Mostrando postagens com marcador Covid-19. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Covid-19. Mostrar todas as postagens

sábado, 12 de novembro de 2022

COVID-19: UMA QUESTÃO DE ESCOLHAS

 

No dia 9 de novembro de 2022 aconteceu, em formato híbrido, a Conferência Anual do Conselho Empresarial Brasil-China 2022.

A abertura foi realizada pelo Embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, Presidente do Conselho Empresarial Brasil-China. Logo após Hamilton Mourão, Vice-Presidente da República, fez a palestra inicial, exaltando os êxitos obtidos nos últimos 4 anos em relação à aproximação estratégica Brasil-China.

Na sequência foram realizadas várias intervenções significativas.

Tom Orlik, da Bloomberg Economics, especialista no desempenho econômico da China, foi um dos que fez uma apresentação abordando diversos assuntos importantes.

Um dos assuntos abordados, que chamou a atenção, foi o desempenho da China no enfrentamento da Pandemia do Covid-19.

Em relação a esse tema, Covid-19, Orlik destacou que a percepção ocidental é de que a estratégia chinesa foi um fracasso, prejudicando não só o desempenho econômico da China como também afetando negativamente a economia global.

Em lugares como Brasil, Estados Unidos e Reino Unido por exemplo, as restrições oficiais contra a covid são cada vez mais raras - resultado de uma combinação de altas taxas de vacinação, um nível elevado de imunidade por contágio e, de certa forma, por causa do custo político e econômico dessas medidas.

Mas na contramão de boa parte dos países, a China segue firme na sua política de covid zero enquanto lida com uma nova onda da variante ômicron.

O especialista da Bloomberg, para explicar o ponto de vista do governo chinês, apresentou o seguinte gráfico:



 Linha horizontal: MORTE POR MILHÃO DE HABITANTES POR COVID 19.

Linha vertical: PREVISÃO DO PIB DE 2022 VERSUS CONSENSO PRÉ-PANDEMIA (%).

 

Alguns países tiveram como centro da estratégia no combate à Covid-19 SALVAR VIDAS, enquanto outros países deram prioridade à ECONOMIA.

Os países integrantes do gráfico que tiveram como prioridade SALVAR VIDAS, citados neste estudo, foram a Arábia Saudita, Austrália, Japão, China, Indonésia e Índia.

Os demais países optaram por outras estratégias, priorizando majoritariamente SALVAR A ECONOMIA ou um mix das duas estratégias.

Na amostragem de Orlik, muito representativa, o país que teve o menor número de mortes por milhão de habitantes foi a China.

O país que teve o maior número de mortes por milhão de habitantes foi o Brasil.

A diferença de desempenho desses dois países em relação ao PIB, porém, não foi significativo.

Ou seja, a estratégia de SALVAR A ECONOMIA não foi exitosa comparativamente com os países que tiveram como estratégia SALVAR VIDAS.

A brutal diferença de desempenho no quesito SALVAR VIDAS entre o Brasil e a China, se deu basicamente em função da posição negacionista do Governo Brasileiro em relação à pandemia.

“O negacionismo vai além de um boato ou fake news pontual. É um sistema de crenças que, sistematicamente, nega o conhecimento objetivo, a crítica pertinente, as evidências empíricas, o argumento lógico, as premissas de um debate público racional, e tem uma rede organizada de desinformação. Essa atitude sistemática e articulada de negação para ocultar interesses político-ideológicos muitas vezes escusos, que tem sua origem nos debates do Holocausto, é inédita no Brasil”, afirma Marcos Napolitano, professor de História do Brasil Independente e docente orientador no Programa de História Social da Universidade de São Paulo (USP).

Bolsonaro, o atual Presidente brasileiro, negou a pandemia, não salvou a economia e perdeu as eleições.

Xi Jinping, Presidente chinês, foi recentemente reconduzido à Presidência da China.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Os dois Brasis no pleito de 2022



Por CARLOS ÁGUEDO PAIVA & ALLAN LEMOS ROCHA*, para aterraeredonda.com.br.

As (co)relações perigosas entre bolsonarismo, COVID-19 e Auxílio emergencial

As determinações da relação entre COVID-19 e bolsonarismo

Ao longo de 2020 e 2021, foram realizadas e divulgadas um conjunto de pesquisas acerca da relação entre voto em Bolsonaro e contaminação por Covid. As pesquisas revelavam uma relação positiva entre bolsonarismo e contágio e ganharam ampla divulgação em revistas científicas, na grande mídia e em blogs críticos ao governo. A despeito das diferenças no tamanho e representatividade das amostras, bem como nas metodologias das distintas pesquisas, a dimensão e significância das correlações deixavam pouca margem para dúvidas acerca da existência da referida relação.

Análise de correlação, porém, não é análise de causalidade e nos parecia precipitada a conexão teórica que parcela expressiva dos pesquisadores (e a grande maioria dos jornalistas) propunham entre estas duas variáveis. Como regra geral, a hipótese aventada era a de que os eleitores e apoiadores do Presidente Bolsonaro subestimariam a periculosidade da pandemia em curso, o que se desdobraria no relativo relaxamento do distanciamento social e demais práticas de resguardo capazes de deprimir o contágio.

A hipótese que estruturou nossa pesquisa era discretamente distinta. Parecia-nos evidente que o “negacionismo” – tão difundido entre os apoiadores e seguidores de Bolsonaro – cumpria um papel relevante na promoção da contaminação. Porém, duvidávamos que este elemento, por si só, pudesse explicar a elevada disparidade do percentual de contaminação entre os milhares de municípios brasileiros[i]. Parecia-nos que, para além do negacionismo, variáveis, de caráter mais “estrutural” deveriam estar por trás de diferenciais de incidência tão elevados. Mais: acreditávamos que as variáveis estruturais corresponsáveis pela elevação da taxa de incidência da COVID-19 também pudessem contribuir para a compreensão do perfil socioeconômico e cultural do típico eleitor de Bolsonaro.

