No dia
9 de novembro de 2022 aconteceu, em formato híbrido, a Conferência Anual do
Conselho Empresarial Brasil-China 2022.
A
abertura foi realizada pelo Embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, Presidente
do Conselho Empresarial Brasil-China. Logo após Hamilton Mourão,
Vice-Presidente da República, fez a palestra inicial, exaltando os êxitos
obtidos nos últimos 4 anos em relação à aproximação estratégica Brasil-China.
Na
sequência foram realizadas várias intervenções significativas.
Tom
Orlik, da Bloomberg Economics, especialista no desempenho econômico da China, foi
um dos que fez uma apresentação abordando diversos assuntos importantes.
Um dos
assuntos abordados, que chamou a atenção, foi o desempenho da China no enfrentamento
da Pandemia do Covid-19.
Em
relação a esse tema, Covid-19, Orlik destacou que a percepção ocidental é de
que a estratégia chinesa foi um fracasso, prejudicando não só o desempenho
econômico da China como também afetando negativamente a economia global.
Em
lugares como Brasil, Estados Unidos e Reino Unido por exemplo, as restrições
oficiais contra a covid são cada vez mais raras - resultado de uma combinação
de altas taxas de vacinação, um nível elevado de imunidade por contágio e, de certa
forma, por causa do custo político e econômico dessas medidas.
Mas
na contramão de boa parte dos países, a China segue firme na sua política de
covid zero enquanto lida com uma nova onda da variante ômicron.
O
especialista da Bloomberg, para explicar o ponto de vista do governo chinês,
apresentou o seguinte gráfico:
Linha horizontal: MORTE POR
MILHÃO DE HABITANTES POR COVID 19.
Linha vertical: PREVISÃO DO
PIB DE 2022 VERSUS CONSENSO PRÉ-PANDEMIA (%).
Alguns países tiveram como
centro da estratégia no combate à Covid-19 SALVAR VIDAS, enquanto outros países
deram prioridade à ECONOMIA.
Os países integrantes do
gráfico que tiveram como prioridade SALVAR VIDAS, citados neste estudo, foram a
Arábia Saudita, Austrália, Japão, China, Indonésia e Índia.
Os demais países optaram por
outras estratégias, priorizando majoritariamente SALVAR A ECONOMIA ou um mix
das duas estratégias.
Na amostragem de Orlik, muito
representativa, o país que teve o menor número de mortes por milhão de
habitantes foi a China.
O país que teve o maior número
de mortes por milhão de habitantes foi o Brasil.
A diferença de desempenho
desses dois países em relação ao PIB, porém, não foi significativo.
Ou seja, a estratégia de
SALVAR A ECONOMIA não foi exitosa comparativamente com os países que tiveram
como estratégia SALVAR VIDAS.
A brutal diferença de
desempenho no quesito SALVAR VIDAS entre o Brasil e a China, se deu basicamente
em função da posição negacionista do Governo Brasileiro em relação à pandemia.
“O negacionismo vai além de um
boato ou fake news
pontual. É um sistema de crenças que, sistematicamente, nega o conhecimento
objetivo, a crítica pertinente, as evidências empíricas, o argumento lógico, as
premissas de um debate público racional, e tem uma rede organizada de
desinformação. Essa atitude sistemática e articulada de negação para ocultar
interesses político-ideológicos muitas vezes escusos, que tem sua origem nos
debates do Holocausto, é inédita no Brasil”, afirma Marcos Napolitano,
professor de História do Brasil Independente e docente orientador no Programa
de História Social da Universidade de São Paulo (USP).
Bolsonaro, o atual Presidente brasileiro,
negou a pandemia, não salvou a economia e perdeu as eleições.
Xi Jinping, Presidente chinês,
foi recentemente reconduzido à Presidência da China.
Desde
a década de 70 do século XX está em curso uma grande “explosão
expansiva” do sistema mundial. Nossa hipótese é que o aumento da
“pressão competitiva” dentro do sistema foi provocado pelo expansionismo
imperial dos Estados Unidos, pela multiplicação do número dos Estados
soberanos dentro do sistema, e pelo crescimento vertiginoso do poder e
da riqueza dos Estados asiáticos, e da China em particular. O tamanho
dessa “pressão competitiva” permite prever, neste início do século XXI,
uma nova “corrida imperialista” entre as grandes potências.
Fiori, J. L. O sistema interestatal capitalista no início do século XXI. In: Fiori, J. L.; Medeiros, C.; Serrano, F. O Mito do Colapso do Poder Americano. Rio de Janeiro: Editora Record, 2008. p. 24
Após 140 dias do início da guerra na Ucrânia, já é possível
identificar fatos, decisões e consequências estratégicas, econômicas e
geopolíticas que são irreversíveis, e que podem ser considerados como as
portas de entrada da “nova ordem mundial” de que tanto falam os
analistas internacionais. Neste momento, do ponto de vista estritamente
militar, ninguém mais acredita na possibilidade de vitória da Ucrânia, e
muito menos na retirada das forças russas dos territórios que já
conquistaram. O mais provável, inclusive, é que os russos sigam
avançando sobre o território ucraniano mesmo depois da conquista de
Donbass, pelo menos até o início das negociações de paz que envolvam a
participação direta dos Estados Unidos em torno da proposta apresentada
pela Rússia em 15 de dezembro de 2021, e que foi então rejeitada pelos
norte-americanos.
Mesmo assim, não é improvável que as tropas ucranianas se retirem
para uma posição defensiva e se proponham a levar à frente uma guerra de
atrito prolongada através de ataques e reconquistas pontuais. Neste
caso, o conflito pode se estender por meses ou anos, mas só será
possível se os norte-americanos e europeus mantiverem seu apoio
financeiro e militar ao governo da Ucrânia, que rigorosamente não dispõe
da capacidade de sustentar sozinho um conflito dessa natureza. E terá
cada vez menos capacidade, na medida em que sua economia nacional vem se
deteriorando aceleradamente, e já se encontra à beira do caos. Esta
guerra contudo está sendo travada, de fato, entre os Estados Unidos e a
Rússia, e é aí que se encontra o núcleo duro do problema da paz. Ou
seja, são duas guerras sobrepostas, mas a chave da paz se encontra – nos
dois casos – nas mãos dos Estados Unidos, o único país que pode tomar o
caminho diplomático de uma negociação de paz, uma vez que a Rússia já
fez a sua proposta e entrou em guerra exatamente porque ela foi
rejeitada ou simplesmente desconhecida pelos americanos, pela OTAN e
pelos europeus. E é aqui que se encontra o impasse atual: os russos já
não têm como aceitar uma derrota; e para os norte-americanos, qualquer
negociação é vista como um sinal inaceitável de fraqueza, sobretudo
depois de sua desastrosa “retirada do Afeganistão”. Por isso mesmo, a
posição oficial do governo americano é prolongar a guerra
indefinidamente, por meses ou anos, até exaurir a capacidade econômica
russa de sustentar sua posição atual na Ucrânia, e mais à frente, de
iniciar novas guerras.
