num tripé ainda hoje aparentemente complicado para usuários leigos: o "Hypertext Markup Language" (HTML) descreve como páginas com hiperconexões ("links") são formatadas em diferentes plataformas de computação; o "Hypertext Transfer Protocol" (HTTP) é a linguagem que os computadores usam para se comunicar através da internet; e o "Universal Resource Identifier" (URI) é o esquema pelo qual endereços de documentos são criados e encontrados.

Num trabalho formiga, através de conversas pessoais e longos emails, ele e Cailliau convenceram os tomadores de decisão e pesquisadores do Cern, bem como informáticos em todo o mundo da importância do projeto. "Não havia um fórum de onde eu pudesse esperar uma resposta", lembrou ele em 1999 em seu livro Der Web-Report. Sem falar que na época não existiam blogs ou wikis, que hoje facilitam um trabalho colaborativo.

Para reforçar seu lobby, Berners-Lee instalou na noite de Natal de 1990 no seu computador NeXT o servidor info.cern.ch, endereço ativo até hoje. Mas, a maioria dos usuários de computador, na ocasião, não podia acessá-lo. Eles se movimentavam em redes fechadas, como CompuServe, AOL ou Btx.

O impulso decisivo, como conta a história da internet, só viria em abril de 1993, quando o Cern abriu a web ao público e renunciou ao pagamento de licenças ou a um patenteamento da invenção de Berners-Lee. O triunfo da rede, porém, aconteceria fora do Cern.

Uma série de outras invenções e avanços tecnológicos contribuiu para isso, como o primeiro browser gráfico Mosaic, que em 1993 tornou a internet acessível a um público leigo em informática, ou a fundação do motor de busca Google em 1998.

Expansão vertiginosa

Em 1994, o fundador da Microsoft, Bill Gates, que segundo a revista Forbes novamente é o homem mais rico do mundo, reconheceu o potencial da rede e iniciou a disputa do mercado de browsers contra o Netscape (sucessor do Mosaic).

No mesmo ano, Tim Berners-Lee foi para os EUA, onde fundou no Massachusetts Institute of Technology (MIT) o World Wide Web Consortium (W3C), grêmio que ele comanda até hoje e que padroniza os desenvolvimentos tecnológicos da web.

Mas ele nunca se tornou um ricaço, como um Bill Gates, por exemplo. Quando perguntado se não se irrita por não ter faturado muito dinheiro com sua invenção, ele responde: "Tomei decisões conscientes sobre o rumo que deveria tomar minha vida. Isso eu não mudaria".

O que Tim Berners-Lee não podia imaginar nos corredores e laboratórios do Cern em 1989 é a dimensão que tomaria sua invenção. Estima-se que hoje existam mais de 80 milhões de wesites (dado do Cern), 625 milhões de computadores em rede (número da DPA) e centenas de milhões de usuários de internet. Ninguém mais compra um computador para outro fim que não seja acessar a internet, que colocou o mundo à distância de um clique.

swissinfo, Geraldo Hoffmann

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Amianto reúne Brasil e Suíça em polêmica internacional


O Supremo Tribunal Federal (STF), instância máxima da Justiça no Brasil, deve começar a julgar nas próximas semanas uma série de ações sobre a utilização do amianto branco, ou crisotila, pela indústria nacional.

O Brasil é um dos poucos países onde o amianto branco ainda é legal, mas sua utilização divide a sociedade brasileira, já que o produto é considerado de alto risco para a saúde humana por um grande número de cientistas, acadêmicos e dirigentes de organizações não-governamentais.

Em meio à polêmica brasileira, a Suíça cumpre um papel importante em três frentes, graças a sua atuação nas discussões internacionais sobre o banimento de produtos perigosos, à postura adotada por suas empresas frente ao problema do amianto e à atuação acadêmica pró-amianto de David Bernstein, um renomado, e muitas vezes contestado, cientista norte-americano radicado há décadas no país.

Em novembro do ano passado, foi realizada em Roma a 4ª Conferência da Convenção de Roterdã sobre Substâncias Químicas e Agrotóxicos. Nela, a exemplo das conferências anteriores, as discussões sobre o banimento do amianto foram proteladas, e somente serão reiniciadas em 2010.

A frustrada tentativa de incluir o amianto na lista de produtos proibidos foi liderada pela Suíça, e a delegação suíça chegou a sugerir que as decisões no âmbito da Convenção de Roterdã não mais fossem tomadas por consenso, como é praxe, e passassem a ser tomadas por votação da maioria.

O Brasil, por outro lado, reafirmou em Roma a posição de não ter posição, fato talvez explicado por sua indefinição interna acerca da utilização do amianto.

A suposta neutralidade brasileira, seguida por outro grande produtor, o Canadá, significou na prática o fortalecimento da posição dos países claramente favoráveis ao amianto, como Índia, Filipinas, Vietnã e os países do ex-bloco soviético, entre outros.

