sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

DE JUDEU PARA JUDEU

Abonoon:

Juremir Machado da Silva, para Correio do Povo

Sylvère Lotringer é judeu. Nasceu na França e vive há mais de 30 anos nos Estados Unidos. Leciona na prestigiosa Columbia University. Um ex-aluno seu, Simon Rubin, enviou-lhe uma carta aberta de Francine Kaufmann, professora em Israel, defendendo os ataques a Gaza. Sylvère, que esteve em Porto Alegre em 2008, passou-me a impressionante resposta que deu: 'Caro Simon, obrigado por ter me enviado a bela carta de Francine. Ela precisa muitos aspectos que eu ignorava. Trata-se de uma situação muito dolorosa. É verdade que o mundo não compreende por que os israelenses estão totalmente a favor dessa intervenção feroz contra Gaza, da qual só resultará mais ódio e mais destruição. Não se faz a paz entre dois povos pelas armas. Essa blitz contra Gaza é indefensável e, a longo prazo, irreparável. Não é um passo adiante para estabelecer a paz na região, mas bem o contrário'.
'Sim, é uma situação sem saída e não se pode tratar com o Hamas. Mas é preciso distanciamento para compreendê-la. É necessário admitir que Israel sabotou sistematicamente todas as chances de negociação e tornou impossível a única solução viável: estabelecer dois estados vizinhos, complementares e separados. A política de Israel, na prática, foi a de envenenar a situação para reter ou obter o máximo de territórios, inclusive Jerusalém e arredores. É uma política ‘sionista’ no mau sentido dessa palavra. Não é o nosso sionismo do pós-guerra, idealista e generoso, mas um sionismo que ignora a realidade das ruas. Há, agora, dois nacionalismos, dois ‘fundamentalismos’ em confronto, o islâmico e o ‘sionista’, em termos territoriais e religiosos.'
'Enquanto se continuar a fragmentar os territórios palestinos, para que neles a vida se torne insuportável, prorrogando, assim, indefinidamente, as negociações, não se chegará a lugar algum. É preciso desmontar simultaneamente os dois fundamentalismos para resolver a situação. Do contrário, só se conseguirá fortalecer as posições mais duras do adversário. Não se pode influenciar o oponente pelas armas, mas somente com gestos de paz e demonstrações de abertura, não com meras aparências cosméticas. Para isso, é preciso fazer concessões. Israel, porém, continua recusando-se a fazê-las. Precisei de muito tempo para admitir que o sionismo é um nacionalismo como outro qualquer, não apenas uma compensação das tragédias do passado. A máquina nacionalista está impondo-se sobre qualquer outra consideração. Condena-se nos outros aquilo que se deveria reconhecer em si mesmo, embora não seja fácil. Não se é responsável pelo adversário, mas pelo que se faz. Quando se bloqueia uma situação durante anos, é preciso estar preparado para o pior, que nunca deixa de acontecer.'
'O dilema é simples: quem se recusa a pagar em espaço paga em sangue dos dois lados. Não se pode reescrever o passado, mas se pode tornar o presente aceitável sacrificando-se alguma coisa. A terra de Israel está ensopada de sangue. Não era isso que se esperava na sua fundação. É preciso definir o que se quer: o controle do território ou uma coexistência pacífica. Não se pode ter os dois. Vai o link do texto de um intelectual tunisiano, residente na França, que remete a esse difícil equilíbrio de que tanto necessitamos. Temos de parar de acusar o adversário e tomar consciência do que acontece entre nós mesmos para reativar uma negociação capaz de levar a uma paz boa para todos.' O intelectual judeu Sylvère Lotringer seria um ignorante antissemita?


juremir@correiodopovo.com.br

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