Apesar disso, existe uma brecha para a paz que está se consolidando
com o avanço da crise econômica e social dos principais países que
apoiam a resistência militar do governo ucraniano. Com algumas
repercussões políticas imediatas, em alguns casos, como a queda abrupta
da popularidade do presidente Biden, nos Estados Unidos; as derrotas
eleitorais de Macron, na França, e de Draghi, na Itália; a queda de
Boris Johnson na Inglaterra; e a fragilidade notória do governo de
coalizão de Sholz, na Alemanha – alguns dos principais países que
desencadearam uma verdadeira guerra econômica contra a Rússia,
propondo-se a asfixiar sua economia no curto prazo, excluindo-a do
sistema financeiro mundial, e aleijá-la no longo prazo, com o banimento
do petróleo e do gás russos dos mercados ocidentais.
Esse ataque econômico, fracassou nos seus objetivos imediatos, e pior
do que isto, vem provocando uma crise econômica de grandes proporções
nos países que lideraram as sanções contra a economia russa, em
particular nos países europeus. E o que é mais importante, os Estados
Unidos e seus aliados não conseguiram isolar e excluir a Rússia do
sistema econômico e político internacional. Apenas 21% dos
países-membros da ONU apoiaram as sanções econômicas impostas à Rússia, e
nestes quatro meses de guerra, a Rússia conseguiu manter e ampliar seus
negócios com a China, a Índia e com a maioria dos países da Ásia, do
Oriente Médio (incluindo Israel), da África e da América Latina
(incluindo o Brasil).
Nos últimos quatro meses de guerra, os superávits comerciais russos
alcançaram sucessivos recordes, e suas exportações de petróleo e gás do
último mês de maio foram superiores ao período anterior à guerra (U$
70,1 bilhões no primeiro trimestre, e U$ 138,5 bilhões no primeiro
semestre de 2022, o maior superavit comercial russo desde 1994). O mesmo
acontecendo, surpreendentemente, no caso das exportações russas para os
países europeus e para o mercado norte-americano, que cresceram neste
período, apesar do banimento oficial imposto pelo G7 e seus aliados mais
próximos.
A expectativa inicial do mercado financeiro era que o PIB russo
caísse 30%, a inflação chegasse à casa do 50% e que a moeda russa, o
rublo, se desvalorizasse algo em torno dos 100%. Depois de quatro meses
de guerra, a previsão é que o PIB russo caia uns 10%, a inflação foi
contida um pouco acima do nível em que estava antes da guerra, e o rublo
foi a moeda que mais se valorizou no mundo nesse período. Enquanto
isso, do outro lado desta nova “cortina financeira”, a economia
europeia vem sofrendo uma queda acentuada e pode entrar num período
prolongado de estagflação: nesses quatro meses de guerra e de sanções, o
euro se desvalorizou em 12%, e a inflação média do continente está em
torno de 8,5%, alcançando cerca de 20% em alguns países bálticos; e a
própria balança comercial da Alemanha, maior economia exportadora da
Europa, teve um saldo negativo no último mês de maio, no valor de 1
bilhão de dólares.
Tudo indica, portanto, que as “potências ocidentais” possam ter
calculado mal a capacidade de resistência de um país que, além de ser o
mais extenso, é também uma potência energética, mineral e alimentar,
sendo também a maior potência atômica mundial. Um fracasso (das
previsões) econômicas, do ponto de vista “ocidental”, que vem
repercutindo também no plano diplomático, onde a deterioração da
liderança americana vem ficando cada vez mais visível, como se pode
observar na viagem improvisada de Biden à Ásia, no insucesso da “Cúpula
da Democracia” e na “Cúpula das Américas”, na baixa receptividade das
posições americanas e ucranianas entre os países árabes e africanos, no
fracasso americano na sua tentativa de exclusão dos russos da reunião do
G20, em Bali, e na mais recente e desconfortável visita do presidente
americano à Arábia Saudita e ao seu principal desafeto da Casa de Saud, o
príncipe Mohammad bin Salman, que é acusado pelos próprios americanos
de haver matado e esquartejado um jornalista que lhe fazia oposição.
Quando se olha para estes fatos e números, consegue-se também
visualizar algumas das características da nova ordem mundial que está
nascendo à sombra dessa nova guerra europeia, como já aconteceu no caso
da Primeira e da Segunda Guerras Mundiais.
i) Pelo “lado oriental”, caso a Rússia não seja derrotada, e o mais
provável é que não o seja, seu simples ato de insubordinação contra a
ordem imposta na Europa pelos EUA e pela OTAN, depois de 1991, por si só
já inaugura uma nova ordenação internacional, com o surgimento de uma
potência com capacidade e disposição de rivalizar com o “ocidente” e
sustentar, com suas próprias armas, seus interesses estratégicos com
suas “linhas vermelhas” e seu próprio sistema de valores. Uma nova
potência capitalista que rompe o monopólio da “ordem internacional
pautada pelas regras” definidas há pelo menos três séculos pelos canhões
e canhoneiras euro-americanas, e sobretudo por seus povos de língua
inglesa. A Rússia rompe assim, definitivamente, qualquer tipo de
aproximação com a União Europeia, e em particular com os países do G7,
optando por uma aliança geopolítica e uma integração de largo fôlego com
a China e a Índia. E contribui, desta forma, para que a China assuma a
liderança e redefina radicalmente os objetivos do grupo do BRICS+, que
era um bloco econômico e agora está sendo transformado num verdadeiro
bloco alternativo ao G7, depois da provável inclusão de Argentina, Irã,
Egito, Turquia e a própria Arábia Saudita. Com cerca de 40% da população
mundial e um PIB quase igual ao do G7, já é hoje uma referência mundial
em franco processo de expansão e projeção global do seu poder.
ii. Pelo “lado ocidental”, por sua vez, o fato mais importante – caso
se confirme – será a derrota econômica das “potências econômicas
ocidentais” que não terão conseguido em conjunto asfixiar nem destruir a
economia russa. O uso militar das “sanções econômicas” será
desmoralizado, e as armas voltarão a prevalecer na Europa. Primeiro, com
a ascendência da OTAN, que substituirá, no curto prazo, o governo
dividido e fragilizado da União Europeia, transformando a Europa num
“acampamento militar” – com 300 mil soldados sob a bandeira da OTAN –
sob o comando real dos Estados Unidos. No médio prazo, entretanto, essa
nova configuração geopolítica deve aprofundar as divisões internas da
União Europeia, incentivando uma nova corrida armamentista entre seus
Estados-membros, liderada provavelmente pela Alemanha, que após 70 anos
de tutela miliar americana, retoma seu caminho militarista tradicional. E
assim, a Europa volta ao seu velho “modelo westfaliano” de competição
bélica, (falta algo – e com isso…) liquida sua utopia da unificação, se
desfaz definitivamente de seu modelo econômico de sucesso puxado pelas
exportações e sustentado pela energia barata fornecida pela Rússia.