Representante da Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) e coordenadora da Rede Virtual-Cidadã para o Banimento do Amianto na América Latina, a advogada Fernanda Giannasi, que participou da reunião de Roma, criticou a posição brasileira: "O Brasil ficou mais uma vez em cima do muro. Essa posição já havia sido combinada previamente com a indústria brasileira de amianto, foi coisa acertada nos gabinetes de Brasília", disse.

STF na pressão

Para definir seu rumo no plano das discussões multilaterais, o governo brasileiro espera que o STF julgue ainda no primeiro semestre de 2009 as doze ações referentes à utilização do amianto que tramitam na suprema corte. Nove destas são Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins) que, depois de julgadas, definirão de uma vez por todas essa questão no país.

A Adin mais importante, e que deve ser apreciada pelo STF em primeiro lugar, contesta a constitucionalidade da lei aprovada em São Paulo que bane o amianto do mais rico estado brasileiro.

Ciente da importância do momento, o lobby pró-amianto já se articula em torno do STF. Por pelo menos uma vez, o presidente do tribunal, ministro Gilmar Mendes, recebeu no seu gabinete em Brasília o presidente do Grupo Eternit, Élio Martins, e o diretor-geral da SAMA, Rubens Rela Filho. A Eternit é a maior empresa do setor de amianto no país e a mineradora SAMA, subsidiária do grupo, opera no estado de Goiás a única mina de amianto em exploração no Brasil.

Eternit

Nesse ponto, a Suíça cruza novamente a polêmica brasileira, pois o Grupo Eternit chegou ao Brasil em 1940, como parte de uma estratégia de expansão levada a cabo conjuntamente pela Eternit suíça e pela Eternit belga, e rapidamente se consolidou como líder do setor no país.

O grupo conta atualmente com cinco fábricas e 1.400 funcionários e colaboradores, e em janeiro ampliou em dez mil toneladas mensais sua produção de amianto branco e de fibras sintéticas para a fabricação de telhas de fibrocimento no estado do Paraná, num investimento de R$ 20 milhões.

Na Suíça, a Eternit já não utiliza o amianto branco desde 2000, devido aos riscos do produto, mas o mesmo não acontece na Eternit brasileira. Na opinião de Fernanda Giannasi, essa realidade aponta o que considera "uma contradição na filosofia do grupo", que, segundo a advogada, foi criada a partir do momento em que o proprietário da Eternit, o suíço Stephan Schmidheiny "se tornou ambientalista e desistiu de ser um magnata do amianto".

Biopersistência

O componente mais folclórico que une Suíça e Brasil nessa polêmica do amianto, no entanto, tem nome e sobrenome: David Bernstein. Físico de formação e nascido nos Estados Unidos, Bernstein ganhou fama internacional após se estabelecer na Suíça, onde publicou seus estudos sobre biopersistência, que vem a ser o tempo que um produto tóxico resiste no organismo humano.

As conclusões de Bernstein, apresentado inúmeras vezes pela grande imprensa brasileira como "especialista suíço", sempre foram amplamente utilizadas para embasar os argumentos dos defensores do amianto no Brasil.

Segundo seus estudos, a biopersistência da fibra de amianto branco, ou crisotila, no pulmão humano é de dois dias, o que significa que, se o contato com o produto for feito a partir de regras industriais de uso controlado, ele não representa risco à saúde humana.

Vários cientistas em todo o mundo, no entanto, contestam os estudos de Bernstein. O francês Henri Pezerat, por exemplo,(recentemente falecido) afirma que Bernstein "esqueceu que a biopersistência é apenas um parâmetro entre outros na cadeia de eventos que caracteriza um processo cancerígeno" e o acusa de manipular os testes feitos com ratos sobre os quais baseou suas conclusões: "Esses estudos, que servem como caução científica para o lobby do amianto, carecem totalmente de rigor científico".

Normalmente arredio ao contato com a imprensa, Bernstein concedeu em 2006 uma entrevista ao Instituto Brasileiro de Crisotila (IBC), na qual afirmou que "numerosos estudos tem demonstrado que a combinação de características do crisotila faz com que sua fibra seja rapidamente eliminada do pulmão depois de inalada". Bernstein disse também que "a Organização Mundial de Saúde (OMS) aprovou o conceito do uso controlado de crisotila".

Financiamento suspeito

As críticas sobre Bernstein, no entanto, aumentaram quando, durante um depoimento prestado no ano passado, no âmbito de um processo sobre contaminação por amianto no distrito de Ellis County (Estado do Texas, EUA), ele confirmou que seus estudos sobre biopersistência haviam sido parcialmente financiados "pela indústria brasileira de amianto", através da mineradora SAMA.

Procurado pela reportagem da swissinfo, Bernstein não quis se pronunciar para negar ou confirmar essa afirmação.

O Grupo Eternit, por sua vez, admitiu pela primeira vez sua ligação prévia com os estudos realizados por Bernstein. Procurada pela swissinfo, a direção da empresa no Brasil, por intermédio de sua assessoria de imprensa, afirmou que "preocupados com os efeitos das fibras do amianto crisotila na saúde da população e dos funcionários, inicialmente a solicitação da pesquisa partiu do Grupo Saint Gobain, administrador da SAMA Minerações à época".

