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domingo, 4 de junho de 2017

UM RECADO PARA A GURIZADA

Por que a indústria do empreendedorismo de palco irá destruir você.

 Ícaro de Carvalho (www.oindigesto.com)

Palestras bonitas, termos em inglês, pessoal super engajado e microfones do tipo Madonna, muito Power-Point e nenhum negócio real para mostrar…

O empreendedorismo é a nova religião do homem moderno. Materialista e secular, ele substituiu os Santos do seu altar por fotografias de homens bem sucedidos; os seus Evangelhos são livros como “O sonho grande” e “A força do Hábito”. Ele acredita, de alguma maneira, que tudo aquilo irá aproximá-lo do seu objetivo principal: sucesso, fama e dinheiro…de preferência agora!

Quem visita as livrarias com certa regularidade percebeu que, nos últimos anos, a sessão dedicada ao empreendedorismo e aos negócios cresceu de uma maneira violenta. É espantoso: para onde quer que você olhe, eles estão lá. Obras que prometem os códigos da riqueza, os segredos da abundância, os cinco passos para o sucesso e como você aprenderá a pensar como o Steve Jobs.

Não tem como negar: o empreendedorismo veio para ficar e, com ele, o seu fenômeno mais recente: o empreendedor de palco.

Empreender se tornou auto-ajuda.

Se, antigamente, os livros, enormes e com suas setecentas páginas, cuspiam fórmulas, equações e cálculos que te ensinavam a lidar com o fluxo de caixa da sua empresa, hoje eles dizem: “Você irá chegar lá! Acredite, você irá vencer!”. A atividade empresarial foi reduzida à pura e pobre política do incentivo. E o motivo é simples: as pessoas compram o que elas querem ouvir. Geralmente, odiamos a verdade; principalmente quando ela diz que teremos que trabalhar duro e que as chances de vitória são mínimas.

O Brasil é um país que lê pouco. Em uma nação com 230 milhões de habitantes, um livro ser categorizado como best-seller ao vender quinze mil é uma piada. E, vamos ser sinceros? A vida aqui é dura. O governo nos atrapalha, a burocracia nos sufoca, os custos nos aleijam…tornar um negócio lucrativo e perene nesse país é uma proeza digna de um herói. E essa atividade drena cada pedacinho da nossa alma e do nosso ânimo.

É nesse momento que o empreendedor de palco cresce.
 
 
 
 
Geralmente o seu perfil é sempre o mesmo: alinhado e super-motivado, não precisa — necessariamente — de alguma formação universitária. As suas características são: mindset contagiante, energia positiva e proatividade.
Mindset, empoderamento, millennials, networking, coworking, deal, business, dead-line, salesman com perfil hunter…tudo isso faz parte do seu vocabulário. O pacote de livros é sempre idêntico e as experiências são passadas da mesma forma:
Você está a um único centímetro da vitória. Não pare! Se desistir agora, será para sempre. Tome, leia a estratégia do oceano azul. Faça mais uma mentoria, participe de mais uma sessão de coaching. O problema é que o seu mindset não está ajustado. Você precisa ser mais proativo. Vamos fazer mais um powermind? Eu consigo um precinho bacana para você…
O empreendedor de palco torna aquele grupo a sua empresa. Aquele coletivo passa a ser o seu curral e a sua clientela. O seu mercado é a esperança e o seu produto é a sua habilidade de, a cada novo vacilo, insistir que a força de vontade e aquele sentimentalismo barato serão a resposta para você.

Por não possuir, na maioria das vezes, experiências com o mundo real, esse tipo de cara se agrupará com tantos outros, para que seus produtos se tornem complementares. Eis que surgem os grupos de relacionamento, ou também chamados de powerminds. É um lugar onde pessoas com negócios reais vão tomar lições com sujeitos que nunca abriram um CNPJ…

Perceba que não é muito difícil reconhecer o embuste. Ao entrar em algum desses lugares, pegue uma folha de papel e a divida ao meio. Escreva de um lado: “Discurso emocional” e do outro “Discurso prático”. Anote a quantidade de vezes que ele passará conceitos e estatísticas validadas em negócios reais, versus o tempo que gastará falando sobre motivação e como você precisa trabalhar a sua força de vontade.

 
Hum, vamos ver o que eu aprendi hoje: que eu sou lindo, especial, que tudo dará certo e a minha empresa alcançará um enorme sucesso; basta eu adotar os 21 passos da prosperidade, que será vendido no próximo powermind…
E esse é um movimento, ao que me parece, sem volta. Até mesmo as maiores revistas de negócios do país adotaram esse estilo de empreendedorismo compromissado mais com o entretenimento do que com os resultados. Essa massa de gente que chegou até aqui atrás de auto-afirmação, ignorando o trabalho duro e as verdades que você só aprende atrás de um balcão de loja de materiais para construção, acaba moldando a maneira com que as revistas e jornais da área se comunicam. O resultado? Todo tipo de bizarrice.
O resultado de tudo isso é uma indústria que beira a esquizofrenia. Que dissociou completamente a atividade empreendedora dos negócios, da ralação, das contas e das noites mal dormidas. É gente que acha que abrir empresa é o substituto adulto para quando, adolescente, você fazia uma banda. Hoje os encontros para empreendedores mais se parecem com igrejas neo-pentecostais, com gente pulando, gritando, louvando ao Deus Mercado, para que tenham sucesso em suas empreitadas…agora, que empreitadas?

Quase não há negócio.

Eu vou dizer uma coisa para você, depois de oito anos no cenário de business-design, redação publicitária e marketing de conteúdo: de cada dez pessoas que entram por aquela porta, sete são o que eu chamo de “aprendedores compulsivos”. O resultado final é o que menos importa; o que eles querem é ler mais livros, acompanhar mais artigos e estar por dentro do que há de mais novo no cenário. Dois estão ali apenas pelo networking. Fazem dinheiro ligando as pontas, independentemente de qualquer cenário. É o “corretor imobiliário” do empreendedorismo, conhecendo gente que tem necessidade e ligando a outros. Um acabará empreendendo.
Isso é um encontro para empreendedores, chamado Business Mastery, aplicado pelo Tony Robbins. Aqui, o homem moderno demonstra o seu avanço razoável e espiritual sobre as antigas religiões bárbaras do planeta. O dinheiro é o novo Deus.
Desses “aprendedores”, boa parte terá, ao longo de dois ou três anos, memorizado todas essas palavras de incentivo, lido os livros e feito os treinamentos e, sem que tenha feito qualquer negócio, acabará se tornando mais um empreendedor de palco. Faturará com os seus treinamentos milagrosos, que servirão ao seu professor para que diga aos outros: “Estão vendo? Ele venceu! E venceu aqui dentro! Viu como falta muito pouco para que vocês cheguem no topo?!”. E a histeria se instaura.
Pouco a pouco, o modelo ideal de sucesso deixa de ser construir uma boa empresa, que serve aos seus clientes e à sociedade com ótimos produtos e soluções e passa a ser se tornar mais um desses caras, que vendem palestras e enchem congressos com mais e mais auto-ajuda barata. Por que? Porque é muito mais fácil…e, na maioria das vezes, rentável.

Tá. E o que tudo isso tem a ver comigo?

Se você está pensando em abrir um negócio ou entrar de vez na economia digital, oferecendo produtos ou serviços, ou até mesmo utilizar a internet como poder complementar a um negócio físico que você já possua, tome cuidado! Há uma indústria de falsas promessas e de prosperidade barata, que tentará te capturar.
O remédio para tudo isso? Esqueça a ideia de que há um caminho mais fácil. Empreender é difícil e envolve coragem, comprometimento e muitas noites sem dormir; aquela azia constante no estômago e a sensação de que tudo, de uma hora para a outra, irá desabar. E é exatamente isso que, não te matando, te tornará mais forte e pronto para encarar a vida.
Sem choro. Você sabe que livros são importantes, mas a maioria é puro lixo sentimental. Auto-ajuda barata, que só enriquece quem os vende. Você quer saber quais são os 20 passos para a prosperidade? Eu vou te dizer o primeiro: trabalhe duro. Entre uma xícara de café e outra, você irá aprendendo os outros 19.
Quando o assunto são negócios, prefira sempre a sabedoria do filósofo e Guru Rocky Balboa. E trabalhe. O sucesso vem bem depois, quando você estiver quase desistindo.
Um pouco da boa e velha sabedoria de antigamente, para destruir o mundo de faz de contas dos jovens empreendedores bacanas da Vila Olímpia de hoje em dia:
 
https://youtu.be/xW1HA1Rp8ms
P.S: Quando esse texto foi criado, ele se utilizou da expressão “mastermind”. Era do meu desconhecimento que, no Brasil, tal expressão era uma patente constituída. Por conta disso, substituí o termo por um equivalente e me retrato quanto às turbações causadas ao titular do termo.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

O cinismo nosso de cada dia

Obra de Hieronymus Bosch


“Não vos conformai com o século presente, mas sede transformados pela renovação de vosso pensamento” (Romanos, 12:2)

Gilson Iannini *

 
1 O que pode estar errado com isso?

— A riqueza das oitenta e cinco pessoas mais ricas do mundo equivale à dos três bilhões e meio mais pobres.