iii. Por fim, pelo lado do “império americano”, a grande novidade e
mudança foi a passagem dos norte-americanos e seus aliados mais próximos
para uma posição defensiva e reativa. E esta foi ao mesmo tempo a sua
principal derrota nesta guerra: a perda de inciativa estratégica, que
passou, no campo militar, para as mãos da Rússia, no caso da Ucrânia e
no campo econômico, para as mãos da China no caso da Belt and Road. As
“potências ocidentais” parecem ocupadas em “tapar buracos” e “refazer
conexões” perdidas ao redor do mundo, enquanto o próprio conflito vai
explicitando a perda da liderança ocidental no sistema internacional,
com o rápido encolhimento da hegemonia secular dos valores europeus e da
supremacia militar global dos povos anglo-saxônicos. Nesta crise ficou
claro, mais do que nunca, o verdadeiro tamanho do G7, que costuma falar
em nome de uma “comunidade internacional” que não existe mais ou que foi
sempre uma ficção ou “narrativa” dos sete países que já foram os mais
ricos e poderosos do mundo. Mais do que isto, o próprio poder do
“capital financeiro” desregulado e globalizado está sendo posto em
xeque, com a explicitação da face parcial e bélica da “moeda
internacional” e o desnudamento da estrutura de poder estatal que se
esconde por trás de dois sistemas internacionais de troca de informações
financeira se pagamentos, o SWIFT (Society for Worldwide Interbank
Financial Telecommunication), que tem sua sede em Bruxelas, mas que que é
controlado, de fato, pelos Bancos Centrais de 10 Estados apenas, os
mesmos do G7 e mais Suécia, Suíça e Países Baixos. Ou seja, o mesmo
grupo de Estados e bancos nacionais que controlaram o sistema político e
econômico internacional nos últimos 300 anos e que agora estão sendo
questionados por esta “rebelião eurasiana”, Afinal, um “segredo de
Polichinelo” que foi guardado por muito tempo e com muita cautela: o
“capital financeiro globalizado” tem dono, obedece a ordens e pertence à
categoria das “tecnologias duais”: pode ser usado para acumular
riqueza, mas também pode ser usado como arma de guerra.
Resumindo: a nova ordem mundial está cada vez mais parecida com seu
modelo original criado pela Paz de Westfália de 1648. A grande diferença
é que agora esse sistema incorporou definitivamente a China, a Rússia, a
Índia e mais outros 180 países, e não terá mais uma potência ou região
do mundo que seja hegemônica e defina unilateralmente suas regras. Em
poucos anos, o sistema interestatal se universalizou, a hegemonia dos
valores europeus está acabando, o império americano encolheu, e o mundo
está passando de um “unilateralismo quase absoluto” para um
“multilateralismo oligárquico agressivo”, em trânsito na direção de um
mundo que viverá por um tempo sem uma potência hegemônica.
(*)Professor emérito de economia política e de
ética Internacionais dos Programas de Pós-graduação em Economia Política
Internacional (IE/UFRJ), e em Bioética e Ética Aplicada (PPGBIOS/UFRJ),
da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenador do GP do CNPQ,
“Poder Global e Geopolítica do Capitalismo”, e do Laboratório de “Ética e
Poder Global”, do NUBEIA/ UFRJ; pesquisador do Instituto de Estudos
Estratégicos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (INEEP). Publicou,
“Poder Global e a Nova Geopolítica das Nações”, Ed. Boitempo, SP, 2007,
“História, Estratégia e Desenvolvimento”, Ed. Boitempo 2014; “Sobre a
Guerra”, Ed. Vozes, Petrópolis, 2018; “A Síndrome de Babel”, Ed. Vozes,
2020; “Sobre a Paz”, Ed. Vozes, 2021
Eurásia. Os historiadores do futuro podem registrar este dia como aquele em que o geralmente imperturbável ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, decidiu que estava farto:
Estamos a habituar-nos ao fato de a União Europeia tentar impor restrições unilaterais, restrições ilegítimas e, nesta fase, partimos do pressuposto de que a União Europeia é um parceiro não confiável.
Josep Borrell, o chefe de política externa da UE, em visita oficial a Moscou, teve de levar o soco no queixo.
Lavrov, sempre um perfeito cavalheiro, acrescentou: “Espero que a revisão estratégica que terá lugar em breve venha a ser centrada nos interesses fundamentais da União Europeia e que estas conversações ajudem a tornar os nossos contatos mais construtivos”.
Ele referia-se à cimeira de chefes de Estado e de governo da UE no Conselho Europeu do próximo mês, onde discutirão a Rússia. Lavrov não abriga ilusões de que este “parceiros não confiáveis” venham a comportar-se como adultos.
Mas algo extremamente intrigante pode ser encontrado nas observações iniciais de Lavrov no seu encontro com Borrell: “O principal problema que todos enfrentamos é a ausência de normalidade nas relações entre a Rússia e a União Europeia – os dois maiores atores no espaço eurasiano. É uma situação doentia, que não beneficia ninguém”.
Os dois maiores atores no espaço da Eurásia (itálico meu). Deixe isto penetrar na sua cabeça. Retornaremos ao assunto num momento.
Tal como está, a UE parece irremediavelmente viciada em agravar esta “situação doentia”. A chefe da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, arruinou de forma memorável o jogo da vacina em Bruxelas. Essencialmente, ela enviou Borrell a Moscou a fim de pedir direitos de licenciamento para empresas europeias produzirem a vacina Sputnik V – que em breve será aprovada pela UE.
E ainda assim os eurocratas preferem mergulhar na histeria, promovendo as palhaçadas do ativista da NATO e vigarista condenado Navalny – o Guaidó russo.
Enquanto isso, do outro lado do Atlântico, sob a capa da “dissuasão estratégica” , o chefe do STRATCOM dos EUA, almirante Charles Richard, casualmente deixou escapar que “há uma possibilidade real de que uma crise regional com a Rússia ou a China possa escalar rapidamente para um conflito envolvendo armas nucleares, se eles sentissem que uma perda convencional ameaçaria o regime ou estado”.
Portanto, a culpa pela próxima – e final – guerra já está atribuída ao comportamento “desestabilizador” da Rússia e da China. Presume-se que eles estarão “a perder” – e então, num acesso de raiva, irão para o nuclear. O Pentágono não passará de uma vítima; afinal de contas, afirma o Sr. STRATCOM, não estamos “presos na Guerra Fria”.
Os planeadores do STRATCOM fariam melhor se lessem o excelente analista militar Andrei Martyanov, que durante anos esteve na linha de frente pormenorizando como o novo paradigma hipersónico – e não o das armas nucleares – mudou a natureza da guerra.
Após uma discussão técnica pormenorizada, Martyanov mostra como “os Estados Unidos simplesmente não têm boas opções actualmente. Nenhuma. A opção menos má, no entanto, é conversar com os russos e não em termos de asneirada geopolítica e sonhos eróticos de que os Estados Unidos, de alguma forma, podem convencer a Rússia a “abandonar” a China – os EUA não têm nada, zero, a oferecer à Rússia para isso. Mas pelo menos russos e americanos poderão finalmente resolver pacificamente essa “hegemonia” da asneira entre si e então convencer a China a finalmente sentar-se à mesa como um dos Três Grandes e decidir por fim como governar o mundo. Esta é a única possibilidade para os EUA de permanecerem relevantes no novo mundo. ”
A marca da Horda Dourada [1]
Por mais insignificantes que sejam as possibilidades de a UE debelar a “situação doentia” com a Rússia, não há evidências de que o que Martyanov delineou será contemplado pelo Estado Profundo estado-unidense.
O caminho pela frente parece inelutável: sanções perpétuas; expansão perpétua da NATO ao longo das fronteiras da Rússia; a acumulação de um anel de estados hostis em torno da Rússia; perpétua interferência dos EUA nos assuntos internos russos – completada com um exército de quinta colunistas; perpétua guerra de informação de espectro total.