Na tentativa de testar esta nossa hipótese, criamos um banco de dados com 103 variáveis para os 5.569 municípios brasileiros mais o Distrito Federal, gerando 5.570 municípios. Entre estas variáveis, 60 são dados brutos, com informações geográficas, demográficas, econômicas, políticas e socioculturais das mais diversas fontes oficiais, em especial do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do Ministério da Cidadania (MC), do Ministério da Saúde (MS-DATASUS), da Relação Anual de Informações Sociais do Ministério do Trabalho e Emprego (RAIS-MTE), dentre outros órgãos.

Por sua vez, os dados brutos foram apropriados e transformados em 69 indicadores de base municipal. Como regra geral, estes indicadores foram relativizados (ou normalizados) pela população domiciliada no município; ou são taxas de variação do PIB, distintos VABs, ocupação formal, etc. Os indicadores foram agrupados em cinco classes: (1) alinhamento político da população (ex.: participação percentual do voto em Bolsonaro ou em Haddad no primeiro e no segundo turno das eleições de 2018); (2) estrutura econômica do território (ex.: PIB per capita em 2018; participação do emprego industrial formal no emprego formal total em 2019; participação dos formalmente empregados na população total do município em 2019; relação entre ocupados formais e ocupados totais em 2010; etc.); (3) estrutura sociocultural local (ex.: participação da população negra, evangélica, analfabeta, com ensino superior completo na população total em 2010); (4) impacto da pandemia na saúde global (ex.: percentual de contaminados e de óbitos por COVID-19 na população total em 2020); e (5) cobertura assistencial (ex.: percentual de pessoas beneficiadas com Auxílio Emergencial – doravante, AE – na população total; relação entre o valor total do AE recebido em um município entre maio de 2020 e abril de 2021 e o PIB municipal em 2018).

As diferenças nas datas dos dados e indicadores estão referidas à disponibilidade de dados. Os dados socioculturais, por exemplo, estão baseados no mais recente Censo Demográfico, que data de 2010; o PIB municipal é calculado com defasagem de três anos com relação ao PIB nacional. Como as variáveis são de caráter estrutural, acreditamos que as mudanças ocorridas ao longo do período tenham sido pouco expressivas. O Banco de Dados construído por nós encontra-se disponível aqui para a utilização e/ou averiguação de eventuais interessados.

 

Resultados básicos: dois Brasis em disputa

Os resultados que encontramos não apenas comprovaram nossas hipóteses iniciais como trouxeram à luz novas dimensões do “campo” político-eleitoral do bolsonarismo e acerca dos desdobramentos econômicos, políticos e sanitários do Auxílio Emergencial. Na verdade, alguns dos resultados alcançados são tão contra intuitivos que, aparentemente, geraram dúvidas a respeito da consistência dos testes que realizamos[ii].

Quadro 1: Correlações Selecionadas entre Indicadores Socioeconômicos Estruturais,
Voto em Jair Bolsonaro e Fernando Haddad, Incidência de COVID-19 e Auxílio Emergencial

FDB: IBGE, RAIS-MTE, Datasus, Min. Cidadania, TSE

As 29 variáveis-indicadores de cada uma das linhas do Quadro 1 acima estão ordenadas em função das suas correlações com o voto em Bolsonaro no primeiro turno das eleições de 2018. A coluna “Rank1” corresponde ao ordenamento das correlações: quanto menor o valor do Rank1 (primeiro, segundo, etc.) maior a correlação, e vice-versa. Nem todas as variáveis testadas estão representadas no Quadro 1. Extraímos variáveis com elevada auto-correlação (voto em Bolsonaro no primeiro e no segundo turno, por exemplo), bem como as variáveis com correlação próxima de zero e/ou de baixa confiabilidade (significância). A significância de todas as correlações apresentadas é inferior a 0,01%. Posto isto, nas linhas superiores encontram-se aquelas variáveis-indicadores que apresentam uma relação fortemente positiva e significativa com o voto em Bolsonaro. Na medida em que “descemos” em direção à base do Quadro 1 as correlações caem, tornando-se fortemente negativas.

Como era de se esperar, a relação anunciada em diversas pesquisas entre voto em Bolsonaro e incidência de COVID-19 é confirmada. Se abstraímos as duas correlações tautológicas (correlação da taxa de contaminação consigo mesma e com óbitos por COVID-19), tomando apenas as variáveis rigorosamente independentes, o voto em Bolsonaro nos dois turnos emerge como a variável com maior poder explicativo dos diferenciais de taxa de contaminação municipal: quanto mais elevada a percentagem de voto em Bolsonaro em 2018, maior a percentagem de população contaminada (correl 0,416, sig 0,0000). Do nosso ponto de vista, o fato desta correlação despontar em primeiro lugar demonstra a existência de um componente político-ideológico autônomo – expresso no negacionismo – que exponencia o contágio em função da resistência ao distanciamento social, à vacinação e aos cuidados de higiene necessários ao controle e depressão do fator de difusão do vírus. Em suma: nossos testes corroboram plenamente os estudos referidos realizados anteriormente.