"Como no Brasil não há incentivo ou investimento público para este tipo de pesquisa, a indústria procurou apresentar respostas às questões de segurança na utilização do mineral. A pesquisa realizada apresentou, de forma isenta, um estudo sobre as características físicas do amianto crisotila", afirma a direção da Eternit.

A empresa justificou a escolha de Bernstein: "À frente do trabalho, David Bernstein foi escolhido em razão de ser o cientista mais citado em qualquer bibliografia que trate de estudos de biopersistência por inalação, além de trabalhar em parceria com outros cientistas, considerados entre os poucos detentores de recursos tecnológicos para o desenvolvimento de metodologia adequada sobre o assunto no mundo".

swissinfo, Maurício Thuswohl, Rio de Janeiro

NOTA DO OMAR: A Swissinfo é agência oficial do Governo Suíço, com todas as implicações decorrentes desse fato.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Arquitetos suíços convidados para projeto polêmico

José Serra:

Estrelas da arquitetura mundial, os suíços Jacques Herzog e Pierre de Meuron foram convidados para seu primeiro projeto no Brasil, em São Paulo.

O problema é que não houve concorrência pública para o projeto, o que acabou provocando uma grande polêmica no país.

Reconhecidos e respeitados por seus pares há muitos anos, os arquitetos suíços Jacques Herzog e Pierre de Meuron foram alçados à condição de estrelas internacionais após assinarem projetos de grande visibilidade, como a Tate Modern de Londres e o Estádio Olímpico de Pequim (conhecido como Ninho do Pássaro), entre outros.

Tanto prestígio fez com que o governo do estado de São Paulo convidasse no fim de 2008 o escritório Herzog & De Meuron para participar de seu primeiro grande projeto no Brasil, o Teatro da Dança e da Ópera de São Paulo. Mas, a escolha, feita sem que fosse aberto um processo de licitação pública, acabou provocando uma grande polêmica no país.

De um lado, associações representativas dos arquitetos brasileiros protestam contra a escolha de profissionais estrangeiros e criticam o montante que será pago pelo governo paulista ao escritório suíço. De outro, o alto custo estimado para o projeto faz com que os opositores do governador José Serra, candidato declarado à Presidência da República, o critiquem por fazer uso eleitoral da obra.

Projetado para ser a futura sede da São Paulo Companhia de Dança e do Centro de Estudos Musicais Tom Jobim, o Teatro da Dança e da Ópera será erguido no terreno onde está situada a antiga rodoviária da capital paulista, atualmente um shopping, no histórico bairro da Luz.

O complexo, segundo a Secretaria de Cultura de São Paulo, ocupará uma área de cerca de 20 mil metros quadrados e abrigará salas de ensaio, uma biblioteca e um espaço para aulas de dança, além de três teatros. O principal terá capacidade para cerca de 1,8 mil espectadores, enquanto os outros dois terão 600 e 450 lugares, respectivamente.

O custo total estimado pelo governo estadual para o projeto de construção do Teatro da Dança e da Ópera de São Paulo é de R$ 300 milhões. Segundo a Secretaria de Cultura, o contrato firmado com o escritório Herzog & De Meuron prevê o pagamento de uma comissão entre 6,5% e 8,5% desse valor, o que significa algo entre R$ 19,5 milhões e R$ 25,5 milhões.

Críticas ao custo

Considerado como demasiado alto, este valor provocou a ira de parte dos arquitetos brasileiros. O Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) decidiu enviar uma petição ao secretário estadual de Cultura de São Paulo, João Sayad, "solicitando esclarecimentos sobre a forma de contratação do escritório internacional".

Em nota pública, a presidente da IAB-SP, Rosana Ferrari, afirma que o instituto pediu ao seu "Grupo de Licitação" - composto pelos arquitetos Altamir Fonseca, Anne Marie Sumner e Hector Ernesto Vigliecca - que emitisse "um parecer técnico, estudando melhor o que aconteceu e até onde essa situação está em desacordo com a nossa legislação".

Em uma outra iniciativa, dois renomados arquitetos paulistas, Euclides Oliveira e Pitanga do Amparo, enviaram uma petição aberta ao governador José Serra para apresentar "algumas considerações" sobre o que definem como "a contratação irregular do escritório de arquitetura suíço superstar Herzog & De Meuron".

Além de acusarem Serra de visar "um mais que manjado 'Efeito Bilbao' de caráter eleitoreiro" com a construção do Teatro da Dança e da Ópera, Oliveira e Amparo criticam o valor que será pago aos suíços pelo projeto: "Pretende o governo pagar ao Herzog & De Meuron R$ 25 milhões pelo projeto, enquanto paga aos nossos arquitetos, por exemplo, cerca de R$ de 15 mil por projeto de escola de segundo grau com 15 salas de aula, o que não deixa de ser uma afronta à nossa categoria profissional", diz a petição.

Governo se defende

O Governo de São Paulo se defende das críticas afirmando que a escolha do escritório suíço está amparada pela Lei Federal 8.666, de 1993, que determina ser "inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização".