— É fantástico. E é uma coisa ótima, porque inspira a todos, dá motivação para olhar para os 1% e dizer “eu quero ser uma dessas pessoas, eu vou lutar muito para chegar ao topo”. [...] O que pode estar errado com isso?

— Sério?

— Sim, sério. Eu celebro o capitalismo.

— Então, alguém que ganha um dólar por dia na África acorda de manhã e diz “eu vou ser Bill Gates”?

— É essa a motivação que todos precisam.

— A única coisa entre eu e essa pessoa é “motivação” [...].

— Eu não sou contra caridade. Veja, não me diga que você quer redistribuir riqueza outra vez. Isso nunca vai acontecer.

Esse diálogo, infelizmente, não é ficcional. Ocorreu entre a repórter Amanda Lang e o investidor Kevin O’Leary, a respeito de um relatório que mostrava que as oitenta e cinco pessoas mais ricas do mundo detêm a mesma riqueza que os três bilhões e meio de pessoas mais pobres. Isso mesmo, oitenta e cinco pessoas, que poderiam caber confortavelmente num jantar entre amigos num apartamento de cobertura, possuem o equivalente do que os três bilhões e meio de pessoas, contingente que ocuparia quase a totalidade do território da Ásia. Isso corresponde a dizer que a chance de alguém realizar essa “promessa inspiradora” é de bem menos do que 1%. Na verdade, é algo em torno de uma chance a cada quarenta e quatro milhões de pessoas. Como se uma pessoa num país do tamanho da Espanha pudesse ser extremamente rica, e todas as demais extremamente pobres. O que pode estar errado com isso?

Além disso, segundo o relatório, nos últimos vinte e cinco anos, houve um fenômeno mundial de concentração de renda. “Esse fenômeno global levou a uma situação na qual 1% das famílias do mundo são donas de quase metade (46%) da riqueza do mundo”, concluiu o documento do PNUD. Mas o que nos espanta nesse diálogo surreal é, justamente, o entusiasmo com que o investidor comenta o relatório. Para ele, são notícias fantásticas, inspiradoras, que deveriam motivar os mais pobres a trabalhar duro! A rigor, O’Leary disse apenas uma verdade grotesca, e disse sem véus, sem dissimular nada. Como um bufão. Retirou o verniz de cinismo necessário que, no dia a dia, encobre essa verdade acerca do modo de funcionamento do capitalismo. Quando retirado esse verniz, quando expostas as vísceras, sentimos apenas repulsa. Pois sabemos que o máximo que é permitido segundo essa lógica é que alguém (um em quarenta milhões) consiga furar o bloqueio e entrar para o seleto grupo dos podres de ricos. Mas mudar algo no próprio funcionamento do negócio, isso não, isso nunca vai acontecer. A história acabou, temos que aceitar os fatos. Redistribuir riqueza? Não, eu celebro o capitalismo. O diálogo termina assim:

— Nós estamos falando de pessoas que estão em abjeta extrema pobreza [...].

— Não, não estamos. Estamos falando de pessoas realmente ricas.

Para o investidor, os pobres não existem sequer como fatos de discurso. Não existem nem ao menos simbolicamente. Não por acaso, é plenamente possível saber de cor os nomes dos oitenta e cinco endinheirados, ao passo que os três bilhões e meio são, necessariamente, sem-nome. O máximo que podemos fazer é alguma caridade e contar-lhes histórias inspiradoras.

2 Histórias inspiradoras

Nas antípodas desse cinismo grotesco, o professor de ética prática Peter Singer, em sua palestra “O porquê e o como do altruísmo eficaz” convida-nos a nos valermos de nossa razão a fim de perspectivar o sofrimento do outro e nos engajarmos no que ele chama de “altruísmo eficaz”. Mobilizando nosso altruísmo e compaixão, podemos ajudar, por exemplo, crianças pobres dos países pobres. No entanto, apesar de estarem em extremos opostos quanto ao significado da pobreza e nossa tarefa diante dela, as duas perspectivas, ironicamente, se tocam num ponto: a naturalização da própria lógica que fundamenta tal estado de coisas. O melhor exemplo disso é o conselho de que estudantes desistam da carreira acadêmica e se tornem banqueiros ou trabalhem no mercado financeiro, porque quanto mais rico o indivíduo for, mais caridade poderá fazer. O que esse inspirador exemplo nos mostra é a total cegueira, senão a total impossibilidade de pensar fora da lógica que, justamente, resulta no estado de coisas que pretende remendar. Pois é justamente essa lógica financeira que resulta necessariamente na produção da miséria. Contudo, a má consciência pode dormir tranquila: depois de doar o excedente inútil, a consciência deita no travesseiro reconciliada consigo mesma. Esse é o altruísmo mais efetivo do mundo: reconcilia a consciência narcísica consigo mesma. Minha forma de vida, meu conceito de razão aprofundam a miséria social. Mas não há problema algum, pois minha moral me lembra de doar o excedente, ou até mesmo um tanto mais do que o excedente. No fundo, a lógica que inspira esse pensamento não é ainda pensamento, mas apenas justificação conceitual de uma forma de vida historicamente determinada. Uma forma de vida cuja lógica produz miséria e exporta pobreza. Nesse sentido, o altruísmo eficaz é um exemplo perfeito de um pensamento afásico e, no limite, conivente. Um pensamento piedoso e benevolente, i.e., culpado. Incapaz de interrogar seus próprios pressupostos, naturaliza formas de vida contingentes; impossibilitado de interrogar o próprio conceito central, o conceito de razão, naturaliza a razão instrumental calcada no individualismo, sem se dar conta de que é essa própria razão que é responsável pelo crime que sua consciência infeliz tenta expiar através da caridade. Em termos lacanianos, tal perspectiva solda o real à realidade.

Não restam dúvidas de que ações altruístas como essas devem ser aplaudidas e incentivadas. Mas elas pertencem ao domínio da ética. Não são ainda políticas. Não são ainda capazes de engendrar políticas públicas para fazer face àquele estado de coisas. Remendar os efeitos insuportáveis da desigualdade seria tarefa dos indivíduos, não do Estado ou da sociedade. Quando a moral serve para tampar o furo da política perdemos a capacidade de pensar, capitulamos diante do peso do já existente. Incapaz de interrogar sua própria ideia de razão, a filosofia se torna religião. Ou seu nome no mercado das palestras: motivação. Diante do conselho de Singer não há como não lembrar Brecht: o que significa roubar um banco, comparado a fundar um?

3 Fúria e economia

Certa feita, a filósofa Hannah Arendt escreveu: “A fúria não é de modo nenhum uma reação automática diante da miséria e do sofrimento em si mesmos; ninguém se enfurece com uma doença incurável ou um tremor de terra, ou com condições sociais que pareçam impossíveis de modificar. A fúria irrompe somente quando há boas razões para crer que tais condições poderiam ser mudadas e não o são”. Por essas razões, o maior desafio do sistema capitalista global é justamente o de naturalizar a crença de que é impossível modificar nosso sistema social, é nos fazer crer na naturalidade de nossas relações sociais. A única maneira de evitar a revolta dos segregados é envolvê-los nessa crença da inexorabilidade das condições sociais e econômicas. Para funcionar bem, a máquina precisa encobrir suas engrenagens. O véu cínico é absolutamente necessário para gerir os afetos sociais. A democracia liberal funciona como um desses sete véus. Histórias pessoais de sucesso, do tipo “comecei do zero e cheguei ao topo”, servem como um cimento imaginário que esconde as fraturas. O problema é que inclusão social massiva, quando ocorre, sugere que a doença não é tão incurável assim.

Mas como funciona essa inculcação sistemática da crença de que o estágio atual do capitalismo é um fato fechado em si mesmo e que a sociedade e a história devem se curvar a isso? As estratégias são muitas: a própria reprodução material de uma forma de vida esculpida para esses fins, com seus sonhos de consumo, de sucesso individual, de aquisição de bens. Tais desejos são esquematizados na indústria cultural do sucesso, incluindo aí o culto à personalidade, impregnado na verdadeira religião das celebridades, suas ilhas caras e suas carreiras. Contudo, uma das estratégias mais eficazes raramente é lembrada: trata-se da naturalização da linguagem econômica.