De outro lado, nossos testes também comprovam que a relação entre COVID-19 e Bolsonarismo transcende – e muito! – a dimensão estritamente ideológica. Tomemos a terceira e a quarta linhas do Quadro 1. O que elas nos dizem é que, quanto maior a percentagem de população ocupada (formal ou informalmente, dados do Censo) em 2010 e quanto maior a percentagem da população formalmente ocupada em 2019 (dados da RAIS-MTE ) na população total dos municípios: (1) maior o voto em Bolsonaro; (2) maior a incidência de COVID-19; (3) menor a percentagem dos munícipes que receberam Auxílio Emergencial; (4) menor a expressão relativa do valor total do AE em comparação com o PIB municipal; e (5) menor o percentual de voto em Haddad no segundo turno das eleições presidenciais.

E o mais importante de tudo: esta série de relações – mais Bolsonaro, mais Covid, menos AE e menos Haddad – persiste e se reafirma monotonicamente para todas as 15 variáveis que, de alguma forma, traduzem inclusão social. Assim é que os municípios com melhores índices educacionais, com maior número de empregados formais na população total, de maior PIB per capita, com maior número de famílias que recebem acima de dez salários mínimos tenderam a votar em Bolsonaro e a apresentar taxas de contaminação acima da média.

Dentre estas variáveis de inclusão uma em particular merece atenção: os municípios mais industrializados, com maior número de empregados na Indústria de Transformação – vale dizer, onde o operariado é relativamente mais expressivo – e com uma maior participação da Indústria no PIB municipal seguiram a mesma regra: votaram preferencialmente em Bolsonaro, apresentaram índices mais elevados de contaminação, receberam uma percentagem menor de AE e, como regra geral, não votaram em Haddad no Segundo Turno. Vale observar também a variável “Código da Unidade da Federação (UF)”. O sistema de códigos do IBGE é tal que os municípios da Região Norte iniciam com o número 1, da Região Nordeste com o número 2, da Região Sudeste com o número 3, da Região Sul com o número 4 e da Região Centro-Oeste com o número 5. O “Sul Maravilha” e o Cerrado do Agronegócio foram as bases eleitorais de Bolsonaro e, simultaneamente, foram as regiões que apresentaram maiores incidência de COVID-19; enquanto as Regiões Norte e Nordeste (com código menor) foram (como regra geral aberta a exceções) os principais redutos eleitorais de Haddad e os territórios com maior percentual de pessoas beneficiadas om AE em 2020.

Por fim, há uma variável que ajuda a montar um quadro geral de grande poder explicativo: o voto em Bolsonaro apresenta uma correlação positiva com o grau de urbanização (população urbana / população total). No Quadro 1, esta correlação está apresentada na décima sexta linha pelo seu oposto (grau de ruralidade = população rural / população total), e se evidencia uma correlação negativa (-0,288) entre voto em Bolsonaro e grau de ruralidade. Mas este resultado é a “versão espelhada” de uma correlação positiva entre este mesmo voto com o grau de urbanização (0,288). Ora, quanto mais urbano e industrial é um município e quanto maior a percentagem da população ocupada em atividades formais (emprego com carteira assinada e funcionários públicos) maiores são as dificuldades para a manutenção do distanciamento social. Por oposição, quanto mais rural, agrícola e informal é a economia de um município, tanto mais fácil manter um distanciamento mínimo. Especialmente em função da elevada cobertura do Auxílio Emergencial. E, não gratuitamente, as variáveis-indicadores de cobertura do AE (colunas 3 e 4) também apresentam correlação positiva com “grau de ruralidade” (correl 0,217 e 0,391, respectivamente) e com informalidade no emprego (variável 19, correl 0,396 e 0,557).

Observemos mais atentamente, agora, a base do Quadro 1 (da linha 16 para baixo). Emerge, ali, a troca de sinais das correlações entre as variáveis nas colunas 1 e 2 (voto em Bolsonaro e incidência de COVID), que passam a ser negativas, e entre as colunas 3, 4 e 5 (cobertura do auxílio emergencial e voto em Haddad), que passam a ser positivas. O principal determinante desta mudança é que as variáveis listadas na base do Quadro 1 são variáveis indicativas de exclusão social relativa; e, por isto mesmo, estão referidas àquela parcela da população que ingressou de forma expressiva no Orçamento Federal durante os governos do PT. Objetivamente, o que o Quadro 1 nos informa é que a % de voto em Bolsonaro será tanto menor (e % do voto em Haddad será tanto maior) naqueles municípios onde for maior: (1) a % de domiciliados no campo (por oposição a meros proprietários rurais com domicílio urbano); (2) a % da população com menos de 35 anos de idade (segmento onde o desemprego e a informalidade são mais elevados); (3) a % de negros e pardos (que só passam a se beneficiar de uma política especificamente étnico-racial de inclusão a partir das políticas de cotas); (4) a % de analfabetos (parcela da população com maior dificuldade de inserção no mercado formal de trabalho); (5) a % de pobres (com renda per capita inferior a um salário mínimo, que foram beneficiados com programas como o Bolsa Família); (6) a % de trabalhadores informais; e (7) a desigualdade da renda (medida pelo Índice de Gini).

