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quarta-feira, 17 de abril de 2019

PERIGO! A ÁGUA BRASILEIRA ESTÁ ENVENENADA.



Por Ana Aranha, Luana Rocha, Agência Pública/Repórter Brasil. 

São Paulo, Rio de Janeiro e outras 1.300 cidades acharam agrotóxicos na rede de abastecimento. Dados do Ministério da Saúde revelam que a água do brasileiro está contaminada com substâncias que podem causar doenças graves


Um coquetel que mistura diferentes agrotóxicos foi encontrado na água de 1 em cada 4 cidades do Brasil entre 2014 e 2017. Nesse período, as empresas de abastecimento de 1.396 municípios detectaram todos os 27 pesticidas que são obrigados por lei a testar. Desses, 16 são classificados pela Anvisa como extremamente ou altamente tóxicos e 11 estão associados ao desenvolvimento de doenças crônicas como câncer, malformação fetal, disfunções hormonais e reprodutivas. Entre os locais com contaminação múltipla estão as capitais São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Manaus, Curitiba, Porto Alegre, Campo Grande, Cuiabá, Florianópolis e Palmas.

Os dados são do Ministério da Saúde e foram obtidos e tratados em investigação conjunta da Repórter Brasil, Agência Pública e a organização suíça Public Eye. As informações são parte do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), que reúne os resultados de testes feitos pelas empresas de abastecimento.

Os números revelam que a contaminação da água está aumentando a passos largos e constantes. Em 2014, 75% dos testes detectaram agrotóxicos. Subiu para 84% em 2015 e foi para 88% em 2016, chegando a 92% em 2017. Nesse ritmo, em alguns anos, pode ficar difícil encontrar água sem agrotóxico nas torneiras do país.

Embora se trate de informação pública, os testes não são divulgados de forma compreensível para a população, deixando os brasileiros no escuro sobre os riscos que correm ao beber um copo d’água. Em um esforço conjunto, a Repórter Brasil, a Agência Pública e a organização suíça Public Eye fizeram um mapa interativo com os agrotóxicos encontrados em cada cidade. O mapa revela ainda quais estão acima do limite de segurança de acordo com a lei do Brasil e pela regulação europeia, onde fica a Public Eye.

Saiba o nível de contaminação da sua cidade clicando na imagem abaixo.




O retrato nacional da contaminação da água gerou alarde entre profissionais da saúde. “A situação é extremamente preocupante e certamente configura riscos e impactos à saúde da população”, afirma a toxicologista e médica do trabalho Virginia Dapper. O tom foi o mesmo na reação da pesquisadora em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Pernambuco, Aline Gurgel: “dados alarmantes, representam sério risco para a saúde humana”.

Entre os agrotóxicos encontrados em mais de 80% dos testes, há cinco classificados como “prováveis cancerígenos” pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos e seis apontados pela União Europeia como causadores de disfunções endócrinas, o que gera diversos problemas à saúde, como a puberdade precoce. Do total de 27 pesticidas na água dos brasileiros, 21 estão proibidos na União Europeia devido aos riscos que oferecem à saúde e ao meio ambiente.

A falta de monitoramento também é um problema grave. Dos 5.570 municípios brasileiros, 2.931 não realizaram testes na sua água entre 2014 e 2017.
Coquetel tóxico

A mistura entre os diversas químicos foi um dos pontos que mais gerou preocupação entre os especialistas ouvidos. O perigo é que a combinação de substâncias multiplique ou até mesmo gere novos efeitos. Essas reações já foram demonstradas em testes, afirma a química Cassiana Montagner. “Mesmo que um agrotóxico não tenha efeito sobre a saúde humana, ele pode ter quando mistura com outra substância”, explica Montagner, que pesquisa a contaminação da água no Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), de São Paulo. “A mistura é uma das nossas principais preocupações com os agrotóxicos na água”.