Lavrov está a deixar claro como cristal que Moscou nada mais espera. Os factos no terreno, contudo, continuarão a acumular-se.
O Nordstream 2 será acabado – com ou sem sanções – e fornecerá o gás natural tão necessário à Alemanha e à UE. O vigarista condenado Navalny – 1% de “popularidade” real na Rússia – permanecerá na prisão. Cidadãos de toda a UE receberão o Sputnik V. A parceria estratégica Rússia-China continuará a solidificar-se.
Para entender como chegámos a esta horrivel confusão russofóbica, um roteiro essencial é fornecido pelo Conservadorismo Russo , um estudo novo e estimulante de filosofia política de Glenn Diesen, professor associado da Universidade do Sudeste da Noruega, conferencista na Escola Superior de Economia de Moscou e um de meus distintos interlocutores em Moscou.
Diesen começa por se concentrar no essencial: geografia, topografia e história. A Rússia é uma vasta potência terrestre sem acesso suficiente aos mares. A geografia, argumenta ele, condiciona os fundamentos de “políticas conservadoras definidas pela autocracia, um conceito ambíguo e complexo de nacionalismo e o papel duradouro da Igreja Ortodoxa” – algo que implica resistência ao “laicismo radical”.
É sempre crucial recordar que a Rússia não tem fronteiras naturais defensáveis; foi invadida ou ocupada por suecos, polacos, lituanos, pela Horda Dourada mongol, pelos tártaros da Crimeia e por Napoleão. Sem mencionar a imensamente sangrenta invasão nazi.
O que está numa palavra? Tudo: “segurança”, em russo, é byezopasnost. Acontece que isso é negativo, pois byez significa “sem” e opasnost significa “perigo”.
A complexa e única constituição histórica da Rússia sempre apresentou problemas sérios. Sim, havia estreita afinidade com o império bizantino. Mas se a Rússia “reivindicasse a transferência da autoridade imperial de Constantinopla, seria forçada a conquistá-la”. E reivindicar o sucessor, o papel e a herança da Horda de Ouro relegaria a Rússia ao status de apenas uma potência asiática.
Ao longo do caminho russo para a modernização, a invasão mongol provocou não só um cisma geográfico como imprimiu a sua marca na política: “A autocracia tornou-se uma necessidade após o legado mongol e o estabelecimento da Rússia como um império da Eurásia com uma vasta extensão geográfica mal conectada”.
“Um colossal Leste-Oeste”
Na Rússia o Oriente encontra o Ocidente. Diesen recorda-nos como Nikolai Berdiaev, um dos principais conservadores do século XX, já acertava em cheio em 1947: “A inconsistência e a complexidade da alma russa pode ser devido ao facto de que na Rússia duas correntes da história do mundo – Leste e Oeste – tropeçam e influenciam-se uma à outra (…) A Rússia é uma secção completa do mundo – um colossal Leste-Oeste”.
A ferrovia Transiberiana, construída para solidificar a coesão interna do império russo e projetar poder na Ásia, foi uma grande viragem de jogo: “Com assentamentos agrícolas russos a expandirem-se para o leste, a Rússia estava a substituir cada vez mais as antigas estradas que anteriormente controlavam e conectavam a Eurásia”.
É fascinante observar como o desenvolvimento da economia russa terminou na teoria das Terras Centrais (Heartland) [2] de Mackinder – segundo a qual o controle do mundo exigia o controle do supercontinente euro-asiático. O que aterrorizava Mackinder é que ferrovias russas a conectarem a Eurásia minariam toda a estrutura de poder da Grã-Bretanha como um império marítimo.
Diesen também mostra como o eurasianismo – surgido na década de 1920 entre os émigrés em resposta a 1917 – foi de facto uma evolução do conservadorismo russo.
O eurasianismo, por uma série de razões, nunca se tornou um movimento político unificado. O núcleo do eurasianismo é a noção de que a Rússia não era um mero estado do Leste Europeu. Após a invasão mongol do século XIII e a conquista dos reinos de Tátaros no século XVI, a história e geografia da Rússia não poderia ser apenas europeia. O futuro exigiria uma abordagem mais equilibrada – e envolvimento com a Ásia.
Dostoievski já o havia enquadrado de maneira brilhante, antes de mais ninguém, em 1881:
Os russos são tão asiáticos quanto europeus. O erro da nossa política nos últimos dois séculos tem sido o de fazer os cidadãos europeus acreditarem que somos verdadeiros europeus. Servimos demasiado bem a Europa, participámos demasiado nas suas querelas internas (…) Curvámo-nos como escravos perante os europeus e só ganhámos o seu ódio e desprezo. É hora de nos afastarmos da ingrata Europa. Nosso futuro está na Ásia.
Lev Gumilev foi indiscutivelmente a estrela maior de uma nova geração de eurasianistas. Ele argumentou que a Rússia fora fundada numa coligação natural entre eslavos, mongóis e turcos. The Ancient Rus and the Great Steppe, publicado em 1989, teve um impacto imenso na Rússia após a queda da URSS – como aprendi em primeira-mão com meus anfitriões russos ao chegar a Moscou pelo Transiberiano no Inverno de 1992.
Segundo Diesen, Gumilev estava a apresentar uma espécie de terceira via, para além do nacionalismo europeu e do internacionalismo utópico. A Universidade Lev Gumilev foi fundada no Cazaquistão. Putin referiu-se a Gumilev como “o grande eurasiano de nosso tempo”.
Diesen recorda-nos que em George Kennan, em 1994, reconheceu a luta conservadora por “este país tragicamente ofendido e espiritualmente diminuído”. Putin, em 2005, era muito mais perspicaz. Ele enfatizou, o colapso da União Soviética foi a maior catástrofe geopolítica do século. E para o povo russo foi um verdadeiro drama (…) Os velhos ideais foram destruídos. Muitas instituições foram desmanteladas ou simplesmente reformadas às pressas com controle irrestrito sobre os fluxos de informação, grupos de oligarcas serviram exclusivamente aos seus próprios interesses corporativos. A pobreza em massa começou a ser aceite como a norma. Tudo isso evoluiu num cenário da mais severa recessão económica, finanças instáveis e paralisia na esfera social.
Aplicando “democracia soberana”
E assim chegamos à crucial questão europeia.
Na década de 1990, liderada por atlantistas, a política externa russa concentrava-se na Grande Europa, um conceito baseado na Casa Comum Europeia de Gorbachev.
E, no entanto, a Europa pós-Guerra Fria, na prática, acabou por configurar-se como a expansão ininterrupta da OTAN e o nascimento – e expansão – da UE. Toda espécie de contorcionismos liberais foram implantados para incluir toda a Europa, mas excluindo a Rússia.
Diesen tem o mérito de resumir todo o processo numa única frase: “A nova Europa liberal representava uma continuidade anglo-americana nos termos das potências marítimas e do objetivo de Mackinder de organizar o relacionamento germano-russo num formato de soma zero para impedir o alinhamento de interesses”.
Não é de admirar que Putin, posteriormente, tivesse de ser erigido como o Espantalho Supremo, ou “o novo Hitler”. Putin rejeitou completamente o papel da Rússia de mero aprendiz da civilização ocidental – e o seu corolário, a hegemonia (neo)liberal.