Ora, este quadro ilumina uma realidade já intuída, mas que – até onde sabemos – ainda não havia sido rigorosamente demonstrada: o fato de que a campanha eleitoral de 2018 foi marcada por um confronto de projetos radicalmente antagônicos no plano do papel do Estado no processo de inclusão social e enfrentamento/ superação das desigualdades. Por mais que a mídia conservadora tentasse mascarar a disputa como um confronto entre “amigos e inimigos da corrupção” (resgatando e requentando o surrado discurso udenista, que deu sustentação aos golpes de 1954 e 1964) e os liberais de todos os matizes (especialmente daqueles que militam contra os impostos e a favor de subsídios fiscais para a promoção de investimentos) vislumbrassem uma disputa entre “políticos populistas X empresariado meritocrata”, o que estava efetivamente em jogo era o direito (ou não) dos governos populares utilizarem parcela do orçamento para apoiar a renda mínima, levar água e luz ao sertão, facilitar a criação e desonerar microempresas (inclusive individuais), apoiar a socialização e acesso à educação superior dos descendentes de escravos, apoiar a inserção social produtiva de pequenos produtores rurais, índios e quilombolas, dentre outros setores negligenciados há séculos. Mais importante ainda: os dados coletados e sistematizados para 5.570 municípios do país revelam que, de uma forma geral (e malgrado exceções) o povo votou de acordo com seus interesses estratégicos. Mesmo diante de uma situação de absoluta excepcionalidade, determinada pelo impeachment de Dilma, pelo processo de lawfare que acabou levando à prisão de Lula, pela imposição de silêncio ao ex-Presidente (proibido de dar entrevistas pelo STF), mesmo assim, a consciência popular manifestou-se, não apenas na percentagem expressiva de votos dados a Haddad no segundo turno (45%) mas, acima de tudo, pelo fato de que os setores que apoiaram Haddad foram justamente aqueles que os governos petistas efetivamente apoiaram e contemplaram.

 

Resultados surpreendentes: a pandemia no Brasil poupou os mais pobres?

Há uma vasta literatura acerca da seletividade regressiva das pandemias, que atingem de forma mais acentuada a base da pirâmide social. Esta relação é reconhecida inclusive em publicações de órgãos técnicos do sistema ONU, afamados pela inflexão predominantemente conservadora de suas análises (veja-se, por exemplo). Não obstante, uma leitura superficial dos resultados com os quais nos deparamos poderia levar à conclusão de que a seletividade perversa da pandemia não houvesse se manifestado no Brasil. Mas não é disto que se trata. Senão vejamos.

Quando operamos com uma base de dados municipalizada é preciso entender que o “indivíduo da amostra” não é um indivíduo real, mas um coletivo composto, ele mesmo, de grupos e de indivíduos altamente diferenciados. Um exemplo pode ajudar na compreensão deste ponto. Imaginemos dois municípios vizinhos: A e B. O primeiro (A) apresenta uma taxa de analfabetismo de 2% da população total, enquanto B conta com 20% dos domiciliados nesta categoria. O neófito em análise estatística espacial poderia concluir que “o problema do analfabetismo” é maior no segundo município do que no primeiro. Porém, esta é uma conclusão precipitada e se esvai assim que ele é informado que: (1) o primeiro município conta com 500 mil habitantes e o segundo com apenas 8 mil habitantes. Os 2% de analfabetos do primeiro município (10 mil habitantes) conformam uma população superior a todos os habitantes do segundo. Imaginemos agora que a quase totalidade dos analfabetos do município A vivem em uma comunidade quilombola que, há anos, vem solicitando a instalação de escolas de ensino fundamental e ensino de jovens e adultos no seu interior. Onde, em que território, urge investir no combate ao analfabetismo?

Trazendo a questão para o nosso campo: quando afirmarmos que a % do voto em Bolsonaro foi maior nos municípios caracterizados por VAB industrial elevado e expressiva participação de operários dentre os ocupados não estamos afirmando que o operariado tenha se tornado base eleitoral de Bolsonaro. Este movimento até pode ter ocorrido. Ou não. A desindustrialização em curso acelerado no país, a baixa taxa de crescimento e a queda dos salários em alguns setores industriais pode até ter gerado descontentamento entre setores operários que migraram para um voto conservador. É possível. Mas não é isto que os dados revelam. Pois não estamos operando com estratos sociais, mas com médias municipais. E toda a comunidade é marcada por padrões específicos de estratificação. “Municípios ricos” não são municípios onde todos são ricos.

Na verdade, é muito provável que as elevadas taxas de contaminação por COVID em municípios industriais e de alto PIB per capita tenha atingido majoritariamente os estratos sociais localizados na base da pirâmide, tal como o operariado. Afinal, este é um segmento que: (1) não pode optar pelo “trabalho no domicílio”; (2) no longo prazo, aufere rendimentos superiores aos proporcionados pelo AE; e (3) na grande maioria dos casos, desloca-se entre o trabalho e a residência em veículos de transporte público que trafegam lotados no horário de pico. Assim é que, quando operamos com dados e indicadores sistematizados e agrupados por critérios distintos daqueles eleitos por nós (variáveis municipalizadas) o caráter socialmente seletivo do COVID-19 é facilmente evidenciado.

Por exemplo: em 2020, a taxa de morbidade entre pacientes negros (42,78%) e pardos (39,22%) hospitalizados foi significativamente superior à taxa de morbidade entre caucasianos (36,55%) e asiáticos (36,48%). Enquanto a taxa de hospitalização de pacientes negros e pardos (4,54% e 34,62% respectivamente) manteve-se abaixo da participação relativa destes grupos étnicos na população total (7,61% e 43,13%, respectivamente).

Não obstante, nenhuma destas relativizações anula ou nega dois fatos importante: 1) o Auxílio Emergencial foi canalizado prioritariamente para o segmento social e para os municípios que, em 2018, deram a maior percentagem de voto a Haddad, vale dizer, para aqueles cidadãos que faziam jus ao mesmo; 2) o AE contribui para o distanciamento social de cidadãos oriundos dos estratos sociais menos favorecidos. Não se trata de negar o fato de que parcela dos beneficiados pelo AE não fazia jus ao mesmo. Trata-se apenas de reconhecer que este não foi o caso dominante. Nos municípios menores e de economia menos diversificada – vale dizer: nos municípios onde Haddad alcançou a maior votação em 2018 – o AE correspondeu a até 30% do PIB e atingiu mais de 60% dos domiciliados.