Os paulistas foram os que mais beberam esse coquetel nos últimos anos. O estado foi recordista em número de municípios onde todos os 27 agrotóxicos estavam na água. São mais de 500 cidades, incluindo a grande São Paulo – Guarulhos, São Bernardo do Campo, Santo André e Osasco – além da própria capital. E algumas das mais populosas, como Campinas, São José dos Campos, Ribeirão Preto e Sorocaba. O Paraná foi o segundo colocado, com coquetel presente em 326 cidades, seguido por Santa Catarina e Tocantins.



Os especialistas falam muito sobre a “invisibilidade” do efeito coquetel. As políticas públicas não monitoram a interação entre as substâncias porque os estudos que embasam essas políticas não apontam os riscos desse fenômeno. “Os agentes químicos são avaliados isoladamente, em laboratório, e ignoram os efeitos das misturas que ocorrem na vida real”, diz a médica e toxicologista Dapper.

Por isso, ela lamenta, as pessoas que já estão desenvolvendo doenças em decorrência dessa múltipla contaminação provavelmente nunca saberão a origem da sua enfermidade. Nem os seus médicos.

Questionado sobre quais medidas estão sendo tomadas, o Ministério da Saúde enviou respostas por email reforçando que “a exposição aos agrotóxicos é considerada grave problema de saúde pública” e listando efeitos nocivos que podem gerar “puberdade precoce, aleitamento alterado, diminuição da fertilidade feminina e na qualidade do sêmen; além de alergias, distúrbios gastrintestinais, respiratórios, endócrinos, neurológicos e neoplasias” (Leia a íntegra das respostas do Ministério da Saúde).

A resposta, porém, ressalta que ações de controle e prevenção só podem ser tomadas quando o resultado do teste ultrapassa o máximo permitido em lei. E aí está o problema: o Brasil não tem um limite fixado para regular a mistura de substâncias.

Essa é uma das reivindicações dos grupos que pedem uma regulação mais rígida para os agrotóxicos. “É um absurdo esse problema ficar invisível no monitoramento da água e não haver ações para controlá-lo”, afirma Leonardo Melgarejo, engenheiro de produção e membro da Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e Pela Vida “Se detectar diversos agrotóxicos, mas cada um abaixo do seu limite individual, a água será considerada potável no Brasil. Mas a mesma água seria proibida na França”.

Ele se refere à regra da União Europeia que busca restringir a mistura de substâncias: o máximo permitido é de 0,5 microgramas em cada litro de água – somando todos os agrotóxicos encontrados. No Brasil, há apenas limites individuais. Assim, somando todos os limites permitidos para cada um dos agrotóxicos monitorados, a mistura de substâncias na nossa água pode chegar a 1.353 microgramas por litro sem soar nenhum alarme. O valor equivale a 2.706 vezes o limite europeu.

O risco das pequenas quantidades

Mesmo quando se olha a contaminação de cada agrotóxico isoladamente, o quadro preocupa. Dos 27 agrotóxicos monitorados, 20 são listados como altamente perigosos pela Pesticide Action Network, grupo que reúne centenas de organizações não governamentais que trabalham para monitorar os efeitos dos agrotóxicos.

Mas, aos olhos da lei brasileira, o problema é pequeno. Apenas 0,3% de todos os casos detectados de 2014 a 2017 ultrapassaram o nível considerado seguro para cada substância. Mesmo considerando os casos em que se monitora dez agrotóxicos proibidos no Brasil, são poucas as situações em que a presença deles na água soa o alarme.

E esse é o segundo alerta feito por parte dos pesquisadores: os limites individuais seriam permissivos. “Essa legislação está há mais de 10 anos sem revisão, é muito atraso do ponto de vista científico” afirma a química Montagner. “É como usar uma TV antiga, pequena e preto e branco, quando você pode ter acesso a uma HD de alta definição”.

