sexta-feira, 20 de março de 2009
Yamandu Costa: com os dedos no mundo
Violonista brasileiro fala de sua relação com a Alemanha, recorda suas origens fronteiriças e diz que a bossa nova pode ser muito famosa no exterior, mas não é o movimento musical mais importante do Brasil.
O músico gaúcho Yamandu Costa está de volta aos palcos europeus, fazendo valer mais uma vez o fascínio que a música brasileira exerce no Velho Continente.
Depois de se apresentar no último dia 10 de março na Brotfabrik de Frankfurt, ao lado do contrabaixista Guto Wirtti e do violinista Nicola Krassik, numa noite de ingressos esgotados, o instrumentista segue com sua temporada pelo exterior, que até o dia 21 de março terá passado também por Holanda, Bélgica e Áustria, indo depois para os Emirados Árabes.
Yamandu está convicto de que a terra de Beethoven é uma "república do violão". Afinal, não foi na Alemanha que seu ídolo maior, Baden Powell, fez sua casa, instalando-se em 1983 numa cidade curiosamente chamada Baden-Baden?
Yamandu goza de intimidade cada vez maior com o público alemão. No ano passado, chegou a lançar um disco solo chamado Mafuá, que foi gravado em Osnabrück para o selo fonográfico germânico Acoustic Music Records. Um belo trabalho, inclusive com uma singela homenagem ao alemão Johann Sebastian Bach: uma das músicas chama-se Bachbaridade.
Em 2009, ele volta como que para ilustrar as palavras elogiosas do produtor Peter Finger, guitarrista alemão que está por trás de Mafuá e que afirmou no encarte do disco: "Tudo é perfeito nesse jovem: técnica, musicalidade, groove, humor e uma incontrolável alegria de tocar".
Antes de entrar em cena no show da Brotfabrik, um evento que foi organizado pelo CCBF – Centro Cultural Brasileiro em Frankfurt –, Yamandu concedeu entrevista exclusiva à Deutsche Welle.
DW-WORLD.DE: Você parece muito disposto a cativar o público alemão. Ele é muito especial para você?
Yamandu Costa: A Alemanha é o país onde eu mais toco fora do Brasil. Eu gosto muito de gente que gosta de violão, e os alemães são completamente apaixonados pelo instrumento, é impressionante. Em cada buraquinho da Alemanha tem um festival de guitarra. Já toquei em todos os cantos do país, fiz um disco por um selo alemão, um álbum produzido por um guitarrista muito importante.
É provável que essa afinidade com a Alemanha venha do fato de você ser do sul do Brasil. Seus pais também eram músicos. Eles conseguiam viver exclusivamente da arte?
Totalmente. Meu pai tinha um grupo de música no sul do Brasil chamado Os Fronteiriços, que tocava em bailes gaúchos. Eles eram um grupo vocal que também fazia shows em festivais, tudo muito bem elaborado, com um nível muito bacana. A minha família sempre foi muito ligada em música.
Você mal havia completado quatro anos de idade e já estava gravando disco. Conte um pouco mais sobre isso.
Naquela época eu era cantor mirim dos Fronteiriços. Tinha um movimento nativista, de regional gaúcho, que tinha uma música que falava de machismo. Eu é que a cantava, ainda criança. Era bem cômico. Aí surgiu um cara que queria patrocinar um disco meu. Ele chegou a ser gravado, mas não saiu.
Seu nome de batismo vem do tupi-guarani e você cresceu ouvindo músicas folclóricas gaúchas. A família pelo jeito era muito nacionalista, certo?
Sim, muito, mas era um nacionalismo internacional (risos). Na verdade era mais um sentimento latino-americano muito forte. Eu me criei num mundo que não tem fronteiras, ali onde Brasil, Argentina e Uruguai são a mesma coisa. Falamos também espanhol, tocamos os ritmos daquela região e Os Fronteiriços eram totalmente voltados para isso.
Aliás, eu acho que essa é a minha contribuição para o Brasil, de unir esses países tocando as músicas dos três lados, tanto o choro e a milonga como o tango. Minha missão é juntar essas escolas. É um sentimento gaúcho, do pampa.
Outro dia eu estava lendo umas cartas do Atahualpa Yupanki falando exatamente disso, dessa quebra de fronteiras do comportamento do índio e do gaúcho, quando os dois se fundem na mesma figura. A gente se criou num universo muito patriótico, mas ligado à América Latina em geral.
Um fato interessante é que sua música, mesmo identificada com todas essas raízes, nunca foi rotulada de regionalista, um peso que outros artistas, como o seu conterrâneo Renato Borghetti, precisam carregar.
É que eu nunca liguei para esse preconceito que existe contra a música regional. Eu venho desse berço, toco de bombachas, de alpargatas, e tenho um orgulho danado disso. Só que eu também toco outras coisas, já tendo gravado com Paulo Moura, com Armandinho Macedo e Dominguinhos.
Esses rótulos não têm mesmo o mínimo fundamento porque a música está acima disso, não é? Hermeto Paschoal também é um músico completamente "regional", assim como Egberto Gismonti e Gilberto Gil. Todo mundo que faz um trabalho que tem a cara de um país acaba esbarrando nisso, porque é um sentimento popular. Villa-Lobos adorava isso.