Acostumamo-nos a medir a política pela economia. Fomos habituados a escutar e falar em economês: “o Mercado está apreensivo com as eleições”. Bingo. Quem é o mercado? Alguém já fez essa simples questão? Essa entidade metafísica pós-moderna a que chamamos de mercado parece ser um vetor de humores extremamente voláteis: falamos em temor, apreensão, confiança, pessimismo, credibilidade, etc. Uma certa economia, e mais ainda o jornalismo econômico, é, na verdade, o prolongamento de uma psicologia mal fundada (com suas teorias dos jogos, da escolha racional etc.), que não consegue esconder seu viés ideológico debaixo da camada científica de modelos matemáticos e de estatísticas. O mercado, essa entidade metafísica, nem é tão metafísico assim: metade de seu capital pertence a pouco mais de algumas dúzias de investidores e seus grupos, todos de carne e osso, com fotos sorridentes nas listas da Forbes. Parte do jornalismo é, no melhor dos casos, um psico-economês pseudo-científico.

Em nosso jornalismo, não há lugar para a política. De um lado, a política é reduzida à economia. De outro lado, é judicializado, transformado numa novela, com seus maniqueísmos grotescos, seus mocinhos e bandidos, como mostrou Ivana Bentes recentemente. O paradigma dos programas de polícia vigora no noticiário político. Nos dois casos, estamos diante de uma espécie de corrupção da política pela antipolítica.

Há alguns meses, um programa televisivo resolveu debater um tema importante, a polarização do debate “esquerda x direita” na política nacional. Para falar de “esquerda x direita”, W. Waack escalou L.F. Pondé, B. Lamounier e R. Azevedo! O equivalente de assistir a um Fla-Flu em que o juiz, o narrador e o comentarista estão todos de um lado só. Entre outras pérolas, eles diziam que não havia nada como uma “guinada direitista da midia”. Ao contrário, completavam, “a midia é toda de esquerda”! Só se esqueceram de olhar para si mesmos: a própria forma do programa comprovava o inverso do que eles diziam. Tecnicamente, isso se chama “contradição performativa” – ou seja, quando minha forma de dizer prova o contrário do que digo.

O resultado disso é que a média da população brasileira, inclusive aquela que se orgulha de seu bom nível de escolaridade, simplesmente desconhece que existe pensamento político de esquerda. E que existe um pensamento sofisticado, posterior à queda do muro de Berlim. Um pensamento que embasa políticas sociais em vários países democráticos ou que serve de contraponto ao discurso hegemônico das democracias liberais como realização máxima da justiça possível. Não por acaso, qualquer “crítica ao capitalismo” é rapidamente sugada para o buraco negro dos exemplos de fracasso de ditaduras comunistas: “vai pra Cuba”, “bom é na Coréia do Norte”, ouvimos recentemente nas patéticas manifestações contra os resultados das eleições brasileiras. Como escutamos de alguns sábios jornalistas, gestores do medo e do ódio: “estão querendo implantar uma espécie de bolivarianismo tropical!”.

Uma nova política necessariamente passa pela distinção entre ato e potência, como bem mostra Agamben. Nenhuma forma de justiça efetivamente existente no presente ou já experimentada no passado pode nos dar a figura de uma sociedade justa. Ideais normativos de justiça já realizados não podem ser tomados como critérios definitivos de validade de um pensamento político renovador, pois isso equivaleria a renunciar à possibilidade de criticar nossa forma de vida contingente, como se vivêssemos na realização máxima da justiça social. Ali onde o pensamento se conforma ao positivamente dado, eliminando a historicidade do existente, retiramos aquilo que é mais caro ao pensamento: ultrapassar coordenadas efetivamente dadas. Nossas democracias liberais querem fazer crer que o real e o possível são equivalentes. Trata-se de uma redução do real à imagem. Um efeito colateral disso é que ali onde não há pensamento, tudo o que temos são imagens, com seus véus. Ora, não nos ensina Lacan que a colonização do real pelas imagens é a fonte da agressividade especular?

4 Quem disse “corrupção”?

Para concluir, não poderia deixar de dizer uma palavra sobre a corrupção. A corrupção é um problema muito mais grave do que parece. E a solução, muito mais difícil. Não é um problema de um ou outro partido. É endêmico. Não é um problema exclusivo da classe política, está enraizado em nosso jeito de levar vantagem em tudo, e isso nivela o porteiro do prédio ao empresário que mora na cobertura. A única maneira de realmente enfrentar o problema da corrupção é reconhecer sua gravidade. Reconhecer que ele envolve não apenas o Estado e a classe política, mas parte considerável do sistema financeiro e do empresariado, assim como o cidadão comum, com diferença apenas de escala, não de natureza. A tentativa de amalgamar a ameaça em apenas um culpado é, na verdade, uma tentativa de encobrir o funcionamento podre de toda a máquina, dos indivíduos ao Estado, passando pelo mercado, há muitas e muitas décadas.

A ideia de que tirar este ou aquele partido do poder seria uma maneira de combater a corrupção é, na verdade, uma tentativa de deixar tudo como está, trocando apenas as peças, sem mexer nas engrenagens.

* Gilson Iannini é psicanalista, Doutor em Filosofia e Professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Desvendando a espuma: o enigma da classe média brasileira

 
 
Renato Santos de Souza (UFSM/RS)

A primeira vez que ouvi a Marilena Chauí bradar contra a classe média, chamá-la de fascista, violenta e ignorante, tive a reação que provavelmente a maioria teve: fiquei perplexo e tendi a rejeitar a tese quase impulsivamente. Afinal, além de pertencer a ela, aprendi a saudar a classe média. Não dá para pensar em um país menos desigual sem uma classe média forte: igualdade na miséria seria retrocesso, na riqueza seria impossível. Então, o engrossamento da classe média tem sido visto como sinal de desenvolvimento do país, de redução das desigualdades, de equilíbrio da pirâmide social, ou mais, de uma positiva mobilidade social, em que muitos têm ascendido na vida a partir da base. A classe média seria como que um ponto de convergência conveniente para uma sociedade mais igualitária. Para a esquerda, sobretudo, ela indicaria uma espécie de relação capital-trabalho com menos exploração.

Então, eu, que bebi da racionalidade desde as primeiras gotas de leite materno, como afirmou certa vez um filósofo, não comprei a tese assim, facilmente. Não sem uma razão. E a Marilena não me ofereceu esta razão. Ela identificou algo, um fenômeno, o reacionarismo da classe média brasileira, mas não desvendou o sentido do fenômeno. Descreveu “O QUE” estava acontecendo, mas não nos ofereceu o “PORQUE”. Por que logo a classe média? Não seria mais razoável afirmar que as elites é que são o “atraso de vida” do Brasil, como sempre foi dito? E mais, ela fala da classe média brasileira, não da classe média de maneira geral, não como categoria social. Então, para ela, a identificação deste fenômeno não tem uma fundamentação eminentemente filosófica ou sociológica, e sim empírica: é fruto da sua observação, sobretudo da classe média paulistana. E por que a classe média brasileira e não a classe média em geral? Estas indagações me perturbavam, e eu ficava reticente com as afirmações de dona Marilena.

Com o passar do tempo, porém, observando muitos representantes da classe média próximos de mim (coisa fácil, pois faço parte dela), bem como a postura desta mesma classe nas manifestações de junho deste ano, comecei lentamente a dar razão à filósofa. A classe média parece mesmo reacionária, talvez não toda, mas grande parte dela. Mas ainda me perguntava “por que” a classe média, e “por que” a brasileira? Havia um elo perdido neste fenômeno, algo a ser explicado, um sentido a ser desvendado.

Então adveio aquela abominável reação de grande parte da categoria médica – justamente uma categoria profissional com vocação para classe média - ao Programa Mais Médicos, e me sugeriu uma resposta. Aqueles episódios me ajudaram a desvendar a espuma. Mas não sem antes uma boa pergunta! Como pode uma categoria profissional pensar e agir assim, de forma tão unificada, num país tão plural e tão cheio de nuanças intelectuais e políticas como o nosso? Estudantes de medicina e médicos parecem exibir um padrão de pensamento e ação muito coesos e com desvios mínimos quando se trata da sua profissão, algo que não se vê em outros segmentos profissionais. Isto não pode ser explicado apenas pelo que se convencionou chamar de “corporativismo”. Afinal, outras categorias profissionais também tem potencial para o corporativismo, e não o são, ao menos não da mesma forma. Então deveria haver outra interpretação para isto.