Ainda assim, ele permaneceu bastante acomodatício. Em 2005, sublinhou Putin, “acima de tudo a Rússia foi, é e será, naturalmente, uma grande potência europeia”. O que ele pretendia era dissociar o liberalismo da política de poder – pela rejeição dos fundamentos da hegemonia liberal.
Putin estava a dizer que não existe um modelo democrático único. Isso acabou por ser conceitualizado como “democracia soberana”. A democracia não pode existir sem soberania; de modo que descarta a “supervisão” ocidental para fazê-la funcionar.
Diesen observa agudamente que se a URSS fosse um “eurasianismo de esquerda radical, algumas de suas características eurasianas poderiam ser transferidas para o eurasianismo conservador”. Diesen observa como Sergey Karaganov, por vezes mencionado como o “Kissinger russo”, mostrou “que a União Soviética foi fundamental para a descolonização e deu os meios para a ascensão da Ásia ao privar o Ocidente da capacidade de impor sua vontade ao mundo através da força militar, a qual o Ocidente impusera a partir desde o século XVI até a década de 1940”.
Isso é amplamente reconhecido em vastas extensões do Sul Global – desde a América Latina e África até o Sudeste Asiático.
Península ocidental da Eurásia
Assim, após o fim da Guerra Fria e o fracasso da Grande Europa, o pivot de Moscovo para a Ásia para construir a Grande Eurásia não podia deixar de ter um ar de inevitabilidade histórica.
A lógica é impecável. Os dois centros geoeconomicos da Eurásia são a Europa e o Leste Asiático. Moscovo quer conectá-los economicamente dentro de um supercontinente: é onde a Grande Eurásia se junta ao Belt and Road Initiative (BRI) da China. Mas então há a dimensão extra-russa, como nota Diesen: a “transição da periferia usual desses centros de poder rumo ao centro de uma nova construção regional”.
De uma perspectiva conservadora, enfatiza Diesen, “a economia política da Grande Eurásia permite que a Rússia supere sua obsessão histórica com o Ocidente e estabeleça um caminho russo orgânico para a modernização”.
Isso implica o desenvolvimento de indústrias estratégicas; corredores de conectividade; instrumentos financeiros; projetos de infraestrutura para conectar a Rússia europeia com a Sibéria e a Rússia do Pacífico. Tudo isso sob um novo conceito: uma economia política industrializada e conservadora.
A parceria estratégica Rússia-China passa a ser ativa em todos esses três sectores geoeconomicos: indústrias estratégicas/ plataformas tecnológicas, corredores de conectividade e instrumentos financeiros.
Isso impulsiona a discussão, mais uma vez, para o imperativo categórico supremo: o confronto entre a Heartland e uma potência marítima.
As três grandes potências eurasianas, historicamente, eram os citas, os hunos e os mongóis. A razão chave para a sua fragmentação e decadência é que não foram capazes de alcançar – e controlar – as fronteiras marítimas da Eurásia.
A quarta grande potência eurasiana foi o império russo – e seu sucessor, a URSS. Uma razão chave para o colapso da URSS é que, mais uma vez, ela não foi capaz de alcançar – e controlar – as fronteiras marítimas da Eurásia.
Os EUA impediram-no ao aplicar uma combinação de Mackinder, Mahan e Spykman. A estratégia dos Estados Unidos até ficou conhecida como mecanismo de contenção Spykman-Kennan – todos estes “posicionamentos avançados” na periferia marítima da Eurásia, na Europa Ocidental, no Leste Asiático e no Médio Oriente.
Todos nós sabemos agora como a estratégia offshore geral dos EUA – bem como a principal razão para os EUA entrarem na Primeira e Segunda Guerras Mundiais – foi evitar por todos os meios necessários a emergência de uma hegemonia euro-asiática.
Quanto aos EUA como poder hegemónico, em 1997 isso foi brutalmente conceptualizado – com a característica arrogância imperial – pelo Dr. Zbig “Grande Tabuleiro de Xadrez” Brzezinski: “Para evitar conivência e manter a dependência de segurança entre os vassalos, manter os tributários flexíveis e protegidos, além de impedir que os bárbaros se juntem”. O bom e velho Divide e Impera, aplicado via “dominância do sistema”.
É esse sistema que está agora a desmoronar – para desespero dos suspeitos de sempre. Diesen nota como, “no passado, empurrar a Rússia para a Ásia relegaria a Rússia à obscuridade económica e eliminaria o seu status como potência europeia”. Mas agora, com o centro de gravidade geoeconômica a mudar para a China e o Leste Asiático, é um cenário totalmente novo.
A demonização da Rússia-China 24 horas por dia, 7 dias por semana, a par da mentalidade de “doentia” dos apaniguados da UE, só ajuda a impulsionar a Rússia cada vez para mais perto da China exatamente no momento crítico em que a dominação do mundo pelo ocidente que remonta há dois séculos está a chegar ao fim, como André Gunder Frank provou conclusivamente.
Diesen, talvez de modo muito diplomático, espera que “as relações entre a Rússia e o Ocidente no fim das contas também acabem por mudar com a ascensão da Eurásia. A estratégia hostil do Ocidente para com a Rússia está condicionada à ideia de que esta não tem para onde ir e que deve aceitar seja o que for que o Ocidente oferece em termos de “parceria”. A ascensão do Oriente altera fundamentalmente o relacionamento de Moscou com o Ocidente, permitindo à Rússia diversificar suas parcerias”.
Podemos estar a aproximar-nos rapidamente do ponto em que a Rússia da Grande Eurásia apresentará à Alemanha uma oferta do tipo pegar ou largar. Ou construímos a Heartland em conjunto ou a construiremos com a China – e vocês serão apenas um espectador histórico. É claro que sempre há a possibilidade remota de um eixo Berlim-Moscou-Pequim. Coisas mais estranhas já aconteceram.
Enquanto isso, Diesen está confiante em que “as potências terrestres da Eurásia acabarão por incorporar a Europa e outros estados da periferia interna da Eurásia. Lealdades políticas mudarão progressivamente à medida que os interesses economicos se voltem para o Leste – e a Europa está gradualmente a tornar-se a península ocidental da Grande Eurásia”.
Tema de meditação para os vendedores ambulantes peninsulares da “situação doentia”.
NT
[1] A Horda Dourada foi um canato mongol, posteriormente turquizado, estabelecido no século XIII. Com a fragmentação do Império Mongol após 1259 tornou-se um canato funcionalmente separado.
[2] ” The Geographical Pivot of History ” é o título de um artigo apresentado por Halford John Mackinder à Royal Geographical Society. Nele era avançada a Teoria das Terras Centrais (Heartland Theory) e Mackinder estendia o âmbito da análise geopolítica a todo o globo.
Pepe Escobar é jornalista. Muitos dos seus livros estão em Book Depository .
Revoltante e irresponsável. E de ambos os lados. O que está acontecendo nas fronteiras da Venezuela não é fornecimento de ajuda humanitária, mas o uso político dela. Isso é um crime, afirma Astrid Prange.
Deutsche Welle
Vamos deixar uma coisa bem clara: a população da Venezuela precisa de ajuda humanitária. O número de pessoas que luta pela simples sobrevivência aumenta a cada dia, e o fornecimento de alimentos e medicamentos é uma catástrofe no país.