Não nos parece que caibam dúvidas em torno do impacto desta cobertura nacional sobre os resultados das eleições municipais de 2020, nas quais a performance da esquerda ficou aquém das expectativas e a performance dos partidos aliados e apoiadores do Governo Bolsonaro foi além do esperado. E o mais interessante é que esta “apropriação política” do AE não parece ter sido planejada. O AE foi imposto a Jair Bolsonaro e a Paulo Guedes pelo Congresso, a partir de uma forte mobilização dos partidos de oposição. E só teve impactos eleitorais expressivos porque, mesmo após sua imposição, o Governo não lhe deu a devida atenção, utilizando-se do Cadastro Único (criado em 2001, no governo FHC, mas disseminado e consolidado nos governos petistas) como principal instrumento de elegibilidade da cobertura. Vale dizer: o AE teve efeitos eleitorais justamente porque o Governo não o manipulou eleitoreiramente. Um dos governos menos republicanos da história da República, ao subestimar a força política do AE, alcançou o que parecia impossível: atrair parcela do eleitorado petista, que fora conquistado pela conversão do Orçamento Federal em instrumento de inclusão social.

 

Lições para 2022

Desde que Lula saiu da prisão, a conjuntura acelerou-se muito. A Vaza-Jato deixou claro que os processos e as condenações de Lula não passavam de lawfare. Todo o Judiciário saiu contaminado da operação e vem buscando se redimir com o reconhecimento (tardio) da parcialidade de Moro e o arquivamento de todos os processos que ainda estavam em curso contra o ex-Presidente. Enquanto isto, Lula é recebido como Chefe de Estado em diversos países do mundo e o conjunto das candidaturas que se querem como “terceira via” não conseguem, mesmo somadas, atingir a intenção de voto em Bolsonaro e, muito menos, em Lula. Simultaneamente, Porém, a rejeição a Bolsonaro não para de crescer e já é a mais elevada entre todos os prováveis participantes do pleito de 2022. Favas contadas?

Do nosso ponto de vista, definitivamente não. E isto por três motivos. Em primeiro lugar, porque o sistema que alimentou e realizou o golpe-impeachment de 2016 e a prisão de Lula no ano seguinte é complexo, forte e muito bem articulado. Ele envolve mídia, Judiciário, Parlamento, Forças Armadas, grande capital (brasileiro e multinacional), Embaixadas e Agências de Inteligência estrangeiras e muito mais. Não podemos subestimar os riscos da frágil democracia brasileira. Em segundo lugar, porque mesmo que aos trancos e barrancos, Bolsonaro vem conseguindo se manter no poder e driblar a abertura de um processo de impeachment.

E, seja por erro de cálculo, ignorância ou omissão, seu governo realizou um programa de renda mínima que impediu que a economia soçobrasse em 2020 e garantiu o sucesso eleitoral da direita naquele ano. Por fim, é preciso entender que qualquer golpe contra a democracia não precisa ser dado antes das eleições ou da posse do novo Presidente. Os golpes contra Getúlio, Jango e Dilma deram-se durante o processo de gestão. Por vezes é mais fácil deixar o adversário “vencer” o jogo, e dar o bote depois.

E aqui vale lembrar que a crise econômica brasileira é séria e estrutural. Ela está assentada sobre a desindustrialização. Que vêm se impondo há anos. Inclusive nos 13 anos de gestão petista. E o esboço de programa econômico do PT disponível até agora não é muito esclarecedor sobre como esta questão vai ser enfrentada. Não nos admiraríamos muito se parcela da intelligentsia anti-petista estivesse, neste momento, meditando se não seria melhor deixar “Lula levar, mas não ganhar”. Como Dilma em 2014-2016.

Talvez o aspecto mais alvissareiro do embate eleitoral de 2022 encontre-se no fato de que – ao invés de adotar o padrão de gestão orçamentária de 2020 – o governo Bolsonaro parece decidido a administrá-lo “eleitoreiramente” em 2022, atrasando precatórios, diminuindo os valores destinados à Educação, à Saúde e ao novo programa de renda mínima, em prol da liberação dos recursos previstos nas “Emendas do Relator”, negociadas por parlamentares da base bolsonarista para a compra de votos em distintos currais eleitorais. Este tiro tem grandes chances de sair pela culatra. Aparentemente, nem a esquerda, nem a direita, entenderam plenamente o quanto os resultados do pleito de 2020 (bem como os resultados das disputas presidenciais entre 2002 e 2014) foram influenciados pela gestão republicana do Orçamento e pela inclusão dos pobres no mesmo. Tal como nas relações humanas intersubjetivas, muitas vezes a forma mais eficaz de conquistar o Outro é abrir mão dos jogos de sedução e operar no campo da transparência e da honestidade.

 

Conclusão

À guisa de conclusão gostaríamos de chamar a atenção para o fato de que intenção de voto não é realização de voto. De certa forma, é disto que nos fala as correlações entre a variável-indicador da segunda linha do Quadro 1 – “% dos votos válidos no primeiro turno” – e as 5 variáveis-indicadores nas colunas do mesmo Quadro. A correlação com “voto em Bolsonaro” é 0,909 positiva, enquanto “votos em Haddad” é -0,989 e “% do Valor do AE no PIB” é -0,787. Mais uma vez, parte destas correlações refletem determinações exógenas, vale dizer, expressam correlações cruzadas. A percentagem de votos válidos é tanto maior quanto mais urbana é a população municipal (0,447), menor a taxa de analfabetismo do município (-0,829) e maior a % de pessoas com nível superior (0,614).