Ela se refere a pesquisas mais recentes sobre os riscos do consumo frequente e em quantidades menores, um tipo de contaminação que não gera reações imediatas. “Talvez certo agrotóxico na água não leve 15% da cidade para o hospital no mesmo dia. Mas o consumo contínuo gera efeitos crônicos ainda mais graves, como câncer, problemas na tireoide, hormonal ou neurológico”, alerta Montagner. “Já temos evidências científicas, mas a água contaminada continua sendo considerada como potável porque não se olha as quantidades menores”, afirma.



Em resposta a essa crítica, um grupo de trabalho foi criado pelo Ministério da Saúde para rever os limites da contaminação. “Estamos fazendo um trabalho criterioso”, afirma Ellen Pritsch, engenheira química e representante da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental no grupo. Segundo ela, pesquisas internacionais e regulações de outros países estão sendo levados em conta. Criado em 2014, a previsão é que os trabalhos sejam concluídos em setembro.

Pelo menos 144 cidades detectaram o mesmo pesticida de modo contínuo durante os quatro anos de medições seguidos, segundo os dados. Mais uma vez, São Paulo é o recordista desse fenômeno de intoxicação. Especialistas ouvidos pela reportagem apontam o uso de pesticidas na produção de cana de açúcar como a provável origem para a larga contaminação do estado. “A cultura da cana é a que tem mais herbicidas registrados. Como São Paulo é um dos maiores produtores de cana, isso justifica sua presença elevada [de pesticidas na água]”, afirma Kassio Mendes, coordenador do comitê de qualidade ambiental da Sociedade Brasileira da Ciência das Plantas Daninhas.

O diuron, um dos principais herbicidas usados pelo setor, foi detectado em todos os testes feitos na água dos mananciais das regiões onde mais se cultiva cana no estado, segundo dados de 2017 da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). A substância é uma das apontadas como provável cancerígena pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos.



De quem é a responsabilidade?

Depois de contaminada, são poucos os tratamentos disponíveis para tirar o agrotóxico da água. “Alguns filtros são capazes de tirar alguns tipos de agrotóxicos, mas não há um que dê conta de todos esses”, afirma Melgarejo. “A água mineral vem de outras fontes, mas que são alimentadas pela água que corre na superfície, então eventualmente também serão contaminadas”.

O trabalho preventivo, ou seja, evitar que os agrotóxicos cheguem aos mananciais, deveria ser primordial, afirma Rubia Kuno, gerente da divisão de toxicologia humana e saúde ambiental da Cetesb. “O esforço deve ser na prevenção porque o sistema de tratamento convencional não é capaz de remover os agrotóxicos da água”, afirma.

É grande o debate sobre a complexidade em se enfrentar o problema, mas é difícil encontrar quem está assumindo a responsabilidade.

A reportagem procurou as secretarias do Meio Ambiente, Agricultura e Saúde e Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) para entender quais ações são tomadas no estado com o maior índice de contaminação. As respostas foram dadas pela Sabesp e pela assessoria do meio ambiente com informações técnicas sobre o monitoramento. Nem as secretarias nem a empresa esclareceram o que está sendo feito para controlar ou prevenir o problema. (Leia a íntegra das respostas da Sabesp e da Secretaria do Meio Ambiente)



O Ministério da Saúde diz que a vigilância sanitária dos municípios e dos estados deve dar o alerta aos prestadores de serviços de abastecimento de água para que tomem as providências de melhoria no tratamento da água. “Caso os dados demonstrem que o problema ocorre de forma sistemática, é preciso buscar soluções a partir da articulação com os demais setores envolvidos, como órgãos de meio ambiente, prestadores de serviço e produtores rurais”, diz a nota enviada pelo órgão.

Questionado sobre quais ações estão sendo tomadas, o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), que representa os produtores de agrotóxicos, fez uma defesa sobre a segurança dos pesticidas. Em nota, o grupo afirma que a avaliação feita pela Anvisa, Ibama e Ministério da Agricultura garante que eles são seguros ao trabalhador, população rural e ao meio ambiente “sempre que utilizados de acordo com as recomendações técnicas aprovadas e indicadas em suas embalagens”.