Bem, naqueles episódios do Mais Médicos, apesar de toda a argumentação pretensamente responsável das entidades médicas buscando salvaguardar a saúde pública, o que me parecia sustentar tal coesão era uma defesa do mérito, do mérito de ser médico no Brasil. Então, este pensamento único provavelmente fora forjado pelas longas provações por que passa um estudante de medicina até se tornar um profissional: passar no vestibular mais concorrido do Brasil, fazer o curso mais longo, um dos mais difíceis, que tem mais aulas práticas e exigências de estrutura, e que está entre os mais caros do país. É um feito se formar médico no Brasil, e talvez por isto esta formação, mais do que qualquer outra, seja uma celebração do mérito. Sendo assim, supõe-se, não se pode aceitar que qualquer um que não demonstre ter tido os mesmos méritos, desfrute das mesmas prerrogativas que os profissionais formados aqui. Então, aquela reação episódica, e a meu ver descabida, da categoria médica, incompreensível até para o resto da classe média, era, na verdade, um brado pela meritocracia.

A minha resposta, então, ao enigma da classe média brasileira aqui colocado, começava a se desvelar: é que boa parte dela é reacionária porque é meritocrática; ou seja, a meritocracia está na base de sua ideologia conservadora.

Assim, boa parte da classe média é contra as cotas nas universidades, pois a etnia ou a condição social não são critérios de mérito; é contra o bolsa-família, pois ganhar dinheiro sem trabalhar além de um demérito desestimula o esforço produtivo; quer mais prisões e penas mais duras porque meritocracia também significa o contrário, pagar caro pela falta de mérito; reclama do pagamento de impostos porque o dinheiro ganho com o próprio suor não pode ser apropriado por um Governo que não produz, muito menos ser distribuído em serviços para quem não é produtivo e não gera impostos. É contra os políticos porque em uma sociedade racional, a técnica, e não a política, deveria ser a base de todas as decisões: então, deveríamos ter bons gestores e não políticos. Tudo uma questão de mérito.

Mas por que a classe média seria mais meritocrática que as outras? Bem, creio que isto tem a ver com a história das políticas públicas no Brasil. Nós nunca tivemos um verdadeiro Estado do Bem Estar Social por aqui, como o europeu, que forjou uma classe média a partir de políticas de garantias públicas. O nosso Estado no máximo oferecia oportunidades, vagas em universidades públicas no curso de medicina, por exemplo, mas o estudante tinha que enfrentar 90 candidatos por vaga para ingressar. O mesmo vale para a classe média empresarial, para os profissionais liberais, etc. Para estes, a burocracia do Estado foi sempre um empecilho, nunca uma aliada. Mesmo a classe média estatal atual, formada por funcionários públicos, é geralmente concursada, portanto, atingiu sua posição de forma meritocrática. Então, a classe média brasileira se constituiu por mérito próprio, e como não tem patrimônio ou grandes empresas para deixar de herança para que seus filhos vivam de renda ou de lucro, deixa para eles o estudo e uma boa formação profissional, para que possam fazer carreira também por méritos próprios. Acho que isto forjou o ethos meritocrático da nossa classe média.

Esta situação é bem diferente na Europa e nos EUA, por exemplo. Boa parte da classe média europeia se formou ou se sustenta das políticas de bem estar social dos seus países, estas mesmas que entraram em colapso com a atual crise econômica e tem gerado convulsões sociais em vários deles; por lá, eles vão para as ruas exatamente para defender políticas anti-meritocráticas. E a classe média americana, bem, esta convive de forma quase dramática com as ambiguidades de um país que é ao mesmo tempo das oportunidades e das incertezas; ela sabe que apenas o mérito não sustenta a sua posição, portanto, não tem muitos motivos para ser meritocrática. Se a classe média adoecer nos EUA, vai perder o seu patrimônio pagando por serviços privados de saúde pela absoluta falta de um sistema público que a suporte; se advém uma crise econômica como a de 2008, que independe do mérito individual, a classe média perde suas casas financiadas e vai dormir dentro de seus automóveis, como se via à época. Então, no mundo dos ianques, o mérito não dá segurança social alguma.

As classes brasileiras alta e baixa (os nossos ricos e pobres) também não são meritocráticas. A classe alta é patrimonialista; um filho de rico herda bens, empresas e dinheiro, não precisa fazer sua vida pelo mérito próprio, portanto, ser meritocrata seria um contrassenso; ao contrário, sua defesa tem que ser dos privilégios que o dinheiro pode comprar, do direito à propriedade privada e da livre iniciativa. Além disso, boa parte da elite brasileira tem consciência de que depende do Estado e que, em muitos casos, fez fortuna com favorecimentos estatais; então, antes de ser contra os governos e a política, e de se intitular apolítica, ela busca é forjar alianças no meio político.

Para a classe pobre o mérito nunca foi solução; ela vive travada pela falta de oportunidades, de condições ou pelo limitado potencial individual. Assim, ser meritocrata implicaria não só assumir que o seu insucesso é fruto da falta de mérito pessoal, como também relegar apenas para si a responsabilidade pela superação da sua condição. E ela sabe que não existem soluções pela via do mérito individual para as dezenas de milhões de brasileiros que vivem em condições de pobreza, e que seguramente dependem das políticas públicas para melhorar de vida. Então, nem pobres nem ricos tem razões para serem meritocratas.

A meritocracia é uma forma de justificação das posições sociais de poder com base no merecimento, normalmente calcado em valências individuais, como inteligência, habilidade e esforço. Supostamente, portanto, uma sociedade meritocrática se sustentaria na ética do merecimento, algo aceitável para os nossos padrões morais.

Aliás, tenho certeza de que todos nós educamos nossos filhos e tentamos agir no dia a dia com base na valorização do mérito. Nós valorizamos o esforço e a responsabilidade, educamos nossas crianças para serem independentes, para fazerem por merecer suas conquistas, motivamo-as para o estudo, para terem uma carreira honrosa e digna, para buscarem por méritos próprios o seu lugar na sociedade.

Então, o que há de errado com a meritocracia, como pode ela tornar alguém reacionário?

Bem, como o mérito está fundado em valências individuais, ele serve para apreciações individuais e não sociais. A menos que se pense, é claro, que uma sociedade seja apenas um agregado de pessoas. Então, uma coisa é a valorização do mérito como princípio educativo e formativo individual, e como juízo de conduta pessoal, outra bem diferente é tê-lo como plano de governo, como fundamento ético de uma organização social. Neste plano é que se situa a meritocracia, como um fundamento de organização coletiva, e aí é que ela se torna reacionária e perversa.

Vou gastar as últimas linhas deste texto para oferecer algumas razões para isto, para mostrar porquê a meritocracia é um fundamento perverso de organização social.

a) A meritocracia propõe construir uma ordem social baseada nas diferenças de predicados pessoais (habilidade, conhecimento, competência, etc.) e não em valores sociais universais (direito à vida, justiça, liberdade, solidariedade, etc.). Então, uma sociedade meritocrática pode atentar contra estes valores, ou pode obstruir o acesso de muitos a direitos fundamentais.

b) A meritocracia exacerba o individualismo e a intolerância social, supervalorizando o sucesso e estigmatizando o fracasso, bem como atribuindo exclusivamente ao indivíduo e às suas valências as responsabilidades por seus sucessos e fracassos.

c) A meritocracia esvazia o espaço público, o espaço de construção social das ordens coletivas, e tende a desprezar a atividade política, transformando-a em uma espécie de excrescência disfuncional da sociedade, uma atividade sem legitimidade para a criação destas ordens coletivas. Supondo uma sociedade isenta de jogos de interesse e de ambiguidades de valor, prevê uma ordem social que siga apenas a racionalidade técnica do merecimento e do desempenho, e não a racionalidade política das disputas, das conversações, das negociações, dos acordos, das coalisões e/ou das concertações, algo improvável em uma sociedade democrática e pluralista.

d) A meritocracia esconde, por trás de uma aparente e aceitável “ética do merecimento”, uma perversa “ética do desempenho”. Numa sociedade de condições desiguais, pautada por lógicas mercantis e formada por pessoas que tem não só características diferentes mas também condições diversas, merecimento e desempenho podem tomar rumos muito distantes. O Mário Quintana merecia estar na ABL, mas não teve desempenho para tal. O Paulo Coelho, o Sarney e o Roberto Marinho estão (ou estiveram) lá, embora muitos achem que não merecessem. O Quintana, pelo imenso valor literário que tem, não merecia ter morrido pobre nem ter tido que morar de favor em um hotel em Porto Alegre, mas quem amealhou fortuna com a literatura foi o Coelho. Um tem inegável valor literário, outro tem desempenho de mercado. O José, aquele menino nota 10 na escola que mora embaixo de uma ponte da BR 116 (tema de reportagem da ZH) merece ser médico, sua sonhada profissão, mas provavelmente não o será, pois não terá condições para isto (rezo para estar errado neste caso). Na música popular nem é preciso exemplificar, a distância entre merecimento e desempenho de mercado é abismal. Então, neste mudo em que vivemos, valor e resultado, merecimento e desempenho nem sempre caminham juntos, e talvez raramente convirjam.