Determinada a não alimentar a polêmica, a Secretaria de Cultura de São Paulo evita falar sobre o assunto. Em comunicado à imprensa, o secretário João Sayad afirmou que dispensou a licitação pública "porque isso engessaria a possibilidade de alterar o projeto". Sobre a escolha da prestigiada dupla suíça, Sayad afirmou que "queríamos nomes notáveis".

Conclusão em 2010

Procurado pela reportagem da swissinfo, o escritório Herzog & De Meuron também foi sucinto nas informações e evitou tocar na polêmica: "Jacques Herzog e Pierre de Meuron estão apenas começando a trabalhar no desenvolvimento do projeto do Teatro da Dança e Ópera de São Paulo, por isso ainda é muito cedo para divulgar desenhos ou estudos sobre o projeto neste momento", informou Jolanda Meyer, gerente de Comunicações do escritório de arquitetura.

Na única declaração publicada na imprensa brasileira desde que foi anunciada a escolha feita pelo governo paulista, Pierre de Meuron afirmou ao jornal Folha de São Paulo que não vê a hora de dar início ao seu primeiro projeto no Brasil: "Tenho ótimas lembranças do Brasil, de Brasília, de São Paulo. Agora, há uma boa perspectiva para voltar e me envolver mais com as pessoas. Como acontece em todos os nossos projetos, precisamos conhecer melhor a cidade onde vamos trabalhar, analisar, compreender, olhar a região", disse.

Os arquitetos suíços devem apresentar seu projeto ao Governo de São Paulo até o fim de março e, para tanto, já organizam a montagem de uma filial de seu escritório com cerca de 20 profissionais na capital paulista.

As obras devem começar no segundo semestre de 2009 e têm término previsto para o final de 2010. Para facilitar seu trabalho, Herzog e De Meuron contarão com um estudo de cerca de 200 páginas realizado pela empresa inglesa Theatre Projects Consultants, que é especialista na construção de teatros e responsável por cerca de 300 projetos de teatro em todo o mundo.

swissinfo, Maurício Thuswohl, Rio de Janeiro

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

OPORTUNIDADE DE EMPREGO

Rorschach:

Cidade procura um caçador de tesouros

Rorschach é possivelmente a primeira cidade no mundo a procurar um caçador oficial de tesouros. Essa pessoa terá durante um ano a missão de descobrir e revelar valores e qualidades escondidas dessa pequena cidade às margens do Lago de Constança.

A ressonância de candidatos e na imprensa foi imensa. Com a ação, os iniciadores mostram que é possível, com poucos recursos, lutar contra a estagnação de um espaço urbano.

O enorme crucifixo de cimento está jogado no chão e quase se afundou no gramado do antigo cemitério ao lado da bela Igreja de Kolumban, construída em 800 d.C. "Foram vândalos que derrubaram a estátua do pedestal há alguns anos", explica um voluntário que prepara o altar para os festejos natalinos. Os membros da paróquia decidiram deixá-la nessa posição incomum para fazer parte do que batizaram posteriormente de "Calvário", um caminho com diversas marcações para levar os fiéis à reflexão. Perguntado por que o crucifixo não foi colocado de volta no seu pedestal, ele é tácito. "Não temos força para levantá-lo".

A imagem pode ser vista como um símbolo da situação atual de Rorschach. No seu apogeu, essa pequena cidade ocupando o espaço de apenas 1,78 quilômetros quadrados às margens do Lago de Constança, no extremo norte da Suíça, foi um centro industrial e comercial importante no país, sobretudo pela presença de inúmeras fábricas de produtos têxteis. Porém, elas começaram a fechar suas portas até os anos 1970 e, desde então, o declínio econômico foi marcante.

Os sinais são vistos até hoje pelas ruas de Rorschach. A estação de trem em frente ao porto está fechada há muitos anos para reformas. No seu primeiro andar, as janelas vazias do restaurante mostram que ninguém mais senta nas suas mesas para admirar a bela vista do lago. A situação também não é diferente para vários hotéis e lojas, de portas fechadas, vitrines vazias e letreiros quebrados. Várias casas estão praticamente em ruínas como se vê no reboco caído e nas janelas quebradas.

A justificativa do aspecto relativamente desolador está nos números. Desde 1963, a pequena cidade perdeu 36% da sua população: de 13.420 para 8.703 habitantes. Muitos dos que ficaram não têm poder de compra e até dependem do governo para sobreviver. Rorschach tem uma proporção de 40% de estrangeiros, migrantes de várias gerações, e já apareceu várias vezes nas manchetes de jornais pelos problemas ligados à integração e à violência cometida por pessoas de outras nacionalidades.

A imagem da cidade é tão ruim, que mesmo os habitantes da comuna vizinha, Rorschacherberg, recusaram nas urnas durante o plebiscito de 30 de novembro a proposta de fusão com Rorschach. Justificativa dada pelos jornais locais: eles não querem se juntar com uma comuna pobre, que precisa cobrar impostos mais elevados para cobrir seus custos.