O sindicato afirma que a aplicação correta dos produtos no campo é um desafio e atribui a responsabilidade aos trabalhadores que aplicam os pesticidas. “O setor de defensivos agrícolas realiza iniciativas para garantir a aplicação correta de seus produtos, uma vez que alguns problemas estruturais da agricultura como a falta do hábito da leitura de rótulo e bula e analfabetismo no campo trazem um desafio adicional de cumprimento às recomendações de uso”.



Ao contrário do que ocorre em outros países, no Brasil as empresas que produzem agrotóxicos não se envolvem com o monitoramento da água, que é custeado pelos cofres públicos e pelas empresas de abastecimento.

Em Santa Catarina, que está entre os três estados com maior contaminação, o Ministério Público Estadual chamou a responsabilidade de prefeituras, secretarias estaduais, concessionárias de água, agências reguladoras e sindicatos de produtores e trabalhadores rurais. A iniciativa partiu dos resultados de um estudo inédito que encontrou agrotóxicos na água de 22 municípios. “Alertamos todos os órgãos públicos e privados envolvidos para buscar soluções, é preciso aplicar medidas corretivas para diminuir os riscos dos cidadãos”, diz a promotora Greicia Malheiros, responsável pela investigação. A iniciativa teve início em março desse ano e ainda não tem resultados.

Mais do que remediar a contaminação da água, a coordenadora técnica do estudo, a engenheira química Sonia Corina Hess, defende a proibição do uso dos pesticidas que oferecem maior risco. Das substâncias encontradas em seu estudo no estado catarinense, sete estão proibidas na União Europeia por oferecer risco à saúde humana. “Tem que proibir o que é proibido lá fora, tem que proibir o que é perigoso. Se faz mal para eles porque no Brasil é permitido?”, questiona.
Perigoso na Europa, permitido no Brasil

O controle da água feito pelo Brasil também está distante dos parâmetros da União Europeia. Com o objetivo de eliminar a contaminação, o continente fixou a concentração máxima na água em 0,1 micrograma por litro – valor que era o mínimo detectável quando a regulação foi criada.

Para descobrir como a água do Brasil seria avaliada pelo padrão europeu, a organização Public Eye classificou os dados fornecidos pelo Ministério da Saúde segundo o critério daquele continente. Alguns dos agrotóxicos mais perigosos ultrapassaram os limites europeus em mais de 20% dos testes. Entre eles, o glifosato e o mancozebe, ambos associados a doenças crônicas, e o aldicarbe, proibido no Brasil e classificado pela Anvisa como “o agrotóxico mais tóxico registrado no país, entre todos os ingredientes ativos utilizados na agricultura”.

O glifosato é o caso mais revelador sobre as peculiaridades do Brasil na regulação sobre agrotóxicos. Classificado como “provável carcinogênico” pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, órgão da Organização Mundial da Saúde, o pesticida está sendo discutido em todo o mundo. Há milhares de pacientes com câncer processando os fabricantes nos Estados Unidos – e vencendo nos tribunais – além de protestos e petições pedindo a sua proibição na Europa. Não há consenso, entre as agências reguladoras, sobre sua classificação. No Brasil, que oficialmente colocou a substância em revisão desde 2008, o Ministério da Agricultura liberou novos registros para a venda de glifosato no início deste ano. O pesticida passou a ser vendido em novas formas, quantidades e por número maior de fabricantes.

Nos testes com a água do país, a controversa substância foi a que mais ultrapassou a margem de segurança segundo o critério da União Europeia: 23% dos casos acima do limite. Pela lei brasileira, o glifosato foi um dos que menos soou o alarme: apenas 0,02% dos testes ultrapassaram o nosso limite.