Ora, já analisamos a sobreposição da clivagem “inclusão X exclusão” com clivagem “eleitores de Bolsonaro X eleitores de Haddad”. Mas isto não é tudo. Há uma dimensão especificamente político-ideológica nestas correlações. Na verdade, o eleitor de Bolsonaro em 2018 era um eleitor mais “militante”, portador de um grau de crença na necessidade de “mudar o país pela eleição do Mito” que exacerbava e maximizava sua decisão de participar do processo de votação. Diferentemente, o eleitor de Haddad tinha que vencer um amplo conjunto de dúvidas e incertezas derivadas do bombardeamento da mídia na divulgação apologética da Lava-Jato e na proliferação das críticas à corrupção petista.

Quer nos parecer que esta diferença entre graus de “convicção” ainda não foi superada. Ela se fez presente nas eleições de 2020 e deve retornar nas eleições de 2022. No caso das eleições de 2020, muitos se surpreenderam com a distância entre as pesquisas de intenção de voto (até a boca de urna) e os resultados eleitorais. Pelo menos parte desta discrepância está associada à convicção e ao voto militante: o PT e os partidos de esquerda neste país ainda carregam sobre os ombros o peso das campanhas midiáticas negativas que trabalham muito bem com o senso comum: se a Justiça investiga e prende A e não investiga nem prende Z, então A é culpado e Z é inocente.

Por isto mesmo, é muito importante entender que as eleições de 2022 não serão definidas pelas intenções, mas pela conquista de um eleitorado militante, capaz de expor orgulhosamente sua opção político-ideológica. Até onde podemos perceber, ainda existe um desnível entre o eleitor de Bolsonaro, que expõe orgulhosamente sua opção pela preservação do status quo através da utilização da bandeira nacional e das camisetas da seleção brasileira como símbolos (pretensamente universais e anódinos) de conservadorismo, e o eleitor de Haddad (em 2018) e de Lula (em 2022), que já não usa mais suas camisetas vermelhas e suas estrelas com a desenvoltura dos anos oitenta, noventa do século passado e da primeira década do atual século.

Este é um ponto que deve ser objeto de reflexão por parte dos estrategistas políticos: conquistam-se vitórias com adesão e entusiasmo. Intenções de voto são condições necessárias, mas não são suficientes.

*Carlos Águedo Paiva é doutor em economia pela Unicamp.

*Allan Lemos Rocha é estatístico e mestrando em Planejamento Urbano e Regional na UFRGS.

 

Nota


[i] Quando encerramos o levantamento de dados para a construção dos indicadores de contaminação e morbidade por COVID-19 em meados do ano de 2021 (com vistas à posterior análise estatística e teórica), a disparidade de taxa de contágio ainda era muito elevada. Nos 100 municípios brasileiros com menor taxa de contágio ela correspondia a menos de 1% da população, enquanto nos 100 municípios de maior incidência ela encontrava-se próxima de 20%.

[ii] Os autores produziram um artigo com a análise global dos resultados, o qual foi oferecido para publicação nas mais importantes revistas brasileiras da área de “Saúde e Sociedade”. Para nossa surpresa, o paper vem sendo recusado sob a surpreendente alegação de que o trabalho seria irrelevante. Dado que os temas “pandemia”, “eleição de Bolsonaro”, “desdobramentos políticos e sanitários do Auxílio Emergencial” e as conexões entre os mesmos são de inquestionável relevância, interpretamos a recusa como temor de que, seja o Banco de Dados, sejam os testes estatísticos e os resultados encontrados contivessem erros. Não obstante, o risco de haver erro nestas bases são mínimos: o Banco produzido por nós foi disponibilizado, as fontes utilizadas para sua montagem são públicas e oficiais e podem ser auditadas e os testes são exercícios simples de correlação passíveis de replicagem por qualquer cientista social. Ao fim e ao cabo, chegamos à conclusão de que o problema se encontre no desconhecimento de características da Estatística Espacial, que complexificam a interpretação dos resultados obtidos. Por isto mesmo, criamos uma seção específica (a terceira) nesta versão resumida do trabalho produzido anteriormente voltada ao esclarecimento de como devem ser interpretados resultados estatísticos em análises regionalizadas.

 

Fonte da Imagem: https://www.aquinoticias.com/colunas/dois-brasis/

sábado, 25 de dezembro de 2021

2021: O ANO QUE MUDOU NOSSAS VIDAS

 


 Por Julia Ribeiro, para Canal Meio (canalmeio.com.br)

O ano parecia que não ia terminar. Muitas perguntas sem respostas. Horas de trabalho excessivas, crises de pânico, sobrecarga parental, exaustão materna, crescimento no número de divórcios e estresse prolongado. Casa virou trabalho, computador virou escola. Os sintomas da síndrome de burnout antes confinados aos ambientes laborais, transbordaram para outros âmbitos da vida cotidiana. A louça se acumulou. Os boletos não pararam de chegar. Conflitos latentes. Tensões antes veladas foram descortinadas.

“Nós nos revelamos para nós mesmos e para os outros. A sociedade se revelou em seus mecanismos cruéis, desiguais ou exploradores. Os pais, os filhos, os amantes, os chefes, os miseráveis e os ultrarricos: tudo está exposto”, resume a psicanalista Maria Homem, que escreveu o livro Lupa da Alma – Quarentena-revelação (Todavia).