Mas a meritocracia exige medidas, e o merecimento, que é um juízo de valor subjetivo, não pode ser medido; portanto, o que se mede é o desempenho supondo-se que ele seja um indicador do merecimento, o que está longe de ser. Desta forma, no mundo da meritocracia – que mais deveria se chamar “desempenhocracia” - se confunde merecimento com desempenho, com larga vantagem para este último como medida de mérito.

e) A meritocracia escamoteia as reais operações de poder. Como avaliação e desempenho são cruciais na meritocracia, pois dão acesso a certas posições de poder e a recursos, tanto os indicadores de avaliação como os meios que levam a bons desempenhos são moldados por relações de poder; e o são decisivamente. Seria ingênuo supor o contrário. Assim, os critérios de avaliação que ranqueiam os cursos de pós-graduação no país são pautados pelas correntes mais poderosas do meio acadêmico e científico; bons desempenhos no mercado literário são produzidos não só por uma boa literatura, mas por grandes investimentos em marketing; grandes sucessos no meio musical são conseguidos, dentre outras formas, “promovendo” as músicas nas rádios e em programas de televisão, e assim por diante. Os poderes econômico e político, não raras vezes, estão por trás dos critérios avaliativos e dos “bons” desempenhos.

Critérios avaliativos e medidas de desempenho são moldáveis conforme os interesses dominantes, e os interesses são a razão de ser das operações de poder; que por sua vez, são a matéria prima de toda a atividade política. Então, por trás da cortina de fumaça da meritocracia repousa toda a estrutura de poder da sociedade.

Até aí tudo bem, isso ocorre na maioria dos sistemas políticos, econômicos e sociais. O problema é que, sob o manto da suposta “objetividade” dos critérios de avaliação e desempenho, a meritocracia esconde estas relações de poder, sugerindo uma sociedade tecnicamente organizada e isenta da ingerência política. Nada mais ilusório e nada mais perigoso, pois a pior política é aquela que despolitiza, e o pior poder, o mais difícil de enfrentar e de combater, é aquele que nega a si mesmo, que se oculta para não ser visto.

e) A meritocracia é a única ideologia que institui a desigualdade social com fundamentos “racionais”, e legitima pela razão toda a forma de dominação (talvez a mais insidiosa forma de legitimação da modernidade). A dominação e o poder ganham roupagens racionais, fundamentos científicos e bases de conhecimento, o que dá a eles uma aparente naturalidade e inquestionabilidade: é como se dominados e dominadores concordassem racionalmente sobre os termos da dominação.

f) A meritocracia substitui a racionalidade baseada nos valores, nos fins, pela racionalidade instrumental, baseada na adequação dos meios aos resultados esperados. Para a meritocracia não vale a pena ser o Quintana, não é racional, embora seus poemas fossem a própria exacerbação de si, de sua substância, de seus valores artísticos. Vale mais a pena ser o Paulo Coelho, a E.L. James, e fazer uma literatura calibrada para vender. Da mesma forma, muitos pais acham mais racional escolher a escola dos seus filhos não pelos fundamentos de conhecimento e valores que ela contém, mas pelo índice de aprovação no vestibular que ela apresenta. Estudantes geralmente não estudam para aprender, estudam para passar em provas. Cursos de pós-graduação e professores universitários não produzem conhecimentos e publicam artigos e livros para fazerem a diferença no mundo, para terem um significado na pesquisa e na vida intelectual do país, mas sim para engrossarem o seu Lattes e para ficarem bem ranqueados na CAPES e no CNPq.

A meritocracia exige uma complexa rede de avaliações objetivas para distribuir e justificar as pessoas nas diferentes posições de autoridade e poder na sociedade, e estas avaliações funcionam como guiões para as decisões e ações humanas. Assim, em uma sociedade meritocrática, a racionalidade dirige a ação para a escolha dos meios necessários para se ter um bom desempenho nestes processos avaliativos, ao invés de dirigi-la para valores, princípios ou convicções pessoais e sociais.

g) Por fim, a meritocracia dilui toda a subjetividade e complexidade humana na ilusória e reducionista objetividade dos resultados e do desempenho. O verso “cada um de nós é um universo” do Raul Seixas – pérola da concepção subjetiva e complexa do humano - é uma verdadeira aberração para a meritocracia: para ela, cada um de nós é apenas um ponto em uma escala de valor, e a posição e o valor que cada um ocupa nesta escala depende de processos objetivos de avaliação. A posição e o valor de uma obra literária se mede pelo número de exemplares vendidos, de um aluno pela nota na prova, de uma escola pelo ranking no Ideb, de uma pessoa pelo sucesso profissional, pelo contracheque, de um curso de pós-graduação pela nota da CAPES, e assim por diante. Embora a natureza humana seja subjetiva e complexa e suas interações sociais sejam intersubjetivas, na meritocracia não há espaço para a subjetividade nem para a complexidade e, sendo assim, lamentavelmente, há muito pouco espaço para o próprio ser humano. Desta forma, a meritocracia destrói o espaço do humano na sociedade.

Enfim, a meritocracia é um dos fundamentos de ordenamento social mais reacionários que existe, com potencial para produzir verdadeiros abismos sociais e humanos. Assim, embora eu tenda a concordar com a tese da Marilena Chauí sobre a classe média brasileira, proponho aqui uma troca de alvo. Bradar contra a classe média, além de antipático pode parecer inútil, pois ninguém abandona a sua condição social apenas para escapar ao seu estereótipo. Não se muda a posição política de alguém atacando a sua condição de classe, e sim os conceitos que fundamentam a sua ideologia.

Então, prefiro combater conceitos, neste caso, provavelmente o conceito mais arraigado na classe média brasileira, e que a faz ser o que é: a meritocracia.

Jornal GGN

Foto de Hélvio Romero

Indicação deste texto realizada pelo Dr. Jorge Vieira. Obrigado!

domingo, 3 de fevereiro de 2013

A VIDA DOS NOSSOS FILHOS

Fonte desta imagem AQUI.

Por Roberto Gonçalves de Lima*

Nós criamos nossos filhos com medo. Os ensinamos a viver a partir do medo. Medo de atravessar a rua e ser atropelado em cima da faixa de segurança, de se dirigir a um policial pedindo ajuda e acabar levando um tiro, de sofrer um acidente e não obter o socorro adequado do plano de saúde que pagamos religiosamente há vinte anos, de morrer asfixiado em uma boate superlotada para dar uma noite de lucro maior aos seus donos irresponsáveis.


Pais preocupados da classe média passam madrugadas levando e trazendo seus filhos de festas, casas de amigos, casas noturnas, com medo que sejam colhidos pela morte num acidente de trânsito, numa overdose, ou num assalto. Pais que não têm carro simplesmente não encontram alternativa outra que não seja vibrar com muita força todas as células do próprio corpo em orações infindáveis, até que ouçam o barulho da chave na porta de casa.

Mas por que estamos vivendo assim? Em nome de que?

O que a tragédia de Santa Maria mostra é a face mais podre, mas inexplicável do capitalismo, pois em função de algum lucro a mais, empreendedores de todos os tipos de negócio são capazes de menosprezar as mínimas condições de segurança, o que significa que são capazes de menosprezar a vida sem o menor pudor, desde que isso assegure mais dinheiro.

Quando deixamos de considerar o dinheiro como um meio de ganhar a vida, e passamos a considerar a vida um meio de ganhar dinheiro, sobretudo a vida dos outros, é que algo operou em nós uma inversão perversa que só pode levar, necessariamente, à implosão do sentido de sociedade, de civilização e de humanidade.

O que presenciamos diariamente é a busca desenfreada do lucro nos jogando em uma arena de feras desesperadas lutando pela sobrevivência, e é isso que chamamos hoje em dia de Cidade. Mas por que mesmo estamos fazendo isso?

A agenda do Capital, executada com disciplina pelos meios de comunicação, faz com que nós, os socialistas, passemos o tempo todo tentando justificar a necessidade de um Estado regulador e de mecanismos de controle social a partir dos possíveis resultados econômicos positivos que isso traria. Está errado, ao menos está manco, incompleto.

Deveríamos perder mais tempo mostrando para a sociedade que sua participação e fiscalização efetiva sobre os processos e instituições mais relevantes, como parte constitutiva de um Estado regulador, pode e deve ser o instrumento adequado para a valorização da vida, ou mais, pode e deve ser parte de uma estratégia maior para recuperar a vida como centro gerador de sentido, tanto nas ações do governo como do mercado, o que inclui os donos de boate, e que essa é a grande proposta da esquerda para esse planeta: trazer a vida para o centro organizador da vida.