“Isso é um escândalo de saúde pública. Nós colocamos o limite alto, lá na estratosfera, e aí comemoramos que temos uma água segura”, questiona a pesquisadora Larissa Bombardi, professora de geografia na Universidade de São Paulo e autora de um atlas que compara a lei brasileira e europeia no controle dos agrotóxicos. Seu estudo revela como nossos limites chegam a ser 5 mil vezes mais altos que os europeus. O caso mais grave é o do glifosato: enquanto na Europa é permitido apenas 0,1 miligramas por litro na água, aqui no Brasil a legislação permite até 500 miligramas por litro.

Como o glifosato é o agrotóxico mais vendido no país, e também o que tem o limite mais generoso para presença na água, Bombardi lança suspeitas sobre os critérios usados: “no caso do glifosato é realmente difícil encontrar justificativa científica, parece ser mais uma decisão política e econômica”. O pesticida foi o mais consumido em 2017 no Brasil com 173 mil toneladas vendidas, segundo o Ibama. O volume corresponde a 22% das estimativas de vendas para esse químico em todo o mundo no mesmo ano – o que faz do Brasil um importante mercado para as fabricantes, entre elas as gigantes Syngenta e a Monsanto – comprada pela Bayer no ano passado.


Limites generosos

A larga diferença entre os limites fixados pela União Europeia e pelo Brasil é um dos principais argumentos dos críticos do uso da substância no Brasil. “Essa diferença só pode se dar por dois motivos. Ou porque nossa sociedade é mais forte, somos seres mais resistentes aos agrotóxicos. Ou mais tola, porque estamos sendo ingênuos quanto aos riscos que corremos”, provoca Melgarejo, da Campanha Contra os Agrotóxicos.

A engenheira química Ellen Pritsch, representante da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental no grupo de trabalho que reavalia os limites dos pesticidas na água, discorda. Para ela, os atuais limites são seguros e foram fixados com embasamento científico. “O critério brasileiro é dez vezes menor do que o efeito que geraria problema. Então, mesmo que seja encontrado um percentual acima esse valor, ainda assim seria menor [estaria abaixo do risco]”, afirma.

Antes de aprovar os registros dos agrotóxicos, as empresas fabricantes entregam estudos com testes feitos com animais em laboratórios. O Sindiveg, sindicato da indústria de fabricantes de pesticidas, defende que esses estudos são o suficiente para avaliar os riscos das substâncias. “São estudos de bioconcentração em peixes e micro-organismo, algas e organismos do solo, abelhas, microcrustáceos, peixes e aves”, afirma nota enviada pelo Sindiveg em resposta às perguntas da reportagem.

A principal reivindicação dos grupos que fazem campanha pelo controle dos agrotóxicos é por mais restrição e até pela proibição de alguns dos pesticidas hoje aprovados no país, como a atrazina, o acefato e o paraquate, que são campeões de venda no Brasil, mas proibidos na União Europeia.

Mas o governo aponta na direção oposta. A responsável pela pasta da agricultura, ex-líder da bancada ruralista Tereza Cristina, foi presidente da comissão especial na Câmara que aprovou, em junho passado, o Projeto de Lei que propõe agilizar a aprovação de novos agrotóxicos no país. Apelidado pelos críticos como o “PL do veneno”, já gerou grande polêmica, sendo criticado em uma carta assinada por mais de 20 grupos da comunidade científica.

Sem previsão de conseguir maioria no Congresso para aprovar o PL, a estratégia parece ter mudado. Desde o início do ano, o Ministério da Agricultura publicou novos registros para 152 agrotóxicos, uma velocidade recorde de 1,5 aprovações por dia. Chamada para esclarecer as liberações em audiência na Câmara na última terça-feira (9), a ministra disse que “não existe liberação geral” e que longos processos de aprovação só atrasam o agronegócio brasileiro. Ela chamou de “desinformação” os estudos que apontam os riscos dessas substâncias e, usando o mesmo argumento do sindicato dos produtores de agrotóxicos, declarou que as intoxicações ocorrem devido ao modo como os trabalhadores aplicam as substâncias. Um dia depois da audiência, o governo aprovou a comercialização de mais 31 agrotóxicos no Brasil.