Tanto pior, portanto, que o autointitulado presidente interino Juan Guaidó e seus apoiadores abusem da ajuda humanitária e a usem como instrumento de poder. Aparecer do lado de pacotes de comida para bebê rende boas imagens para a televisão, mas pouca credibilidade política.
Pior ainda é o presidente Nicolás Maduro. O sucessor de Hugo Chávez arruinou economicamente o país, e de forma sistemática. Ele mandou prender os adversários políticos, tirou poder do Parlamento, que é dominado pela oposição, e abandonou a população à própria sorte.
Agora, a ajuda humanitária deve servir, para os dois lados, de cobertura para o fracasso político. As sanções contra o regime de Maduro, impostas desde 2015 pelos Estados Unidos, não tiveram o "sucesso" esperado, ou seja, a queda do "Socialismo do Século 21".
Elas apenas aceleraram o declínio da Venezuela e empurraram Maduro cada vez mais para os braços de Moscou e Pequim. Na semana passada, Maduro falava que não havia fome na Venezuela. Agora, ele anuncia, às vésperas do embate de 23 de fevereiro, que 300 toneladas de ajuda humanitária estão chegando da Rússia.
A Rússia é o principal aliado da Venezuela. Já nos tempos de Chávez, o Kremlin enviava armas para as Forças Armadas venezuelanas. Além disso, Caracas deve 12 bilhões de dólares para Moscou – como garantia para empréstimos, a Venezuela empenhou nada menos que a metade das ações da Citgo, uma rede de postos de gasolina nos Estados Unidos que pertence à estatal petrolífera PDVSA.
A Rússia tem, com isso, dois trunfos contra o presidente Donald Trump: por meio da Citgo, pode influenciar o abastecimento de combustíveis nos Estados Unidos; e, por meio da presença na Venezuela, se estabeleceu como importante ator internacional, ao lado da China e dos EUA, na América Latina.
O mais novo exemplo é o veto da Rússia no Conselho de Segurança da ONU, na semana passada. À resolução dos EUA que exigia novas eleições e ajuda humanitária, Moscou contrapôs seu próprio projeto de resolução.
O imbróglio deixa antever um retorno à Guerra Fria. Que ela tenha como palco justamente a América Latina é especialmente trágico. Afinal, a confrontação entre os Estados Unidos e a Rússia foi oficialmente encerrada apenas em 2014, com a normalização das relações diplomáticas entre EUA e Cuba.
Se houvesse um real interesse em enviar ajuda humanitária para a população da Venezuela, agências da ONU, como o Programa Alimentar Mundial, poderiam levar alimentos para o país – se necessário, com um mandato do Conselho de Segurança. Organizações de ajuda humanitária americanas e russas, bem como doadores de todo o mundo, poderiam entregar suas remessas para a ONU em vez de usá-las para elevar a divisão política dentro do país.
E ainda mais importante: o governo da Venezuela poderia, ele mesmo, pedir ajuda à comunidade internacional. Ajuda humanitária também poderia ser transportada a pé, por voluntários, por outros pontos da fronteira além de Cúcuta – sem toda essa cobertura midiática.
O atual uso político da ajuda humanitária é tudo menos humanitário. Ele faz uma população inteira refém e transforma quem presta ajuda humanitária em cúmplice de uma acirrada disputa política de poder. Isso é um crime.
______________ A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
EUA preparam a hiperguerra: armas autônomas
e decisões de ataque (inclusive nuclear) tomadas por máquinas, em vez
de humanos. Quais as consequências? Como China e Rússia responderão?
Publicado 10/01/2019 às 16:17 - Atualizado 10/01/2019 às 19:11
Por Michal T. Klare, em TomDispatch| Traduzido por Marianna Braghini e Felipe Calabrez
Nada é mais certo de que o lançamento de armas atômicas poderia provocar um holocausto nuclear. O presidente norte-americano John F. Kennedy deparou-se com tal momento durante a Crise dos Mísseis de Cuba em 1962. Depois de pressentir o resultado catastrófico de um confronto nuclear entre EUA e União Soviética, ele chegou à conclusão que as potências atômicas deveriam impor barreiras ao uso precipitado uso de tal armamento. Entre as medidas, ele e outros líderes globais adotaram diretrizes, requerendo que funcionários de alto nível, não apenas militares, tivessem um papel em qualquer decisão de lançamento de armas atômicas.
O risco existia antes e, claro, perdura. E como! Como a inteligência artificial, (IA) exerce um papel cada vez maior em assuntos militares — aliás, em toda nossa vida — o papel dos humanos, mesmo em uma decisão do uso nuclear, tende a ser progressivamente minimizado. Aliás, em algum futuro mundo saturado de IA, este papel poderia desaparecer completamente, deixando que as máquinas determinem o futuro da humanidade.
Isso não é uma conjectura qualquer, baseada em filmes de ficção científica ou narrativas distópicas. É bem real, aqui e agora ou ao menos aqui e em breve. Quando o Departamento de Defesa dos EUA — o Pentágono — e o comando militar de outras grandes potências olham para o futuro, o que eles veem é um campo de batalha altamente disputado — alguns chamaram de um ambiente de hiperguerra [hyperwar] — com vastos enxames de armas robóticas guiadas por IA, que se enfrentarão em uma velocidade superior ao que os comandantes militares conseguem acompanhar no curso de uma batalha. Em tal momento, pensa-se, os comandantes podem cada vez mais ser forçados a depender de máquinas, nunca antes tão “inteligentes”, para tomar decisões sobre qual armamento deve ser utilizado, quando e onde. A princípio, isso pode não se estender para armas nucleares, mas à medida em que a velocidade da batalha aumenta e as fronteiras entre estas e o armamento convencional se reduzem, pode ser impossível prevenir a automação até mesmo na tomada de decisão de lançamento de armas nucleares.
A “minimização da tomada de decisão por humanos” terá profundas implicações para o futuro dos combates. Tal resultado só pode crescer, à medida em que a força militar dos EUA se realinhar, transformar de uma organização voltada para guerras assimétricas e contra-terrorismo para outras, voltada ao combate direto contra China e Rússia. Essa mudança foi demandada pelo Departamento de Defesa em sua Estratégia de Segurança Nacional (National Security Strategy,) em dezembro de 2017. Em vez de se focar majoritariamente em armamento e táticas voltadas ao combate de insurgentes mal armados em conflitos perpétuos de pequena escala, o poder militar americano está sendo redesenhado para combater as bem equipadas forças russas e chinesas em diversas dimensões (céu, mar, terra, espaço, ciberespaço) e envolvendo sistemas de múltiplos ataques (tanques, aviões, mísseis, foguetes) e operando com mínima supervisão humana.
“O principal efeito/resultado de todas estas capacidades, quando articuladas, será uma inovação que a guerra jamais viu antes: a minimização das tomadas de decisão por humanos na vasta maioria de processos tradicionalmente requeridos para promover uma guerra,” observaram o General dos Marines, John Allen, e o empreendedor de AI, Amir Hussain. “Nesta era próxima era da hiperguerra, veremos humanos provendo insumos amplos e de alto nível, enquanto as máquinas realizam o planejamento, execução e adaptação à realidade das missões, e retiram o fardo de milhares de decisões individuais sem nenhum insumo adicional.