Novos tempos

Porém, os ventos estão soprando em outra direção. Em 19 de novembro, a prefeitura publicou um pequeno anúncio no seu site procurando um "caçador oficial de tesouros". Na descrição do emprego – uma ocupação de quatro horas por semana durante todo o ano de 2009 e dotado com um salário anual de sete mil francos suíços - ela foi original: "O candidato deve investigar e descobrir tesouros esquecidos, enterrados e adormecidos da cidade de Rorschach, para depois registrá-los e publicá-los".

A curiosa idéia despertou o interesse da mídia e colocou a pequena cidade nos noticiários nacionais e até de países vizinhos, como a Alemanha. "Eu não esperava que o anúncio tivesse uma ressonância tão grande", confessa Thomas Müller, prefeito de Rorschach, que também é deputado federal pelo Partido Democrata Cristão (PDC).

Nascido e criado na pequena cidade, ele mesmo admite que durante muitas décadas ela esteve estagnada. Mas, graças à dissolução do parlamento comunal em 2005, o bloqueio político foi removido e a estrutura de decisões modernizada. "Agora, estamos conseguindo realizar as mudanças necessárias para desenvolver a cidade. Eu fui conclamado pela população para assumir essa tarefa", conta sem modéstia.

O interesse pelo posto de caçador de tesouros tem surpreendido os autores da proposta. Até agora, 37 pessoas enviaram seus currículos para a prefeitura de Rorschach. "São pessoas com as profissões mais diversas, como arqueólogo, jornalista, professores, aposentados e outros", conta o secretário comunal Bruno Seelos. Ele também se lembra de alguns casos curiosos. "Uma pessoa ligou e disse que tinha um detector de metais e que estava interessada no posto. Nós tivemos de lhe explicar que os tesouros imaginados por nós são de outra natureza".

Seelos explica que o candidato ideal é uma pessoa comunicativa, cuja principal tarefa será sair às ruas de Rorschach, abordar os cidadãos e descobrir valores e outras qualidades da cidade que não podem ser reconhecidos à primeira vista. Concretamente, o caçador de tesouros irá publicar suas descobertas a cada duas semanas em uma coluna no jornal St-Galler Tagblatt e num blog. "Dessa forma, os habitantes poderão estar sempre descobrindo coisas novas da sua cidade", acrescenta o secretário comunal.

O autor da idéia

O caçador de tesouros de Rorschach será anunciado oficialmente em 11 de dezembro pela prefeitura através de uma coletiva de imprensa. A escolha do candidato será feita pelo sociólogo Mark Riklin, que é o autor original da idéia. Como professor da Faculdade de Ciências Aplicadas de St-Gallen, ele havia organizado em outubro de 2007 uma ação intitulada "Cidade como Palco", no qual 60 estudantes vestidos com roupas de operários vasculharam as ruas de Rorschach (clique AQUI para ver o vídeo). Depois de uma tarde, os jovens listaram 169 tesouros. Um deles, o antigo – mas ainda em utilização – guindaste do porto ganhou até uma placa comemorativa com o número 61.

Três semanas depois da ação, Riklin e seus estudantes entregaram oficialmente ao prefeito da cidade um manifesto intitulado "O Lago é bonito de cheirar", no qual eles conclamavam Rorschach a ser a primeira cidade no mundo a contratar um caçador de tesouros. A proposta não deve ser vista como uma forma de melhorar a imagem da cidade. "Eu nunca diria que Rorschach é um lugar decadente. Pelo contrário, eu acho que essa cidade e qualquer lugar no mundo têm muitos potenciais escondidos. Encontrar tesouros significa que o futuro é possível", justifica o professor. Ele também explica que os tesouros encontrados pelos seus estudantes são apenas sugestões. "Esse trabalho foi feito apenas em uma tarde e sem uma grande participação da população".

A escolha dessa inusitada profissão também tem um aspecto lúdico. "Quem nunca sonhou em encontrar um tesouro? Quando falo em caçador de tesouros, a criança que temos dentro de nós é abordada. Essa imagem tem uma conotação muito positiva para todas as pessoas envolvidas", explica Riklin, que também será o orientador do futuro empregado da cidade.

Ceticismo inicial

Como os políticos locais consideraram a idéia de contratar um caçador de tesouros? A resposta é acompanhada de risos pelo prefeito. "No início, eu a vi com muito ceticismo, mas agora estou adorando. Acho que o principal objetivo é mostrar aos nossos cidadãos o lugar bonito em que eles vivem", diz Thomas Müller. Ele próprio confessa ter algumas sugestões de tesouro, como uma minúscula e escondida capela utilizada por ele e seus amigos na infância para fumar escondido os primeiros cigarros.

Para o prefeito, Rorschach está a caminho de recuperar o seu antigo brilho. Além do caçador de tesouros, ele cita projetos como a construção aprovada nas urnas de três novos prédios residenciais, a instalação de um grande centro de formação profissional da multinacional alemã Würth e diversas reformas realizadas em praças e outros prédios públicos e privados da cidade.