Esta reportagem faz parte do projeto Por Trás do Alimento, uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para investigar o uso de Agrotóxicos no Brasil. A cobertura completa está no site do projeto.
Fonte da Reportagem: http://desacato.info/

Fonte da Imagem:

domingo, 27 de janeiro de 2019

NOSTALGIA



E eles que jamais passam as fronteiras de tijolos
Para abraçar os campos e encher os pulmões de ar
Sentem ainda o ardor do instinto; sobre as cabeças
Põem suas caixas decrépitas, repletas de plantas,
Regadas com pontual desvelo. Ali o jarro sustém
Um fragmento, acolá a chaleira de bico quebrado;
Tristes provas de como homem enclausurado
Pranteia os campos, da ordem com que inventa
Um furtivo olhar à natureza, quando não mais a tem.


William Cowper, poeta inglês (1731-1800)


Fonte da imagem: https://medium.com/@harrystead17/thoughts-on-the-english-countryside-ecdbcfc3eeb3

sexta-feira, 13 de maio de 2011

CONVITE PARA CHURRASCO DE "GENTE DIFERENCIADA"

 

'Ok, o povo pediu. O churrasco continua', confirmou o organizador do evento

 

O evento "churrasco da gente diferenciada", foi remarcado para a tarde deste sábado(14), às 14h, em frente ao Shopping Higienópolis, após ter sido cancelado durante a quinta feira. Depois de mais de 50 mil pessoas aderirem ao evento, o organizador Danilo Saraiva confirmou o evento em sua página do Facebook: "Ok, o povo pediu. O churrasco continua. Lembrando que a partir deste momento, torna-se publico o evento, sendo responsabilidade de cada um a participacao nele".

O "churrasco da gente diferenciada", marcado para sábado, em frente ao Shopping Pátio Higienópolis para protestar contra o cancelamento da Estação Angélica do Metrô, havia sido cancelado na tarde desta quinta-feira.


Na página do evento no Facebook, o organizador afirma que com o "grande número de adeptos", a decisão foi tomada diante da "preocupação" mostrada pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e Polícia Militar, "uma vez que a Avenida Higienópolis é muito estreita".
  
"Seria quase certo o uso de violência física contra os manifestantes, e arcando com essa possibilidade, não podemos deixar que ninguém saia ferido por conta de uma brincadeira.", acrescenta.

No lugar do churrasco, o organizador informa que será realizado um outro ato, "com intuito de realmente ajudar a população carente que não tem condições nem voz para arcar com as atitudes mesquinhas desses moradores do bairro de Higienópolis que assinaram a petição contra a estação de metrô".

O organizador do evento na rede social ainda informa que os detalhes sobre a nova manifestação serão divulgados no sábado, a partir das 14 horas, na Praça Villaboim, o mesmo lugar onde aconteceria a concentração para o churrasco.

Procurada pela reportagem na manhã de hoje, a direção do shopping não quis comentar o assunto.

A Subprefeitura da Sé, responsável pela área de Higienópolis, afirmou não ter recebido nenhuma informação sobre o churrasco, mas destacou que a população tem direito à livre manifestação do pensamento.

A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) disse que não tinha um planejamento especial para o trânsito na região se o ato se concretizasse, porém ressaltou que possuía "contingente" e estava "preparada para um possível protesto".

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

OPORTUNIDADE DE EMPREGO

Rorschach:

Cidade procura um caçador de tesouros

Rorschach é possivelmente a primeira cidade no mundo a procurar um caçador oficial de tesouros. Essa pessoa terá durante um ano a missão de descobrir e revelar valores e qualidades escondidas dessa pequena cidade às margens do Lago de Constança.

A ressonância de candidatos e na imprensa foi imensa. Com a ação, os iniciadores mostram que é possível, com poucos recursos, lutar contra a estagnação de um espaço urbano.

