domingo, 22 de março de 2009
Organizações de ajuda humanitária alertam para grave situação em Lampedusa
O governo italiano quer criar um centro de deportação de estrangeiros na remota ilha de Lampedusa, onde embarcações de refugiados africanos deverão permanecer por até seis meses. Um projeto que vem sendo muito criticado.
A situação nos dois campos de refugiados de Lampedusa é tensa. As pessoas vivem num espaço físico extremamente reduzido, numa atmosfera permeada pela insegurança, pelo medo e pelo tédio, o que leva automaticamente à agressão. Nenhum dos dois campos foi projetado para abrigar tanta gente por tanto tempo.
Diante desta situação, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (UNHCR), a Cruz Vermelha italiana, a Organização Internacional para Migração (IOM) e a organização de ajuda humanitária Save the Children enviaram uma severa nota de protesto ao ministro italiano do Interior, Roberto Maroni.
Revogação de um projeto europeu?
De início, os refugiados eram mantidos em Lampedusa por apenas alguns dias, onde eram primeiramente recebidos, para serem então enviados a alojamentos na Sicília e nas regiões continentais da Itália. Dali, podiam facilmente desaparecer e cair na clandestinidade. É exatamente isso que o governo italiano afirma que pretende evitar.
"Dizemos claramente que qualquer espécie de alojamento permanente em Lampedusa é extramente difícil. Quando, em janeiro, todo o transporte que sai da ilha foi interrompido, as condições de vida para os migrantes se tornaram absolutamente insuportáveis", diz Barbara Molinario, do UNHCR. Naquele momento, havia 1800 pessoas encurraladas no campo central de refugiados da ilha, um espaço que é capaz de alojar, por um curto espaço de tempo, apenas 800 pessoas."
"Queremos, por isso, acentuar abertamente que o modelo antigo era exemplar: acolhíamos os migrantes, prestando ajuda e informando as pessoas a respeito de seus direitos, para então transferi-las para centros maiores, nos quais há estruturas adequadas", diz Molinario.
Controle de "fluxo migratório"
O modelo antigo de abrigo de refugiados em Lampedusa, financiado pela União Europeia, tinha realmente um caráter exemplar. Organizações de ajuda humanitária e autoridades governamentais italianas pretendiam testar, através de um projeto especial, como o "fluxo migratório misto" poderia ser gerenciado. A Itália, porém, começou a questionar o projeto após a troca de governo em Roma.
No último ano, quase 32 mil pessoas vindas da África e da Ásia chegaram à pequena ilha de Lampedusa. Molinario observa que os migrantes que ali chegam geralmente passaram por uma viagem arriscada, na qual correram perigo de vida. O governo italiano conservador de direita, contudo, os qualifica de "imigrantes ilegais".
"Isso não está certo", diz Molinario. E as estatísticas do último ano dão razão a ela: de todos aqueles que chegaram a Lampedusa, poucos haviam deixado seus países de origem apenas por razões econômicas. Setenta por cento entraram com um pedido de asilo na Itália, sendo que a metade conseguiu. Para Molinario, esses dados já falam por si, deixando clara uma situação que o Ministério do Interior não pode ignorar: "São pessoas que não têm outra alternativa", diz ela.
Construção de campos para refugiados
No momento, mais de 700 migrantes encontram-se em Lampedusa. Mais do que isso a ilha não comporta. Os dois campos de refugiados encontram-se em obras. Na última semana, quando quatro embarcações atracaram com mais de 500 pessoas a bordo, as autoridades transferiram a maioria dos passageiros, em estado de completo esgotamento, diretamente para uma balsa rumo à Sicília.
Os representantes das Nações Unidas protestaram também contra esse transporte, diz Molinario: "É preciso haver um equilíbrio. Não é possível que as pessoas sejam transportadas para outros lugares desse jeito, tão rapidamente, que nem conseguimos encontrá-las. Por outro lado, também não pode haver nenhum centro de deportação que lote imediatamente".
Triagem pela cor da pele
Federica Bertolin, da organização humanitária Save the Children, que cuida especialmente de refugiados menores, concorda com Molinario. "Ficamos preocupados quando não encontramos crianças e adolescentes entre os migrantes. Isso costuma ocorrer quando eles já são separados após serem salvos. O que realmente é decidido com base na cor da pele".
Bertolin relata que observou com espanto como refugiados de pele clara, provindos do norte da África, teriam chegado ao centro de deportação de Lampedusa, enquanto os africanos negros foram enviados, sem descanso, para a Sicília. "Não tive nem dez minutos para perguntar como eles iam", diz Bertolin, ao comentar o que considera é um desrespeito absoluto aos direitos dos refugiados.
Jovens ou adultos?
A organização Save the children também protestou contra a construção do chamado "Centro de Identificação e Deportação" em Lampedusa. Bertolin cita alguns dos vários pontos críticos, restringindo-se aos refugiados menores: "Uma radiografia da articulação da mão é a única possibildiade de avaliar a idade do refugiado aqui, embora este teste não seja, por várias razões, a melhor alternativa. O que acontece é que acabam transformando menores em adultos".
Menores de idade não podem ser deportados, ao contrário dos adultos. E a margem de erro no teste que mede a articulação da mão é de aproximadamente dois anos. Uma situação que gera insegurança não apenas entre os migrantes, mas também entre os membros das organizações de ajuda humanitária que os auxiliam. Em abril, o governo italiano promete se pronunciar a respeito do futuro de Lampedusa.
Autora: Sandra Petersmann, para Deutsche Welle
Revisão: Simone de Mello
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