Há uma agenda abandonada pela esquerda, que só pontua de quando em vez em grandes eventos como a Rio+20, ou quando uma tragédia traz à tona a necessidade de debater os parâmetros pelos quais orientamos nosso comportamento em sociedade.

Precisamos retomar essa agenda e mostrar que nunca haverá solução efetiva para tragédias como a de Santa Maria, enquanto a ganância e o lucro estiverem definindo e justificando os nossos padrões de comportamento, que não haverá perspectiva de deixarmos de criar nossos filhos pelo medo, enquanto o respeito à vida, não só a humana, não for o sentido definidor do Direito, da Política, da Economia, da Educação, da Arte e de tudo mais que produzimos para tornar melhor a vida dos nossos filhos.

*Roberto Gonçalves de Lima é dramaturgo e gestor cultural.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

RECEITA NEOLIBERAL PARA SALVAR O CAPITALISMO

SEPPUKU (Fonte AQUI)

 

Os idosos “devem se apressar e morrer”

Por Altamiro Borges


Num lapso de sinceridade, o ministro das Finanças do Japão, Taro Aso, escancarou nesta segunda-feira o que muitos rentistas pensam, mas não falam. Para ele, os idosos devem “se apressar e morrer” para salvar a economia capitalista. Em pleno debate sobre as novas medidas de arrocho contra os trabalhadores, inclusive com mais uma contrarreforma da Previdência no país, o porta-voz dos banqueiros no governo insinuou que os aposentados e pensionistas são um dreno desnecessário às finanças do país e só geram prejuízos.

A afirmação foi feita durante a reunião do Conselho Nacional de Reformas da Segurança Social, segundo o jornal britânico The Guardian. Para o ministro das Finanças, a crise econômica no país “não será resolvida a não ser que você deixe que eles se apressem e morram”. A declaração abjeta gerou revolta na sociedade. Afinal, o Japão tem uma cultura milenar de respeito aos idosos. Atualmente, quase 25% dos 128 milhões de habitantes do país têm mais de 60 anos. O primeiro-ministro Shinzo Abe deverá exonerar o desastrado.

A declaração, porém, não deve ser encarada apenas como um deslize retórico. Muitos capitalistas gostariam de adotar a proposta de Taro Aso como receita de choque para superar a grave crise que atinge o seu sistema. Na prática, eles já fazem isto com a imposição de planos contra os direitos dos trabalhadores e dos aposentados. Na Europa, estes planos regressivos têm gerado em recordes de suicídio. O desespero toma conta de milhões de trabalhadores descartados como bagaços pelo sistema capitalista.

Para os representantes do capital, os aposentados e pensionistas drenam recursos que poderiam socorrer os banqueiros e os ricaços. Na semana passada, por exemplo, o diário The Wall Street Journal publicou um artigo defendendo a retirada de direitos previdenciários sob o argumento de que “a população idosa pesa mais nas finanças da União Europeia”. E quem não se lembra da repugnante frase do ex-presidente FHC, que chamou os aposentados de “vagabundos”. Taro Aso exagerou na retórica, mas não inventou!

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

SÃO PAULO/BRASIL: MÁFIA E ESQUADRÕES

São Paulo

La violencia urbana en Brasil no para de crecer. En San Pablo, sólo en octubre hubo 571 homicidios, 54 por ciento más que en el mismo mes del año pasado, y en lo que va del año rondaron los 4 mil. El papel de la Policía Militar paulista, reconocida como una de las más violentas del mundo, y el de los renacientes grupos paramilitares en el incremento de la criminalidad están en pleno debate. Así como su estrategia de guerra frontal contra el Primer Comando de la Capital PCC), una estructura mafiosa en plena expansión. Pero las principales víctimas de la represión pertenecen a las 3 P: pretos (negros), pobres y periféricos.


Mário Augusto Jakobskind, desde Rio de Janeiro
Brecha, Montevideo, 30-11-2012


Poco antes de ser sustituido en el cargo de jefe de la Policía Civil paulista, Marcos Carneiro de Lima reveló que varias de las personas que murieron en las últimas noches en San Pablo (y fueron muchas) podrían haber sido víctimas de policías que las buscaron adrede para ejecutarlas: los antecedentes judiciales de esas personas habían sido consultados en las computadoras de la Secretaría de Seguridad del estado. No hay manera de saber quién hizo la consulta, pero que existió, existió, y muy poco antes de que las muertes se produjeran. La Secretaría de Seguridad Pública de San Pablo, cuya cúpula acaba de ser removida, sostiene que se trata de meras coincidencias, pero las sospechas se han ido acumulando. Para Amnistía Internacional no hay duda alguna: los escuadrones de la muerte han regresado a la escena brasileña.

Lo cierto es que sobre todo en San Pablo, la mayor megaurbe de América del Sur y una de las mayores del mundo, hay instalado un cuadro a la mexicana, de violencia criminal y contra-violencia estatal, homicidios múltiples y cada vez más macabros.

Según un informe de la Secretaría de Seguridad Pública del Ministerio de Justicia divulgado por el diario O Globo, la estructura criminal del PCC se ha ido expandiendo por todo el país, y hoy está presente en 21 estados y en el Distrito Federal. El grupo moviliza decenas y decenas de millones de dólares anuales y tiene a unos 13 mil integrantes rentados, 6 mil de los cuales están hoy detenidos en cárceles que se han convertido en sus bases, otros 2 mil en las calles de la capital del estado y los 5 mil restantes esparcidos por el resto del territorio. Más una cantidad indeterminada de periféricos que superan en mucho a los rentados. "La vida se paga con vida, la sangre se paga con sangre", es la divisa del comando, que ha instruido a sus integrantes para que cada vez que uno de los suyos caiga un policía del mismo cuerpo responsable de esa muerte sea ejecutado. Enfrente, la policía responde con la misma moneda. Y más aun. Por haber perdido totalmente el control de las tropas de la pm, el encargado de la Secretaría de Seguridad del estado, Antonio Ferreira Pinto, fue depuesto de su cargo.

El gobernador paulista, el conservador Geraldo Alckmin, no se cansa de repetir que el Estado controla la situación, pero la realidad demuestra lo contrario. Y no es de hoy que las denuncias sobre "desbordes" de la pm copan la actualidad: en 2006, cuando el Primer Comando de la Capital prácticamente paralizó la ciudad de San Pablo con una serie de ataques contra las fuerzas de seguridad, la Policía Militar respondió con una violencia equivalente que derivó en asesinatos extrajudiciales en cadena. Hubo 50 muertos en filas policiales y unos 400 en filas de los delincuentes, muy pocos de ellos en enfrentamientos reales, una versión brasileña de los "falsos positivos" colombianos.

En cuanto al PCC, su fuerza está desbordando hacia otros estados, a partir de los presos pertenecientes al comando que de hecho han tomado el control de las cárceles de Mato Grosso del Sur (centro oeste) y Paraná (sur), regiones estratégicas en función de su cercanía con las fronteras con Paraguay y Bolivia, por donde circulan drogas en un sentido y en otro. En los últimos años Brasil se convirtió en un poderoso mercado de consumo, lo que resultó en un crecimiento exponencial de los grupos narcos, que han adaptado sus estructuras de organización y gerencia financiera. La industria de la seguridad ha crecido de manera paralela, de forma que, por ejemplo, los grandes centros comerciales de las mayores urbes, en especial San Pablo, se han transformado en búnqueres, verdaderas fortalezas plagadas de guardias.

Observadores políticos prevén que para las elecciones presidenciales y legislativas de 2014 la cuestión de la seguridad interna y de la violencia urbana sean temas prioritarios de la campaña, por primera vez en muchos años. El PSDB, opositor al gobierno central, que administra el estado de San Pablo desde hace 20 años pero que acaba de perder la intendencia de la capital, va a hacer seguramente de la mano dura contra la delincuencia su principal caballito de batalla, en una carrera desesperada por evitar una derrota en el principal estado del país. El publicista João Santana, encargado del marketing de Lula en 2006 y de Dilma Rousseff en 2010, sugirió el lanzamiento de la candidatura del ex presidente para la gobernación de San Pablo, lo que por un lado catapultaría definitivamente a la actual mandataria para un segundo período presidencial y por otro casi que aseguraría el pasaje del estado más rico del país a la órbita del actual oficialismo. Habrá que ver con qué receta.


"Hay una guerra no declarada, y es una guerra de clases"

Pobres, pretos y periféricos

Nazaret Castro, desde San Pablo *
Brecha, Montevideo, 30-11-2012

 
Débora Maria Silva se enteró por la radio de que habían matado a su hijo. Ella ya se lo barruntaba: aquel domingo, Día de la Madre y cumpleaños de Débora, le pidió precaución a Rogério, de 29 años, padre de un niño de 3. Él la tranquilizó, aunque la calle estaba brava, en Santos como en todo el estado de San Pablo, desde que la organización criminal más poderosa del país, el Primeiro Comando da Capital (PCC),** había decretado la guerra a las autoridades, sacado a sus hombres a las calles y ordenado matar policías, atacar comisarías y quemar autobuses. El estado respondió con mano dura y lógica militar: en ocho días, la Policía Militar (pm) mató a cerca de 500 jóvenes en favelas y periferias. Seis años después, nadie pagó por los crímenes de mayo de 2006.