O enorme crucifixo de cimento está jogado no chão e quase se afundou no gramado do antigo cemitério ao lado da bela Igreja de Kolumban, construída em 800 d.C. "Foram vândalos que derrubaram a estátua do pedestal há alguns anos", explica um voluntário que prepara o altar para os festejos natalinos. Os membros da paróquia decidiram deixá-la nessa posição incomum para fazer parte do que batizaram posteriormente de "Calvário", um caminho com diversas marcações para levar os fiéis à reflexão. Perguntado por que o crucifixo não foi colocado de volta no seu pedestal, ele é tácito. "Não temos força para levantá-lo".

A imagem pode ser vista como um símbolo da situação atual de Rorschach. No seu apogeu, essa pequena cidade ocupando o espaço de apenas 1,78 quilômetros quadrados às margens do Lago de Constança, no extremo norte da Suíça, foi um centro industrial e comercial importante no país, sobretudo pela presença de inúmeras fábricas de produtos têxteis. Porém, elas começaram a fechar suas portas até os anos 1970 e, desde então, o declínio econômico foi marcante.

Os sinais são vistos até hoje pelas ruas de Rorschach. A estação de trem em frente ao porto está fechada há muitos anos para reformas. No seu primeiro andar, as janelas vazias do restaurante mostram que ninguém mais senta nas suas mesas para admirar a bela vista do lago. A situação também não é diferente para vários hotéis e lojas, de portas fechadas, vitrines vazias e letreiros quebrados. Várias casas estão praticamente em ruínas como se vê no reboco caído e nas janelas quebradas.

A justificativa do aspecto relativamente desolador está nos números. Desde 1963, a pequena cidade perdeu 36% da sua população: de 13.420 para 8.703 habitantes. Muitos dos que ficaram não têm poder de compra e até dependem do governo para sobreviver. Rorschach tem uma proporção de 40% de estrangeiros, migrantes de várias gerações, e já apareceu várias vezes nas manchetes de jornais pelos problemas ligados à integração e à violência cometida por pessoas de outras nacionalidades.

A imagem da cidade é tão ruim, que mesmo os habitantes da comuna vizinha, Rorschacherberg, recusaram nas urnas durante o plebiscito de 30 de novembro a proposta de fusão com Rorschach. Justificativa dada pelos jornais locais: eles não querem se juntar com uma comuna pobre, que precisa cobrar impostos mais elevados para cobrir seus custos.

Novos tempos

Porém, os ventos estão soprando em outra direção. Em 19 de novembro, a prefeitura publicou um pequeno anúncio no seu site procurando um "caçador oficial de tesouros". Na descrição do emprego – uma ocupação de quatro horas por semana durante todo o ano de 2009 e dotado com um salário anual de sete mil francos suíços - ela foi original: "O candidato deve investigar e descobrir tesouros esquecidos, enterrados e adormecidos da cidade de Rorschach, para depois registrá-los e publicá-los".

A curiosa idéia despertou o interesse da mídia e colocou a pequena cidade nos noticiários nacionais e até de países vizinhos, como a Alemanha. "Eu não esperava que o anúncio tivesse uma ressonância tão grande", confessa Thomas Müller, prefeito de Rorschach, que também é deputado federal pelo Partido Democrata Cristão (PDC).

Nascido e criado na pequena cidade, ele mesmo admite que durante muitas décadas ela esteve estagnada. Mas, graças à dissolução do parlamento comunal em 2005, o bloqueio político foi removido e a estrutura de decisões modernizada. "Agora, estamos conseguindo realizar as mudanças necessárias para desenvolver a cidade. Eu fui conclamado pela população para assumir essa tarefa", conta sem modéstia.

O interesse pelo posto de caçador de tesouros tem surpreendido os autores da proposta. Até agora, 37 pessoas enviaram seus currículos para a prefeitura de Rorschach. "São pessoas com as profissões mais diversas, como arqueólogo, jornalista, professores, aposentados e outros", conta o secretário comunal Bruno Seelos. Ele também se lembra de alguns casos curiosos. "Uma pessoa ligou e disse que tinha um detector de metais e que estava interessada no posto. Nós tivemos de lhe explicar que os tesouros imaginados por nós são de outra natureza".