Também em relação às finanças, a época de vacas magras passou, como revela o secretário comunal. "Depois de muitos anos de déficit de caixa e dependência da ajuda do cantão, desde o ano passado foi possível anunciar o primeiro superávit", alegra-se Seelos. Seu otimismo também é reforçado pela perspectiva de bons resultados para o futuro colaborador. "Estou convencido que temos muitos tesouros escondidos na cidade".

swissinfo, Alexander Thoele

sábado, 6 de dezembro de 2008

Estrelas do futebol europeu cozinham contra fast-food


Vinte por cento das crianças suíças são obesas. Na Europa são 20 milhões. Na Suíça e em vários outros países discute-se a proibição da publicidade de "junk-food". Treze estrelas do futebol cozinham contra "fast-food".

Para proteger crianças com menos de 16 anos contra uma alimentação prejudicial à saúde, duas organizações suíças de defesa do consumidor pedem uma proibição parcial da publicidade de comida não saudável.

A campanha é patrocinada pela Organização Internacional de Defesa do Consumidor (Consumers International), que elaborou diretrizes a serem apresentadas no início do ano que vem à Organização Mundial de Saúde (OMS), em Genebra.

Governo lava as mãos

A esperança da Fundação de Defesa do Consumidor (SKS, na sigla em alemão), que reivindica do governo suíço uma diretiva nesse sentido, até agora foi frustrada. "No momento, não temos a intenção de restringir a publicidade de alimentos", informa a Secretaria Federal de Saúde, acrescentando que confia na auto-responsabilidade dos consumidores e da indústria.

"Essa posição das autoridades me deixa perplexa e decepcionada", diz a presidente da SKS, Simonetta Sommaruga, à swissinfo. Isso porque se sabe que a obesidade é hoje é um grave problema de saúde infantil. "Precisamos do apoio das autoridades para a nossa campanha", diz Sommaruga.

Mesmo assim, ela vê chances para a campanha por ser internacional. Além disso, autoridades de outros países "são mais abertas do que as nossas na Suíça. Os problemas de saúde das crianças obesas atingem a todos e custam muito à sociedade. Por isso, temos de chegar a um consenso", afirma a presidente da SKS.

Pasta à Cannavaro

Um apoio indireto à campanha vem de outro lado. A União Européia de Futebol (Uefa) e a Federação Mundial do Coração lançaram, com apoio da União Européia, o livro de culinária Eat for Goals!, com a participação de 13 estrelas do futebol (entre elas, três mulheres).

Um pacote de pasta, 6 tomates, 2 beringelas, 12 olivas pretas, 4 colheres de sopa de óleo, manjericão, alcaparras, 2 cebolas, 4 dentes de alho – assim Fabio Cannavaro, zagueiro do Real Madrid e capitão campeão mundial da seleção italiana, prepara seu "espaguete à siciliana". Uma receita simples e sem gordura.

Também estrelas como Thierry Henry e Carles Puyol (ambos do Barcelona), Ruud van Nistelrooy (Real Madrid), Lukas Podolski ou Miroslav Klose (ambos do Bayern de Munique) fornecem a lista detalhada dos ingredientes e instruções precisas para preparar 13 pratos saudáveis e gostosos para crianças.

"O livro mostra a jovens jogadores e torcedores de futebol como cozinham e comem os campeões", diz o capitão do FC Liverpool, Steven Gerrard.

Nenhum jodador disse "não"

Foi relativamente fácil convencer as 13 estrelas a participar do projeto do livro, disse o diretor de projetos sociais da Uefa, Patrick Gasser, à swissinfo. "Nenhum dos craques disse não. Contatamos os clubes e então os jogadores e foi fácil obter as receitas."

A seleção dos jogadores é mais ou menos representativa da Europa, mas nenhum suíço foi escolhido. Será porque Tranquillo Barnetta, atacante da seleção helvética, faz propaganda para do McDonald's? Gasser ri: "Isso não teve nada a ver. Temos 53 federações ligadas à Uefa. Engajar um jogador de cada país teria extrapolado os limites do projeto."

Pressão sobre o McDonald's

As diferentes campanhas contra obesidade e o fato de hoje existirem mais de 20 milhões de crianças com esse problema na Europa aumentam a pressão sobre o McDonald's. A Grã-Bretanha já aprovou restrições legais à publicidade de alimentação gordurosa. Também em outros países aumentam os pedidos de proibição da publicidade de fast-food, especialmente em programas televisivos infantis.

Desde que a OMS declarou a obesidade com epidemia mundial, a multinacional norte-americana está cada vez mais na mira das autoridades sanitárias e da medicina preventiva.

Por enquanto, o faturamento do McDonald's, que tem 56 milhões de clientes diários, continua aumentando (6% no terceiro trimestre de 2008). Mas a sede mundial da empresa acompanha com atenção as campanhas contra comidas gordurosas.

Neste ponto, com suas dicas de receitas, Cannavaro, Gerrard, van Nistelrooy, Henry, Klose e Podolski podem ser mais perigosos para o McDonald's do que para os goleiros dos adversários em campo.

swissinfo, Jean-Michel Berthoud

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Voluntários da guerra contra Franco são reabilitados

A Câmara de Deputados (da Suíça) aprovou nesta terça-feira (2/12), por 123 votos a 23, a reabilitação dos 800 suíços que foram condenados pelo combate ao fascismo na Espanha. O projeto de lei ainda precisa passar pelo Senado.