No segundo ano de pandemia, especialistas registraram um aumento vertiginoso nos casos de transtornos mentais. A explicação é que a excessiva vigilância contra o vírus estressou nosso sistema hormonal e endócrino de maneira prolongada, tornando-nos mais vulneráveis a patologias psiquiátricas.  A Organização Mundial da Saúde (OMS) denominou de fadiga pandêmica o cansaço derivado do esgotamento gerado pela hipervigilância e pelo medo. Um estudo da Universidade de Oxford revelou que 34% dos que tiveram covid-19 desenvolveram problemas psicológicos dentro de seis meses após terem sido infectados. Publicada na revista The Lancet Psychiatry, a pesquisa aponta ainda que 17% dos pacientes contaminados pelo coronavírus foram diagnosticados com distúrbios de ansiedade e 14% com distúrbios de humor.

Burnout como doença ocupacional

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que mais de trezentos milhões de pessoas, no mundo todo, sofrem de depressão. Na América Latina, o Brasil é o país com mais casos. Eles aumentaram ao longo da pandemia. Até 2030, esta será a doença mais comum no país. Entre os distúrbios, um dos mais relatados pelos médicos é o burnout. A partir de janeiro de 2022, entrará em vigor a nova categorização da síndrome pela OMS, a CID 11 (classificação de transtornos mentais e comportamento).

O que muda na prática? Segundo especialistas, a nova classificação vai facilitar o reconhecimento pelo INSS do direito ao afastamento por doença ocupacional, já que a classificação relaciona a doença diretamente ao trabalho, o que não ocorre com outras síndromes. A mudança abre espaço para pedidos de indenização, por exemplo.

Alterações repentinas de humor, cansaço extremo e irritabilidade. Os sintomas do burnout muitas vezes são semelhantes aos de outras condições de saúde como a ansiedade e a depressão.

Apesar de a OMS destacar que o esgotamento “se refere especificamente a fenômenos relativos ao contexto profissional”, para muitos, a falta de fronteiras entre trabalho e vida pessoal foi o grande gatilho - eis outro termo que marcou 2021.

Contornos, limites e angústias

Foi um ano indigesto. Corpos não velados, casas e relações bagunçadas. Intermináveis ciclos de recomeços para uns, ponto final para outros. Se antes a pergunta Como você está? era meramente protocolar, respostas mais honestas começaram a aparecer ao longo do ano. Já que não tivemos para onde fugir, fomos forçados a dialogar com nossas dores, medos e sombras mais profundas?

“Para aqueles que têm saúde mental suficiente, sim. Foi e está sendo uma oportunidade de se deparar com aquilo que se é, com aquilo que se teme. Seja individualmente, entre casais e em família, nunca estivemos tão debruçados nas relações com o convívio intenso gerado pelo isolamento. Ao olhar para nossos contornos e limites, muitos se viram diante de angústia”, responde a Maria Homem.

Para ela, ainda estamos digerindo esse ano tão pesado. A psicanalista faz uma síntese radical: “assustamo-nos com a violência em jogo nas relações íntimas, sociais e globais. Estamos sofrendo de transtorno pós-trauma e com todo o lixo que jogamos debaixo do tapete nos longos tempos pré-trauma”.

Maria Homem registrou em seu livro que as emoções ficaram à flor da pele neste ano. Se estávamos buscando formas de mantê-las sob controle, ou sob anestesia, agora parecem ter obtido um passe livre para circular sem tanta repressão.

“A semente de inquietação ou loucura dentro de nós parece que se expande. Irrequietos não conseguem ficar quietos ou em casa. Deprimidos ficam mais tristes e ansiosos. Loucos ficam mais delirantes. Agudizar seria o verbo destes tempos?”

A psicanalista Márcia Luna Azulay contradiz o senso comum de que a pandemia causou o adoecimento psíquico das pessoas.  “Os quadros se intensificaram porque já existiam dentro de cada um. Sejam transtornos alimentares ou crises conjugais. Eles apareceram, ficaram visíveis. Apesar da síndrome ser considerada um fenômeno estritamente associado ao âmbito profissional, o estresse crônico se instalou na sala de casa. E nas relações. Na pandemia, o burnout passou a acontecer dentro de casa. E essas características ligadas ao trabalho, como o excesso de tarefas e cobranças, atingiram as outras áreas da vida”, opina Márcia.

“Variações” do burnout clássico não se restringiram ao campo ocupacional. Exaustão emocional, mental e física são os componentes que resumem a síndrome de acordo com Ayala Malach Pines (1945-2012) psicóloga, pioneira na investigação do tema e autora de Couple Burnout: Causes and Cures (Burnout de Casais: Causas e Curas, em tradução livre). Para a pesquisadora, a síndrome resultante consiste em sentimentos de desamparo, desesperança, de estar preso numa armadilha, com sintomas de irritabilidade e apatia.

Até que a pandemia nos separe

A “torta de climão” servida na mesa de jantar. As mudanças drásticas na rotina impulsionaram um novo recorde de divórcios no primeiro semestre de 2021.  Dados do Colégio Notarial do Brasil indicam que de janeiro a junho de 2021, foram 37.083 divórcios, um aumento de 24% em relação ao primeiro semestre do ano passado, com o início da pandemia da covid-19. Há dois anos, 75.033 casais oficializaram a separação.  A quarentena é apontada como principal responsável pelo fenômeno, além da facilitação dos trâmites, que agora podem ser feitos pela internet.

Selvageria do inconsciente

O “cérebro pandêmico” é um termo não clínico que chegou a ser usado por cientistas para definir os efeitos do estresse crônico e prejuízos psíquicos decorrentes da covid-19.  Os danos na área da saúde mental compõem uma pandemia silenciosa. Só o tempo para sublimar, elaborar e compreender as suas consequências.