Seelos explica que o candidato ideal é uma pessoa comunicativa, cuja principal tarefa será sair às ruas de Rorschach, abordar os cidadãos e descobrir valores e outras qualidades da cidade que não podem ser reconhecidos à primeira vista. Concretamente, o caçador de tesouros irá publicar suas descobertas a cada duas semanas em uma coluna no jornal St-Galler Tagblatt e num blog. "Dessa forma, os habitantes poderão estar sempre descobrindo coisas novas da sua cidade", acrescenta o secretário comunal.

O autor da idéia

O caçador de tesouros de Rorschach será anunciado oficialmente em 11 de dezembro pela prefeitura através de uma coletiva de imprensa. A escolha do candidato será feita pelo sociólogo Mark Riklin, que é o autor original da idéia. Como professor da Faculdade de Ciências Aplicadas de St-Gallen, ele havia organizado em outubro de 2007 uma ação intitulada "Cidade como Palco", no qual 60 estudantes vestidos com roupas de operários vasculharam as ruas de Rorschach (clique AQUI para ver o vídeo). Depois de uma tarde, os jovens listaram 169 tesouros. Um deles, o antigo – mas ainda em utilização – guindaste do porto ganhou até uma placa comemorativa com o número 61.

Três semanas depois da ação, Riklin e seus estudantes entregaram oficialmente ao prefeito da cidade um manifesto intitulado "O Lago é bonito de cheirar", no qual eles conclamavam Rorschach a ser a primeira cidade no mundo a contratar um caçador de tesouros. A proposta não deve ser vista como uma forma de melhorar a imagem da cidade. "Eu nunca diria que Rorschach é um lugar decadente. Pelo contrário, eu acho que essa cidade e qualquer lugar no mundo têm muitos potenciais escondidos. Encontrar tesouros significa que o futuro é possível", justifica o professor. Ele também explica que os tesouros encontrados pelos seus estudantes são apenas sugestões. "Esse trabalho foi feito apenas em uma tarde e sem uma grande participação da população".

A escolha dessa inusitada profissão também tem um aspecto lúdico. "Quem nunca sonhou em encontrar um tesouro? Quando falo em caçador de tesouros, a criança que temos dentro de nós é abordada. Essa imagem tem uma conotação muito positiva para todas as pessoas envolvidas", explica Riklin, que também será o orientador do futuro empregado da cidade.

Ceticismo inicial

Como os políticos locais consideraram a idéia de contratar um caçador de tesouros? A resposta é acompanhada de risos pelo prefeito. "No início, eu a vi com muito ceticismo, mas agora estou adorando. Acho que o principal objetivo é mostrar aos nossos cidadãos o lugar bonito em que eles vivem", diz Thomas Müller. Ele próprio confessa ter algumas sugestões de tesouro, como uma minúscula e escondida capela utilizada por ele e seus amigos na infância para fumar escondido os primeiros cigarros.

Para o prefeito, Rorschach está a caminho de recuperar o seu antigo brilho. Além do caçador de tesouros, ele cita projetos como a construção aprovada nas urnas de três novos prédios residenciais, a instalação de um grande centro de formação profissional da multinacional alemã Würth e diversas reformas realizadas em praças e outros prédios públicos e privados da cidade.

Também em relação às finanças, a época de vacas magras passou, como revela o secretário comunal. "Depois de muitos anos de déficit de caixa e dependência da ajuda do cantão, desde o ano passado foi possível anunciar o primeiro superávit", alegra-se Seelos. Seu otimismo também é reforçado pela perspectiva de bons resultados para o futuro colaborador. "Estou convencido que temos muitos tesouros escondidos na cidade".

swissinfo, Alexander Thoele