Historiadores e grupos que defendem a reabilitação saúdam a decisão, com a qual o governo suíço começa a saldar uma dívida com os que defenderam uma república democraticamente legitimada.

"A anulação coletiva das condenações é um procedimento muito sensível porque só atinge as pessoas que, na ocasião, foram afetadas por essas sanções. A reabilitação geral e abstrata é uma medida suficiente para os descendentes porque sabem agora que estão suprimidas as condenações", declarou à swissinfo Ralph Hug, da associação dos voluntários suíços que combateram o regime de Franco na Guerra Civil Espanhola (IG Spanienfreiwillige).

Fundada há dois anos em Zurique, a entidade ficou satisfeita com o processo de reabilitação, embora tivesse esperado que o Estado fosse mais longe e contribuísse mais com a conscientização histórica, um aspecto não contemplado pelo projeto de lei, que deve ser aprovado também pelo Senado, em março de 2009.

Segundo Hug, biógrafo de Walter Wagner (um dos falecidos "combatentes suíços na Espanha"), a aprovação da lei de reabilitação seria um "grande alívio" para os descendentes. Significaria tirar de seus ombros "o peso das discriminações e desvantagens sofridas pelos combatentes depois da condenação e durante a Guerra Fria".

Uma reabilitação tardia

A reabilitação dos brigadistas suíços chega tarde, diz Hug. "A Suíça tem uma posição singular no contexto internacional, já que a reabilitação ou anistia chegou muito antes em outros países, em alguns casos inclusive pouco depois do regresso dos brigadistas. Neste sentido, a Suíça teve durante décadas uma grande dívida."

Esta opinião é compartilhada pelo historiador e especialista Mauro Cerutti, da Universidade de Genebra. "Muitos dos milicianos das Brigadas Internacionais foram exilados de ditaduras, em particular, antifascistas alemães e italianos. Sua situação era muito distinta porque foi gente que se exilou de sistemas ditatoriais", explica.

"Na Suíça, porém, reinava a democracia. E, apesar disso, os voluntários suíços foram perseguidos severamente pelo Estado democrático. É bom, portanto, que a democracia suíça salde por fim suas dívidas e reabilite seus voluntários."

Cerutti diz que a demora desse reconhecimento sempre o chocou muito. "A Suíça, apesar de ser um estado democrático, perseguiu e condenou esses voluntários da maneira mais sistemática e severa."

Gesto valioso

O apoio do governo à iniciativa parlamentar se deveu, em grande parte, à insistência do deputado social-democrata e sindicalista Paul Rechsteiner.

Para Mauro Cerutti, "a reabilitação é puramente simbólica. Houve mais de 400 voluntários que foram condenados pela Justiça militar. E a metade também foi privada de seus direitos cívicos. Já não é mais possível desfazer isso. Não houve indenizações", explica.

"Com esta reabilitação se reconhece que o combate dos voluntários suíços teve seu valor, porque lutaram contra a ameaça do fascismo, que, de certo modo, também afetava a Suíça. Tratava-se de ajudar um regime legitimamente instituído, eleito pelo povo espanhol."

As investigações históricas demonstraram que, apesar de as brigadas terem sido organizadas principalmente pelo Partido Comunista e pelo Comintern (Internacional Comunista), os voluntários foram à Espanha por decisão própria e por motivos pessoais, adverte Cerutti. "É verdade que houve desempregados entre os voluntários. Não obstante, uma decisão tão dura requeria um ato de valentia", acrescenta.

Os limites da reabilitação

A reabilitação prevista no projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados refere-se apenas aos combatentes que lutaram na frente republicana; não inclui os suíços que lutaram na Resistência Francesa.

"Houve atos de grande valentia por parte dos combatentes das forças francesas livres de De Gaulle", observa Cerutti. "Em minha opinião, há certo paralelismo. Portanto, se poderia muito bem estender a reabilitação aos suíços implicados com a Resistência Francesa. Não vejo razão alguma para fazer uma distinção."

Proporcionalmente, a suíça teve uma das participações mais importantes na Guerra Civil Espanhola. "É o momento de reconhecer o valor deste gesto, que décadas atrás foi negado e castigado. Estou muito contente, apesar de se tratar apenas de um reconhecimento moral e simbólico", afirma o historiador.

"Espanha e o passado ditatorial"

A rememoração da história recente é uma tarefa que cabe tanto à sociedade civil quanto ao Estado. Nos últimos tempos, multiplicaram-se os esforços para a recuperação da memória por parte de associações civis. Os descentes e parentes dos brigadistas suíços acompanham com muita atenção o atual debate na Espanha sobre a exumação das vítimas do franquismo enterradas em valas comuns.

Segundo Ralph Hug, é um processo com o qual Espanha precisa se confrontar "também no sentido da rememoração histórica do passado ditatorial". Ele classifica de corajosas as iniciativas tomadas pelas associações civis em prol da memória histórica, às vezes, inclusive contra a vontade das autoridades judiciais.