Después de aquella fatídica mañana, Débora se convirtió en una zombi. Dejó de comer. La hospitalizaron. Un día despertó. La ira se había transformado en furiosa indignación. Así que salió a la calle y buscó, una por una, a las madres de las víctimas de aquellas ejecuciones. Desde entonces, las Madres de Mayo pelean no sólo por la investigación de aquella masacre, sino por el fin de la violencia estatal contra la población pobre.

La defensora pública, Daniela Skromov, señaló que la policía, y muy especialmente la pm, es responsable del 20 por ciento de los homicidios en San Pablo. Las fuerzas del estado de San Pablo cercenan cada año entre 500 y 600 vidas. El goteo de muertes se convirtió en cotidianidad para esta megalópolis de 20 millones de habitantes. Pero, de vez en cuando, la violencia repunta y vuelve a los quioscos de la Avenida Paulista.

Entre los meses de junio y julio pasados se registraron 586 homicidios dolosos en la capital paulista, 22 por ciento más que en el primer semestre de 2011. Esas cifras no incluyen la letalidad policial: según la Secretaría de Seguridad de San Pablo, en ese primer semestre se produjeron 283 muertes a manos de la pm y, muy especialmente, de las Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota), una tropa de elite surgida durante la dictadura militar y muy temida en la periferia paulista por su letalidad. Movimientos sociales y asociaciones vecinales contabilizan más de 200 casos apenas en los meses de junio y julio.

Según la versión más difundida por la prensa paulista, esta ola de violencia se desató después de que, el 28 de mayo, agentes de la rota matasen a cinco criminales pertenecientes al PCC. Algunos investigadores, como la socióloga Camila Nunes Dias, apuntan a que el detonante podría ser el traslado de algunos presos del PCC a cárceles del temido Régimen Disciplinar Diferenciado. Como en 2006, el PCC decretó ataques contra policías y comisarías y quema de autobuses. También como hace seis años, el Estado respondió recrudeciendo la represión contra la población pobre y periférica.

En 2006 el PCC demostró que, si quería, podía paralizar la mayor urbe de América del Sur. Nunca quedó claro cómo consiguió el Estado poner fin a los ataques; la hipótesis más aceptada por los expertos es que aquellas negociaciones terminaron de configurar ese delicado equilibrio de fuerzas entre el mundo del crimen y las fuerzas del Estado que rige en San Pablo. Eso se extrae de la tesis de Nunes Dias sobre la pacificación de la ciudad, que en los últimos 15 años experimentó un notable descenso en las tasas de homicidio.

"Las policías siempre se relacionaron con los mercados criminales", señala la abogada y socióloga Alessandra Teixeira. El estudio "San Pablo bajo extorsión" evidenció que el detonante de los ataques de 2006 fue la extorsión de la policía al líder del PCC, Marcos Camacho, alias "Marcola". Lo cierto es que la propia existencia de la facción no se explica sin la corrupción de policías, funcionarios y delegados de prisiones. Débora Silva desafía: "El crimen organizado nació de dentro hacia afuera del Estado, no al revés".

Policía racista y letal. Pequeños y grandes acuerdos sustentan las imbricadas relaciones entre policías y criminales, pero ese equilibrio es extremadamente frágil. De vez en cuando se rompe, como sucedió en Carandirú en 1992, en Castelinho en 2002, en la capital paulista en 2006, en Osasco en 2010, o ahora. Cuando así ocurre, quien sale perdiendo es invariablemente la población pobre y negra de las periferias, y fundamentalmente los varones jóvenes. Porque el sesgo de la letalidad policial es racista y de clase. "El 'dispara primero y pregunta después' siempre fue la marca de nuestra policía, y siempre tuvo como objetivo privilegiado a los negros (pretos), pobres y periféricos. 3 P: esa es la sigla de nuestra política de exterminio", sostiene el antropólogo Adalton Marques.

Con poquísimas excepciones, las muertes provocadas por la pm son archivadas sin más como "resistencia seguida de muerte" o "autos de resistencia", esto es, como supuesta defensa propia de los agentes durante la confrontación con los delincuentes.

La defensora pública ha denunciado la inconsistencia de las pruebas que sustentan que esas muertes sean efectivamente resultado de enfrentamientos con la policía. El fin de este tipo de registros fue una de las propuestas surgida de una audiencia pública que reunió el 26 de julio a instituciones gubernamentales y movimientos sociales.

Otra de las demandas de los movimientos sociales es la desmilitarización de la policía, que también sugirió al gobierno brasileño la ONU tras una reciente visita. Sin embargo, por el momento la pm va ganando terreno en San Pablo, no sólo patrullando las calles -hay más de 100 mil agentes de la pm frente a unos 30 mil de la Policía Civil-, sino también en la organización política de los municipios: en San Pablo, coroneles de la pm están presentes en 30 de las 31 subprefecturas.

Los militares "se apropian de momentos como el actual para legitimar su actuación violenta y extralegal", recuerda Alessandra Teixeira. Y, con la inestimable ayuda de los grandes medios de comunicación, que asumen en sus titulares la tesis de que las víctimas son delincuentes y eluden contextualizar esas muertes, se instala en la sociedad una visión que acepta la brutalidad policial como garantía de su seguridad y "da una carta blanca, aceptación y legitimación de esa violencia", en palabras de Teixeira.

El Estado, antes que combatir este tipo de violencia, la alienta. En un año electoral, el gobierno conservador enarbola la política de la "tolerancia cero" contra la delincuencia. El comandante de la pm, teniente-coronel Salvador Modesto Madia, afirmó por su parte que no le importan los números de letalidad policial, sino "su legalidad". Cabe recordar que Madia es apuntado como responsable de más de 70 muertes en la masacre de Carandirú, de 1992.

Grupos de exterminio

Débora y Danilo César, del Movimiento Madres de Mayo, denuncian que si bien la violencia policial siempre existió en las favelas y periferias de San Pablo, recrudeció a partir de 2006.

El asesinato es el extremo de una política de control y sometimiento de las periferias que inunda la vida diaria de los vecinos de los barrios pobres: extorsiones a comerciantes, abordajes policiales arbitrarios e irrespetuosos, toques de queda ordenados por la policía y los grupos paraestatales. Poblaciones como Osasco, Sapopemba, Capão Redondo o la Baixada Santista viven en permanente estado de excepción.

La extorsión está "incrustada en el orden de cosas" de la periferia paulista. Los llamados "grupos de exterminio", formados por agentes o ex agentes de los cuerpos armados del estado, siembran el pánico y compran lealtades en las comunidades pobres.

Las Madres de Mayo, así como la ONU y Amnistía Internacional, llevan tiempo alertando sobre el fortalecimiento de estos grupos. "El gobierno se acomodó en el discurso de que estas bandas están formadas por el crimen organizado, pero no es cierto: las conforman agentes del Estado", denuncia Débora Silva. Por eso ella prefiere hablar de milicias, como se denominó en Rio de Janeiro a la evolución de esos grupos de exterminio, cada vez más organizados y poderosos, y también cada vez más imbricados con los intereses de la clase política y empresarial.

Higienización de la pobreza

Para Danilo y Débora, la truculencia policial y la ascensión de los grupos de exterminio responden a la misma lógica que la política de encarcelamiento en masa -hay 500 mil presos en Brasil, y la cifra no deja de crecer- y que los desalojos de favelas, cada vez más habituales en el Brasil que acogerá al mundial de fútbol de 2014 y los Juegos Olímpicos de 2016. "Es una política de exterminio, de higienización y criminalización de la pobreza", denuncia Danilo.

La ciudad de San Pablo vivió recientemente otros episodios de "higienización de la pobreza", como el brutal desalojo de la favela de Pinheirinho y la expulsión de los sin techo y de los drogadictos de barrios del centro como Santa Ifigênia. En un contexto de boom inmobiliario, con los megaeventos deportivos a la vuelta de la esquina y la necesidad de mostrarle al mundo una ciudad limpia y segura, los intereses especulativos expulsan a los pobres cada vez más lejos.

"Hay una guerra no declarada, y es una guerra de clases", puntualiza Débora Silva. "No es algo de San Pablo ni de Rio: es de todo Brasil. El país está a punto de estallar. El modelo no aguanta más, y no sabemos muy bien cuándo ni cómo, pero sabemos que va a explotar", añade Débora.