Uma de suas grandes referências musicais foi o argentino Lúcio Yanel, que você viu tocar bem cedinho, no começo de sua vida. Como foi gravar o disco Dois Tempos com seu ídolo, em 2000?
O Lúcio era um parceiro de casa. Ele morou na casa dos meus pais, e eu tenho uma história com ele que eu acho genial, e que pouca gente tem com o seu mestre, com a pessoa que lhe inspirou a fazer música. Certa vez, quando estávamos passando por uma séria dificuldade financeira na nossa casa, meu pai ficou doente, e a comida na geladeira acabou.
Isso foi em 1994, por aí, e o Lúcio estava voltando a morar conosco. Olhávamos também para as prateleiras e não tinha nada para comer. E agora? Meu pai tinha escrito um livro, que teve uma tiragem grande, e o Lúcio pegou os que a gente tinha em casa e falou que ia dar um jeito na situação. Fomos para o centro de Porto Alegre, para a Rua da Praia, um lugar que era ponto de encontro para muita gente. O Lúcio é muito comunicativo e conhecido.
Em meia hora, vendemos todos aqueles livros, levantamos uma grana, voltamos para casa, compramos carne e já fomos fazer um churrasco, onde tocamos até as cinco da manhã. Quer dizer, o que eu tenho pelo Lúcio não é só uma convivência de admiração, é uma coisa completamente familiar. Eu me lembro do cheiro dele de manhã! E o nosso disco nasceu das noitadas em que ficávamos tocando lá na nossa casa.
Outro músico que o influenciou bastante foi Baden Powell, ícone da MPB também na Alemanha. Você concorda que Yamandu tem mais a ver com o Baden dos chamados afro-sambas, feitos em parceria com Vinícius de Morais, do que com o violonista que integrou a bossa nova?
O Baden da bossa é muito devagar, não é? Até ele mesmo achava isso.
É a faceta dele mais conhecida.
Isso fora do Brasil. É muito curiosa essa história da bossa nova. Ela é um movimento importante, mas se fala dela como se fosse "o" grande momento. De fama foi, mas não de importância, porque senão não estaríamos fazendo justiça ao samba nem ao choro. O Baden sempre teve muito mais ligação com os dois. Quando ele compôs Astronauta (com Vinícius de Morais), ele flertou com a bossa daquela época, mas ele sempre esteve acima disso.
Tanto que os grandes do movimento sempre namoraram a bossa, mas tinham suas coisas por fora. Tom Jobim, por exemplo, que sempre foi um homem sinfônico, um artista que ajudou a criar aquela história toda, tinha uma cabeça muito maior que a bossa.
A bossa nova é uma música diplomática, que tem um conceito de agregar jazzistas e todo mundo que a possa cantar. Ela é muito importante para o Brasil, mas não está sozinha.
E o choro, também estava dentro da tua casa?
Sim, porque o meu pai tocava cavaquinho. Lembro-me que quando ele tocava Odeon, do Ernesto Nazareth, era uma coisa! Era a música mais difícil que ele tocava, e ele tinha uma grande admiração por ela. Eu ficava até com medo da Odeon.
O choro começou assim para mim. Meu pai era um homem que tinha muita preocupação com os fundamentos, em respeito aos movimentos. E ele me falava: se você quer tocar música brasileira, tem que mergulhar no choro, porque essa música tem tudo. Tem técnica, linguagem, é um tipo de música que existe no Brasil todo, e em cada região do país há um sotaque de choro.
E cantar, é só um capítulo do seu passado, dos tempos que você estava nos Fronteiriços?
Eu sempre gostei muito de cantar, mas quando o cara começa a tocar tem que se dedicar. Eu ainda não voltei a cantar porque não compus as músicas para isso. Não quero ser intérprete de ninguém. Já tive convite do Paulo César Pinheiro para fazermos uma suíte sobre o Sul, mas isso ainda não me veio.
Mas sinto que a hora está chegando, que cada vez mais eu cantarolo melodias nos meus concertos e parece que a voz quer se manifestar. Mas a gente tem que ter cuidado com isso. Tenho uma voz bonita, canto bonito, mas não é nada especial a ponto de pensar numa carreira de canário.
A Europa emite sinais de que está aberta para a sua arte…
Venho à Europa duas ou três vezes ao ano, mas não é fácil. Às vezes fazemos sete concertos em dez dias, não há tempo para fazer mais nada. Eu gosto de confraternizar com bons músicos de outros lugares depois dos nossos shows, nas tais "guitarradas", que é como a gente chama na América Latina, de tocar violão junto com os outros e beber cerveja.
Mas aqui tem muito problema com o silêncio, não é? Depois de certa época, sair do Brasil fica parecendo mais uma missão. É importante conhecer outras gentes e lugares, levando a música do Brasil de uma maneira diferente do "oba-oba".
Autor: Felipe Tadeu, para Deutsche Welle
Revisão: Alexandre Schossler
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