Hug diz que o Estado espanhol já não se pode ao luxo de silenciar o passado e sim que tem de dar passos concretos para recuperação da memória. E conclui: "Cremos que se trata de um processo irrevogável, apesar do atual debate sobre a competência dos tribunais. É uma questão que a Espanha em todo caso terá que solucionar."

swissinfo, Antonio Suárez Varela

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Tribunal suíço faz graves acusações à Fifa


O Tribunal Penal do cantão (estado) de Zug, na Suíça, publicou detalhes da sentença proferida em julho passado sobre o caso de corrupção envolvendo a ISL, em que os juízes fazem sérias acusações contra a Fifa.

O documento de 179 páginas comprova que, através de empresas, fundações e "caixas dois" do conglomerado ISL/ISMM, foram pagos subornos no valor de 138 milhões de francos (US$ 115 milhões) a altos dirigentes esportivos.

Seis executivos do grupo ISL/ISMM, ex-número 1 do marketing esportivo mundial, foram levados ao banco dos réus no julgamento iniciado em Zug no começo deste ano. Três deles foram inocentados. Os outros três – incluindo o "homem do cofre" Jean-Marie Weber – levaram multas.

Além dos 138 milhões transferidos às contas de cartolas em todo o mundo, ainda estavam previstos mais 18 milhões de francos para propinas, mas este dinheiro acabou sendo bloqueado por ocasião da falência da firma em 2001.

Inicialmente, em 2001, a Fifa havia dado queixa contra a ISL/ISMM, supostamente por causa de um pagamento antecipado de 60 milhões de dólares feito pela TV Globo por direitos de transmissão da Copa de 2002, que a ISMM teria desviado para uma conta "secreta" em Liechtenstein, fora do controle da Fifa. Em 2004, surpreendentemente, a Fifa declarou não ter mais interesse em um processo penal. "Isso nunca foi justificado", lê-se na sentença do tribunal.

Argumentação "confusa"

O texto da sentença agora acusa a Fifa de ter tido um "comportamento enganoso, que, em parte, dificultou a investigação". A cooperação da entidade máxima do futebol com o juiz encarregado do caso "nem sempre ocorreu em conformidade com o melhor entender nem foi baseada no princípio da fidelidade e credibilidade".

Segundo a sentença citada por vários jornais, na terça-feira (25/11), a Fifa teria "silenciado" sobre conhecimentos internos e usado deliberadamente uma argumentação "confusa". Por isso, a entidade foi obrigada a pagar uma parte dos custos de investigação.

Durante o processo, advogados dos acusados chegaram a fazer graves denúncias de cumplicidade. Por exemplo, dois presidentes da Fifa, Joseph Blatter e seu antecessor, o brasileiro João Havelange, teriam exigido a permanência do "homem do cofre" Jean-Marie Weber no comando da ISL. Do contrário, não seriam mais firmados contratos com a agência.

Desta forma, os pagamentos teriam obtido o status de "acordos formais obrigatórios". Na linguagem oficial, os pagamentos de subornos eram chamados de "custos de compra de direitos". O sistema de fraude teria sido instalado com ajuda de autoridades fiscais suíças e renomados escritórios de advocacia, conforme documenta a sentença.

Isso foi facilitado pelo fato de o suborno de pessoas físicas (este é o status dos cartolas do esporte), pela lei Suíça da época, no período de 1989 a 2001, não era crime. Para poder declarar os contratos bilionários da ISL com a Fifa, o COI, a Uefa, Fina, Fiba, ATP, FIAA, entre outras, como "contrários aos bons costumes", era necessário haver contratos entre corruptores e corrompidos.

O "homem do cofre"

Jean-Marie Weber, que ainda trabalha para a Federação Internacional de Atletismo (FIAA), a Federação Africana de Futebol e tinha credenciamento do COI para os Jogos Olímpicos de Pequim, conhece os nomes de todos os que receberam dinheiro da ISL. Numa entrevista, ele disse que levará esses nomes para o túmulo.

A sentença resume as informações escritas e orais sobre práticas de corrupção de quatro dos seis acusados. Através dessas informações e do texto de acusação da Promotoria Pública de Zug, é descrito um sistema pelo qual a ISL dominou o esporte mundial durante 20 anos.

Segundo o jornal suíço NZZ, embora a maioria dos "beneficiados" mencionados na documentação do processo continue nos seus cargos – como, por exemplo, os membros do Comitê Executivo da Fifa Nicolas Leóz (Paraguai) e Ricardo Teixeira (Brasil) –, nenhuma entidade esportiva tomou iniciativas de esclarecimento.

O processo envolvendo a ISL ainda não está completamente concluído. Duas investigações ainda estão em curso para descobrir o paradeiro de mais receptores de propinas. Além disso, ainda não esclarecido se a Fifa pagou ou não 2,5 milhões de francos a Jean-Marie Weber para fechar um assim chamado "acordo para ocultar a corrupção".

swissinfo com agências