Los millones de personas que habitan las favelas y periferias de las grandes ciudades, como los campesinos sin tierra, como los indígenas, son prescindibles para el modelo económico que ha elevado a la economía brasileña a los primeros puestos del ranking mundial. Sobran.
 
* Periodista brasileña, colaboradora del diario El Mundo de Madrid y de Le Monde Diplomatique, entre otras publicaciones.
 

** Según diferentes investigaciones estatales el PCC podría contar con 200 mil miembros.

sábado, 17 de novembro de 2012

ELES NÃO GOSTAM DE SERES HUMANOS

Fonte desta imagem AQUI.

Foxconn começa a substituir funcionários por 10 mil robôs 

autor: risastoider


A Foxconn já planejava usar robôs para compor sua força de trabalho nas fábricas há algum tempo, mas agora a coisa ficou séria. Os estabelecimentos começaram a receber as primeiras máquinas: no total, a empresa pretende utilizar 10 mil robôs para substituir entre 10 mil e 20 mil trabalhadores.

Conforme o VR-Zone
, a Foxconn pretende aumentar esse número para 1 milhão dentro de três anos, o que vai gerar uma grande quantidade de demissões. Para se ter uma ideia, hoje, o total de funcionários da Foxconn gira em torno de 1,2 milhão.

Apelidados de “Foxbots”, os robôs farão atividades consideradas simples, como dar jatos de spray nas peças, soldagem e algumas montagens. Com os robôs, a Foxconn ainda quer acabar com as denúncias de organizações defensoras dos direitos dos trabalhadores, que acusam a empresa de práticas desumanas.

Uma coisa é certa: os robôs não precisam receber salários. Mas eles também têm um custo: para cada Foxbot, a companhia deve desembolsar algo em torno de US$20 mil e US$25 mil, valor três vezes maior do que a um funcionário humano chega a ganhar em um ano inteiro. Isso sem contar os custos com manutenção.

Adrenaline

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Site da Foxconn é invadido por hackers

Fábrica da Foxconn na China
Um grupo de hackers denominado Swagg Security invadiu o site da Foxconn e divulgou nomes de usuários, senhas e informações pessoais de todos os funcionários da empresa, incluindo o presidente da companhia, Terry Gou.

O ataque foi em resposta às péssimas condições de trabalho as quais funcionários da Foxconn são submetidos em fábricas na China.

Mais informações:
- http://goo.gl/QRsw6

Fonte: Clube do Hardware

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Presidente da Foxconn chama seus mais de um milhão de funcionários de "animais"

Ovelhas se dirigindo ao matadouro.
Terry Gou é o presidente da Hon Hai Precision, a dona da Foxconn. Ele também é um cara bem insensível. Na festa de fim de ano da empresa no Taipei Zoo, ele disse: “eu fico com dor de cabeça em pensar em como gerir um milhão de animais”. QUE ENGRAÇADO CARA!

A Foxconn realmente tem um milhão de funcionários em suas gigantescas fábricas/cidades/guetos, onde eles fabricam 40% de todos os gadgets que temos no mundo, incluindo iPhones, iPads, Xboxes e qualquer coisa da Sony. Segundo uma matéria recente do NYT, essas fábricas também consomem “uma média de três toneladas de carne de porco e 13 toneladas de arroz por dia” para o “um milhão de animais”.

A empresa emitiu uma nota à imprensa pedindo desculpas e argumentou que a fala de Gou foi tirada de contexto pela mídia:
Gou está ciente de que as notícias da imprensa são enganosas e ofensivas e pede desculpas a qualquer pessoa que tenha se sentido ofendida. No entanto, Gou não caluniou de forma deliberada seus funcionários, como alguns veículos descreveram.
Mas peraí, se ele não “caluniou” os funcionários, por que ele pediu desculpas? Ele poderia ter apenas negado o que foi dito pela imprensa, certo? E como sua frase pode ter sido tirada de contexto? UPDATE: Não há “contexto” que salve isso, mas segundo a WantChinaTimes, a declaração foi dada na seguinte situação:
A Hon Hai tem uma força de trabalho de mais de um milhão ao redor do mundo e como seres humanos são animais também, gerenciar um milhão de animais me dá dor-de-cabeça,” disse o CEO da Hon Hai Terry Gou em uma festa de fim de ano recente, acrescentando que ele quer aprender de Chin Shih-chien, diretor do Zoológico de Taipei, sobre como animais devem ser gerenciados.
De todo modo, é bom saber que tipo de visão essas pessoas têm de seus funcionários. [AFP]

Gizmodo

domingo, 23 de outubro de 2011

Justiça autoriza mais de 33 mil crianças a trabalhar em lixões, fábricas de fertilizantes e obras

Criança catando lixo em SP (Fonte da imagem AQUI)

Juízes e promotores de Justiça de todo país concederam, entre 2005 e 2010, 33.173 mil autorizações de trabalho para crianças e adolescentes menores de 16 anos, contrariando o que prevê a Constituição Federal. O número, fornecido à Agência Brasil pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), equivale a mais de 15 autorizações judiciais diárias para que crianças e adolescentes trabalhem nos mais diversos setores, de lixões a atividades artísticas. O texto constitucional proíbe que menores de 16 anos sejam contratados para qualquer trabalho, exceto como aprendiz, a partir de 14 anos.

Os dados do ministério foram colhidos na Relação Anual de Informações Sociais (Rais). Eles indicam que, apesar dos bons resultados da economia nacional nas últimas décadas, os despachos judiciais autorizando o trabalho infantil aumentaram vertiginosamente em todos os 26 estados e no Distrito Federal. Na soma do período, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina foram as unidades da Federação com maior número de autorizações. A Justiça paulista concedeu 11.295 mil autorizações e a Minas, 3.345 mil.

Segundo o chefe da Divisão de Fiscalização do Trabalho Infantil do MTE, Luiz Henrique Ramos Lopes, embora a maioria dos despachos judiciais permita a adolescentes de 14 e 15 anos trabalhar, a quantidade de autorizações envolvendo crianças mais novas também é “assustadora”. Foram 131 para crianças de 10 anos; 350 para as de 11 anos, 563 para as de 12 e 676 para as de 13 anos. Para Lopes, as autorizações configuram uma “situação ilegal, regularizada pela interpretação pessoal dos magistrados”. Chancelada, em alguns casos, por tribunais de Justiça que recusaram representações do Ministério Público do Trabalho.

- Essas crianças têm carteira assinada, recebem os salários e todos seus benefícios, de forma que o contrato de trabalho é todo regular. Só que, para o Ministério do Trabalho, o fato de uma criança menor de 16 anos estar trabalhando é algo que contraria toda a nossa legislação- , disse Lopes à Agência Brasil. “Estamos fazendo o possível, mas não há previsão para acabarmos com esses números por agora.”

ATIVIDADES INSALUBRES

Apesar de a maioria das decisões autorizarem as crianças a trabalhar no comércio ou na prestação de serviços, há casos de empregados em atividades agropecuárias, fabricação de fertilizantes (onde elas têm contato com agrotóxicos), construção civil, oficinas mecânicas e pavimentação de ruas, entre outras. “Há atividades que são proibidas até mesmo para os adolescentes de 16 anos a 18 anos, já que são perigosas ou insalubres e constam na lista de piores formas de trabalho infantil.”

No início do mês, o MPT pediu à Justiça da Paraíba que cancelasse todas as autorizações dadas por um promotor de Justiça da Comarca de Patos. Entre as decisões contestadas, pelo menos duas permitem que adolescentes trabalhem no lixão municipal. Também no começo do mês, o Tribunal de Justiça de São Paulo anulou as autorizações concedidas por um juiz da Vara da Infância e Juventude de Fernandópolis, no interior paulista.

De acordo com o coordenador nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes, procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT) Rafael Dias Marques, a maior parte das autorizações é concedida com a justificativa de que os jovens, na maioria das vezes de famílias carentes, precisam trabalhar para ajudar os pais a se manter.

- Essas autorizações representam uma grave lesão do Estado brasileiro aos direitos da criança e do adolescente. Ao conceder as autorizações, o Estado está incentivando [os jovens a trabalhar]. Isso representa não só uma violação à Constituição, mas também às convenções internacionais das quais o país é signatário- , disse o procurador à Agência Brasil.

Marques garante que as autorizações, que ele considera inconstitucionais, prejudicam o trabalho dos fiscais e procuradores do Trabalho. “Os fiscais ficam de mãos atadas, porque, nesses casos, ao se deparar com uma criança ou com um adolescente menor de 16 anos trabalhando, ele é impedido de multar a empresa devido à autorização judicial.”

Procurado pela Agência Brasil, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não se manifestou sobre o assunto até a publicação da matéria.

CB