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Por Roberto Gonçalves de Lima*
Nós criamos nossos filhos com medo. Os ensinamos a viver a partir do medo. Medo de atravessar a rua e ser atropelado em cima da faixa de segurança, de se dirigir a um policial pedindo ajuda e acabar levando um tiro, de sofrer um acidente e não obter o socorro adequado do plano de saúde que pagamos religiosamente há vinte anos, de morrer asfixiado em uma boate superlotada para dar uma noite de lucro maior aos seus donos irresponsáveis.
Pais preocupados da classe média passam madrugadas levando e
trazendo seus filhos de festas, casas de amigos, casas noturnas, com
medo que sejam colhidos pela morte num acidente de trânsito, numa
overdose, ou num assalto. Pais que não têm carro simplesmente não
encontram alternativa outra que não seja vibrar com muita força todas as
células do próprio corpo em orações infindáveis, até que ouçam o
barulho da chave na porta de casa.
Mas por que estamos vivendo assim? Em nome de que?
O que a tragédia de Santa Maria mostra é a face mais podre, mas
inexplicável do capitalismo, pois em função de algum lucro a mais,
empreendedores de todos os tipos de negócio são capazes de menosprezar
as mínimas condições de segurança, o que significa que são capazes de
menosprezar a vida sem o menor pudor, desde que isso assegure mais
dinheiro.
Quando deixamos de considerar o dinheiro como um meio de ganhar a
vida, e passamos a considerar a vida um meio de ganhar dinheiro,
sobretudo a vida dos outros, é que algo operou em nós uma inversão
perversa que só pode levar, necessariamente, à implosão do sentido de
sociedade, de civilização e de humanidade.
O que presenciamos diariamente é a busca desenfreada do lucro nos
jogando em uma arena de feras desesperadas lutando pela sobrevivência, e
é isso que chamamos hoje em dia de Cidade. Mas por que mesmo estamos
fazendo isso?
A agenda do Capital, executada com disciplina pelos meios de
comunicação, faz com que nós, os socialistas, passemos o tempo todo
tentando justificar a necessidade de um Estado regulador e de mecanismos
de controle social a partir dos possíveis resultados econômicos
positivos que isso traria. Está errado, ao menos está manco, incompleto.
Deveríamos perder mais tempo mostrando para a sociedade que sua
participação e fiscalização efetiva sobre os processos e instituições
mais relevantes, como parte constitutiva de um Estado regulador, pode e
deve ser o instrumento adequado para a valorização da vida, ou mais,
pode e deve ser parte de uma estratégia maior para recuperar a vida como
centro gerador de sentido, tanto nas ações do governo como do mercado, o
que inclui os donos de boate, e que essa é a grande proposta da
esquerda para esse planeta: trazer a vida para o centro organizador da
vida.
Há uma agenda abandonada pela esquerda, que só pontua de quando em
vez em grandes eventos como a Rio+20, ou quando uma tragédia traz à tona
a necessidade de debater os parâmetros pelos quais orientamos nosso
comportamento em sociedade.
Precisamos retomar essa agenda e mostrar que nunca haverá solução
efetiva para tragédias como a de Santa Maria, enquanto a ganância e o
lucro estiverem definindo e justificando os nossos padrões de
comportamento, que não haverá perspectiva de deixarmos de criar nossos
filhos pelo medo, enquanto o respeito à vida, não só a humana, não for o
sentido definidor do Direito, da Política, da Economia, da Educação, da
Arte e de tudo mais que produzimos para tornar melhor a vida dos nossos
filhos.
*Roberto Gonçalves de Lima é dramaturgo e gestor cultural.
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