“Ainda precisaremos de alguns anos (décadas?) para mensurar. De certa forma, um dos mecanismos de defesa, ainda em voga, foi minimizar ou mesmo precisar negar o medo e a angústia diante dessa ameaça. O que, por sua vez, não é sem efeitos – e cobra seu preço. A própria estratégia defensiva delirante tem alto custo psíquico”, reflete a Maria Homem.

Para fugir do tédio, uns aprenderam a fazer pão, outros a costurar. Teve gente que comprou cursos on-line por impulso e não teve paciência (ou foco) de fazê-los. Uns aprenderam a lidar com a falta de intimidade com o digital. Quem pôde fugiu para as montanhas. Nos sentimos cansados. Mais do que isso: foi inevitável olhar para si.

Dentro de um ambiente de confinamento forçado, nossos aspectos psíquicos pularam para fora sem dó nem piedade. “Lá fora é perigoso, o que temperou mais ainda a selvageria do inconsciente que aproveitou o medo para puxar todo mundo para dentro”, resume o terapeuta junguiano Gustavo Otero.

“Todos foram expostos às tempestades internas que antes eram solenemente negadas. Na tentativa de fugir, muitos se jogaram no trabalho. Mas não tem jeito, o inconsciente foi claro: tem que olhar para dentro. Então, tivemos uma onda gigantesca de burnouts, não só no trabalho”, explica Gustavo.

Para ele, a sociedade hiperestimulada e superconectada se viu em 2021 com uma tarefa que nunca poderia imaginar: “O trabalho foi dado: convivam, mas não só com quem está do lado, conviva e aprenda a conhecer os muitos que existem dentro de nós mesmos e que antes, talvez, nem fazíamos ideia de que existiam”, destaca o terapeuta.

Quando isso vai acabar? Quando chega a minha vez de vacinar? É gripe ou covid? Deu negativo? Ufa. Fulano foi internado. Piorou. Não, não vai ter velório. Faz o que com essa dor? Os processos de luto mudaram. Os reais e simbólicos.

Maria Homem destaca sobre a necessidade de escuta das pessoas. Espaços simbólicos que buscam elaborar a experiência bruta via palavra e linguagem são necessários em todas as instituições. Das empresas às escolas, das famílias aos círculos sociais.

Este 2021 que termina foi um ano distopicamente trágico. Mesmo diante de tantos conflitos pessoais e traumas coletivos, houve brechas para alegrias e (re)descobertas. Situações caóticas foram oportunidades de renegociação de acordos na convivência familiar. Novas formas de interagir, de brincar e de se amparar. A tensão foi dissipada com afeto. Solidão virou solitude. Perdemos. Celebramos pequenas vitórias. Novo. Normal. É tempo de revisar o que é normal e o que é verdadeiramente novo.

 

Fonte da Imagem: https://michiganvirtual.org/blog/your-brain-in-crisis-why-its-so-hard-to-learn-during-difficult-times/ 


sexta-feira, 9 de julho de 2021

SUICÍDIO COLETIVO OU GENOCÍDIO PLANEJADO?

 


CIDADES SUICIDAS

 

Pedro Hallal, para Folha de São Paulo

 

"Os dados trazidos a público pelo jornalista Ricardo Mendonça no Valor Econômico são estarrecedores. Todas as 5.570 cidades brasileiras foram divididas de acordo com o percentual de votos em Bolsonaro no segundo turno das eleições presidenciais de 2018. Em 108 cidades, Bolsonaro teve menos de 10% dos votos, em 833 cidades teve entre 10% e 20% dos votos, e assim sucessivamente, até chegar nas 214 cidades nas quais Bolsonaro teve entre 80% e 90% dos votos e na única cidade em que Bolsonaro teve 90% ou mais dos votos em 2018. Essas informações, aliás, são de domínio público e podem ser acessadas por qualquer um no Repositório de Dados Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral.

 

De posse dessas informações, o próximo passo foi analisar a quantidade de casos e de mortes por Covid-19 em cada uma das 5.570 cidades. Novamente, os dados são de livre acesso, tanto pelo Painel Coronavírus do Ministério da Saúde quanto pelo DataSUS. Nas 108 cidades em que Bolsonaro teve menos de 10% dos votos, o número de casos é de 3.781 por 100.000 habitantes. A quantidade de casos sobe linearmente até atingir 10.477 casos por 100.000 habitantes nas cidades em que Bolsonaro teve entre 80% e 90% dos votos e 11.477 casos por 100.000 habitantes na cidade em que Bolsonaro teve 90% ou mais dos votos.

 

Os dados para mortes são igualmente chocantes. A mortalidade varia de 70 mortes por 100.000 habitantes nas cidades em que Bolsonaro teve menos de 10% dos votos, até mais de 200 mortes por 100.000 habitantes nas cidades em que Bolsonaro teve 50% dos votos ou mais. Na única cidade em que Bolsonaro fez 90% dos votos ou mais no segundo turno das eleições de 2018, a mortalidade é de 313 por 100.000 habitantes. Mais do que o resultado dessa cidade isoladamente, o que chama atenção é a escadinha observada nos gráficos.

 

O morador de uma cidade na qual Bolsonaro venceu o segundo turno das eleições de 2018 tem três vezes mais risco de morte por Covid-19 do que o morador de uma cidade em que Bolsonaro foi derrotado com folga. Mesmo que a pessoa tenha votado contra o negacionismo, estando ela exposta a um ambiente negacionista, seu risco de morte é maior."

 

Pedro Hallal, na Folha.

Fonte da Imagem: http://fantasyartdesign.com/free-wallpapers/wallpaper.php?u_i=368&i_i=645