“O principal efeito/resultado de todas estas capacidades, quando articuladas, será uma inovação que a guerra jamais viu antes: a minimização das tomadas de decisão por humanos na vasta maioria de processos tradicionalmente requeridos para promover uma guerra,” observou o General dos Marines, John Allen, e o empreendedor de IA, Amir Hussain. “Nesta era próxima da hiperguerra [hyperwar], veremos humanos provendo insumos amplos e de alto nível, enquanto as máquinas realizam o planejamento, execução e adaptação à realidade das missões, e retiram o fardo de milhares de decisões individuais sem nenhum benefício adicional.
A “minimização da tomada de decisão por humanos” terá profundas implicações para o futuro do combate. Geralmente, líderes nacionais buscam controlar o ritmo e a direção da batalha para assegurar o melhor desfecho possível, mesmo que isso signifique cessar o conflito para evitar maiores perdas ou prevenir um desastre humanitário. Máquinas, ou até mesmo máquinas inteligentes, são provavelmente incapazes de avaliar o contexto social e político do combate. Ativá-las pode muito bem desembocar em situações que se agravam descontroladamente.
Podem passar anos, talvez décadas, antes que as máquinas substituam o papel dos humanos em decisões militares sérias, mas este tempo está no horizonte. Quando se trata de controle do sistema de armamentos por IA, como afirmou o secretário de Defesa dos EUA, Jim Mattis, em uma entrevista recente: “No futuro próximo, haverá um elemento humano significativo. Talvez por dez anos, talvez por quinze. Mas não por cem.”
Por que Inteligência Artificial?
Mesmo cinco anos atrás, havia poucos no establishment militar que davam atenção ao papel de IA ou da robótica quando se tratava de grandes operações de combate. Sim, aeronaves pilotadas remotamente (RPA), ou drones, foram amplamente usadas na África e Grande Oriente Médio para caçar combatentes inimigos. Mas são operações largamente auxiliares (e as vezes da CIA), que visam aliviar pressão nos comandos dos EUA e forças aliadas, lançadas contra bandos dispersos de extremistas violentos. Além disso, os RPA’s de hoje são ainda controladas por operadores humanos, mesmo de suas remotas localizações e fazem pouco uso de sistemas de ataque e de identificação de humanos providos de IA. No futuro, no entano, espera-se que estes sistemas povoem grande parte de qualquer espaço de batalha, substituindo humanos em muitos ou mesmo na maioria das funções de combate.
Para acelerar esta transformação, o departamento de Defesa já está gastando centenas de milhões de dólares em pesquisas relacionadas a IA. “Não podemos esperar sucesso nas lutas de amanhã com o pensamento, armamento ou equipamento de ontem,” disse o secretário Mattis ao Congresso, em abril. Para assegurar uma contínua supremacia militar, ele adicionou, o Pentágono teria que focar mais em “investimento em inovação tecnológica para aumentar letalidade, incluindo pesquisas de avançados sistemas autônomos, inteligência artificial e hipersônicos.”
Por que a repentina enfase em IA e robótica? Tudo começa, é claro, com o surpreendente progresso feito pela comunidade tecnologica — muito dela assentada no Vale do Silício, Califórnia — no aprimoramento de IA e sua aplicação em múltiplas funções, incluindo identificação de imagens e reconhecimento de voz. Uma dessas aplicações, a Alexa Voice Services, é o sistema de computação por trás do alto falante inteligente da Amazon, que pode usar a Internet não só para executar, mas interpretar seus comandos. (“Alexa, toque música clássica.” “Alexa, me diga a previsão do tempo de hoje.” “Alexa, ligue as luzes.”) Outro tipo de aplicação são os veículos autônomos, que talvez revolucionem o transporte.
Inteligência Artificial é uma tecnologia omni-uso, empregável para tudo, explicam analistas do Congressional Research Service, uma agência apartidária de informação, “ao passo em que tem o potencial de ser virtualmente integrada a tudo”. É também uma tecnologia de uso dual que pode ser aplicada apropriadamente tanto para propósitos militares como para civis. Carros autônomos, por exemplo, dependem de algoritmos especializados para processar informação de qualquer matriz de sensores monitorando condições de tráfego, e então decidir por qual rota seguir, quando mudar de faixa e assim por diante. A mesma tecnologia, e versões reconfiguradas dos mesmos algoritmos, um dia serão aplicadas para tanques autônomos soltos no campo de batalha. Similarmente, um dia, aeronaves drone — sem operadores humanos em localidades distantes — serão capazes de analisar um campo de batalha para alvos determinados (tanques, sistemas de radar, combatentes), determinando que aquilo que “vê” está de fato em sua lista de alvos, e “decidindo” lançar um míssel sobre a pessoa ou objeto.
Não é necessário um cérebro particularmente ágil para entender por que oficiais do Pentágono buscariam se munir com tal tecnologia. Eles acham que ela lhes dará uma considerável vantagem em futuras guerras. Qualquer conflito de grande escala entre EUA, China ou Rússia (ou ambas) seria, para dizer o mínimo, extremamente violento, com possivelmente centenas de navios de guerra e muitos milhares de aeronaves e veículos armados. Em tal ambiente, a velocidade na tomada de decisão, desdobramento e envolvimento será, sem dúvidas, um importante acessório. Num futuro de armamentos super inteligentes, precisamente guiados, quem atirar primeiro terá uma melhor chance de sucesso, ou até mesmo sobrevivência, do que um adversário que só consegue atirar devagar. Humanos podem se mover rapidamente em tais situações quando forçados a fazê-lo, mas as máquinas futuras irão agir muito mais rápido, além de acompanhar mais variáveis do campo de batalha.
Como o General Paul Selva, vice-diretor do Grupo Conjunto de Comando dos EUA, disse ao Congresso de seu país, em 2017, “é muito convincente quando se obseva as capacidades que a inteligência artificial pode trazer para a velocidade e precisão dos comandos e controle, e as capacidades que a robótica avançada pode trazer para um campo de batalha complexo, particularmente de interação entre máquinas no espaço e ciberespaço, onde velocidade é a essência.”
Além de buscar a exploração de IA no desenvolvimento de seu próprio armamento, os oficiais militares dos EUA estão intensamente conscientes de que seus principais adversários também estão avançando no armamento de IA e robótica, buscando novas maneiras de superar as vantagens norte-americanas em armamento convencional. De acordo com o Congressional Research Service, por exemplo, a China está investindo pesado no desenvolvimento de inteligência artificial e sua aplicação para propósitos militares. Apesar de não ter a base tecnologica nem da China nem dos EUA, a Rússia esta similarmente correndo para desenvolver IA e robótica. Qualquer liderança significativa da Rússia ou China em tais tecnologias emergentes, que podem ameaçar a superioridade militares dos EUA, seria intolerável para o Pentágono.
Não é surpreendente então, na tendência das corridas armamentistas passadas (desde o desenvolvimento de navios de guerra pré I Guerra Mundial ao armamento nuclar da Guerra Fria), que uma “corrida armamentista pela IA” esteja a caminho, com os EUA, China, Rússia e outras nações (incluindo Grã-Bretanha, Israel e Coréia do Sul) buscando ganhar uma vantagem significativa no armamento da inteligência artificial e robótica. Oficiais do Pentágono regularmente citam o avanço da China em IA quando buscam financiamento do Congresso aos seus projetos, assim como oficiais militares chineses ou russos sem dúvida citam os norte-americanos para financiar seus próprios projetos nacionais. Na corrida armamentista clássica, essa dinâmica já está acelerando o ritmo de desenvolvimento de sistemas operados por IA e assegurando sua predominância na futura guerra.
Comando e Controle
No ritmo em que se desdobra essa guerra armamentista, a inteligência artificial será aplicada a todo aspecto da guerra, de logística e vigilância até identificação de alvos e gerência de batalhas. Veículos robóticos acompanharão tropas no campo de batalha, carregando suprimentos e atirando contra posições inimigas. Enxames de drones armados irão atacar tanques inimigos, radares e centros de comando. Veículos submarinos não tripulados (UUV) irão perseguir submarinos inimigos e navios na superfície. No início do combate, todos estes instrumentos serão, sem dúvidas, controlados por humanos. Ao passo em que se intensifica o combate, entretanto, a comunicação entre as sedes e linhas de frente pode muito bem ser perdida, e tais sistemas irão, de acordo com cenários militares que já estão sendo escritos, agir por si mesmos, com o poder de tomar ações letais sem nova intervenção humana.
A maior parte do debate sobre a aplicação de IA e seu futuro campo de batalha focou na moralidade de empoderar máquinas totalmente autônomas — às vezes chamadas de robos assassinos” — com a capacidade de tomar decisões de vida ou morte por si mesmas, ou se o uso de tais sistemas violaria a legislação de guerra e o direito humanitário internacional. Tais convicções requerem que os promotores da guerra sejam capazes de distinguir entre combatentes e civis no campo de batalha e poupar danos a estes últimos na maior extensão possível. Defensores da nova tecnologia alegam que máquinas irão se tornar inteligentes o suficiente para realizar tais distinções por elas mesmas, enquanto oponentes insistem que elas jamais irão se provar capazes de realizar tais distinções no calor da batalha e seriam incapazes de demonstrar compaixão quando apropriado. Um conjunto de organizações de direitos humanos e organizações humanitárias lançaou a Campanha para Parar Robôs Assassinos, com o objetivos de obter um banimento internacional do desenvolvimento de sistemas bélicos integralmente autônomos.
Ao mesmo tempo, um debate de consequências provavelmente mais importantes está emergindo no meio militar sobre a aplicação de IA no sistemas de comando e controle (CC) – isto é, para que os oficiais superiores comuniquem as principais ordens às suas tropas. Generais e almirantes sempre buscam maximizar a confiabilidade dos sistemas CC para garantir que suas intenções estratégicas sejam cumpridas da forma mais completa possível. Na era atual, tais sistemas são profundamente dependentes de sistemas seguros de comunicação por rádio e satélite que se estendem da sede até as linhas de frente. Entretanto, os estrategistas temem que, em um futuro ambiente de hiper-guerra, tais sistemas possam ser bloqueados ou degradados, assim como a velocidade dos combates comece a exceder a capacidade dos comandantes de receber relatórios de campo de batalha, processar os dados e despachar pedidos em tempo hábil. Considere isso como uma definição funcional do infame nevoeiro da guerra multiplicado pela inteligência artificial – com a derrota como um resultado provável. A resposta para tal dilema para muitos oficiais militares: deixar que as máquinas assumam esses sistemas também. Como um relatório do Serviço de Pesquisa do Congresso dos EUA sustenta, no futuro, “os algoritmos de inteligência artificial podem fornecer aos comandantes cursos de ação viáveis baseados na análise em tempo real do espaço de batalha, o que permitiria uma adaptação mais rápida aos eventos que se desdobram”.
E algum dia, é claro, é possível imaginar que as mentes por trás de tal decisão deixarão de ser humanas. Os dados recebidos dos sistemas de informação do campo de batalha seriam canalizados para processadores de IA focados na avaliação de ameaças iminentes e, dadas as limitações de tempo envolvidas, executando o que eles consideram as melhores opções sem instruções humanas.
Oficiais do Pentágono negam que busquem qualquer um desses propósitos em sua pesquisa relacionada à IA. Eles reconhecem, no entanto, que podem pelo menos imaginar um futuro em que outros países delegam a tomada de decisões às máquinas e os EUA não veem outra opção senão seguir o exemplo, para não perder o terreno estratégico. “Não delegaremos autoridade letal a uma máquina para tomar uma decisão”, disse Robert Scharre, subsecretário de Defesa Robert Work, do Centro para uma Nova Segurança Americana em uma entrevista de 2016. Mas ele acrescentou a advertência usual: no futuro, “podemos nos colocar contra um concorrente que está mais disposto a delegar autoridade às máquinas do que nós e quando a competição se desenrolar, teremos que tomar decisões sobre como competir. “
“A decisão do juízo final”
A suposição na maioria desses cenários é a de que os EUA e seus aliados estarão engajados em uma guerra convencional contra a China e/ou Rússia. Tenhamos em mente então que que a própria natureza de uma futura hiperguerra promovida por IA só aumentaria o risco de que conflitos convencionais pudessem cruzar um limiar que nunca foi atravessado antes: uma guerra nuclear real entre dois Estados nucleares. E, caso isso aconteça, esses sistemas CC com tecnologia IA poderão, mais cedo ou mais tarde, encontrar-se em posição de lançar armas atômicas.
Tal perigo surge da convergência de múltiplos avanços na tecnologia: não apenas IA e robótica, mas o desenvolvimento de capacidades de ataque convencionais como mísseis hipersônicos capazes de voar a cinco ou mais vezes a velocidade do som, canhões eletromagnéticos e lasers de alta energia. Tais armas, embora não nucleares, quando combinadas com sistemas de identificação de alvos e vigilância de IA, poderiam até atacar as armas de retaliação de um inimigo, ameaçando assim eliminar sua capacidade de lançar uma resposta a qualquer ataque nuclear. Dado tal cenário de “use-os ou perca-os”, qualquer potência pode estar inclinada a não esperar, mas a lançar suas armas nucleares ao primeiro sinal de possível ataque, ou mesmo, temendo perda de controle em um engajamento incerto e acelerado, delegar autoridade de lançamento para suas máquinas. E uma vez que isso acontecesse, poderia ser quase impossível impedir uma nova escalada.
Surge então a questão: as máquinas tomariam melhores decisões que os humanos em tal situação? Elas certamente são capazes de processar grandes quantidades de informação em breves períodos de tempo e pesar os prós e contras de ações alternativas de uma maneira completamente sem emoção. Mas as máquinas também cometem erros militares e, acima de tudo, carecem da capacidade de refletir sobre uma situação e concluir: parem com essa loucura. Nenhuma vantagem de batalha vale a aniquilação humana global.
Como Paul Scharre pontuou em Army of None, um novo livro sobre IA e guerra, “Humanos não são perfeitos, mas eles podem criar empatia pelos seus oponentes e enxergar o quadro maior. Ao contrário deles, armas autônomas não teriam capacidade de compreender as consequências de suas ações, nem a capacidade de se afastar da beira da guerra.
Então, talvez devêssemos pensar duas vezes antes de dar à futura versão militarizada do Alexa o poder de lançar um Armagedon provocado por uma máquina.