quinta-feira, 30 de julho de 2009
O golpe em Honduras e os neoconservadores dos EUA
Os militares hondurenhos não dariam um golpe de Estado se não contassem com respaldo de alguns setores, nos Estados Unidos, que se opõem à política exterior do presidente Barack Obama, sobretudo com respeito à Venezuela, Cuba e à América Latina, e querem criar-lhe dificuldades. A análise é do cientista político Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, em entrevista ao jornal A Tarde. Para ele, é provável que setores da CIA e do Pentágono, que se alinham com os neo-conservadores, tenham dado o sinal verde para a derrubada do presidente Manuel Zelaya.
Moniz Bandeira - A Tarde
Entrevista publicada no jornal A Tarde, de Salvador.
A Tarde: Com relação à crise em Honduras, é possível que tenha havido alguma participação dos Estados Unidos?
Moniz Bandeira – Eu não diria participação dos Estados Unidos, mas me parece certo que os militares hondurenhos não dariam um golpe de Estado se não contassem com respaldo de alguns setores, nos Estados Unidos, que se opõem à política exterior do presidente Barack Obama, sobretudo com respeito à Venezuela, Cuba e à América Latina, e querem criar-lhe dificuldades. Há fortes evidências neste sentido. Congressistas do Partido Republicano, como Mário Díaz-Balart, da representante da comunidade cubano-americana de Miami, e Mike Pence, também um conservador extremista, declararam que não houve golpe militar no sentido do termo e atacaram a posição do governo de Obama bem como a posição assumida pela OEA. O mesmo pronunciamento fez Roger Noriega, ex-secretário assistente o para o Hemisfério Ocidental, no governo do presidente George W. Bush, e o que mais impulsionou o agravamento das sanções contra Cuba, que Obama agora começa a reverter. Manifestou-se abertamente em favor do golpe militar, alegando que o presidente Manuel Zelaya agiu fora da lei e que os “irresponsáveis diplomatas regionais, que haviam falhado de confrontar os caudilhos anti-democráticos caudillos na Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua e Honduras, foram cúmplices nos seus abusos”.
Esses neocons (neo-conservadores) justificaram o golpe militar, dizendo que os hondurenhos, derrubando o governo do presidente Manuel Zelaya, atuaram para defender a democracia e preservar a lei. Mas não que o governo de Manuel Zelaya houvesse suprimido no país as liberdades civis e as instituições democráticas.
AT: Mais precisamente, quais os vínculos que os militares em Honduras têm com os Estados Unidos?
MB – Provavelmente, setores da CIA e do Pentágono, que se alinham com os neo-conservadores e se opõem à política do presidente Barack Obama, deram ao Exército o sinal verde hondurenho para a derrubada do presidente Manuel Zelaya. Em Honduras, a presença militar dos Estados Unidos é marcante. Lá, na base aérea de Soto Cano (Palmerola), está sediada a Joint Task Force-Bravo, integrante do U.S. Southern Command (Southcom), com cerca de 350 a 500 soldados, do 612th Air Base Squadron e o 1st Battalion, 228th Aviation Regiment. Nessa base, nos anos 1970 e 1980, foram treinadas as tropas hondurenhas, integrantes do Batalhão 3-6, acusadas de inúmeros seqüestros, abusos e crimes contra os dissidentes hondurenhos. E, nos anos 1980, Honduras foi o santuário dos “contra”, dos guerrilheiros que combatiam o governo sandinista da Nicarágua, com recursos financeiros ilegais fornecidos pela administração do presidente Ronald Reagan. É lógico, portanto, concluir que os militares hondurenhos não se atreveriam a dar um golpe de Estado, em franco desafio à política exterior que o presidente Barack Obama pretende executar, sem contar com o respaldo de setores políticos do Partido Republicano, bem como do Pentágono e da CIA.
AT: O senhor disse em entrevista que Obama não teria condições de reverter a política externa de George W. Bush, que tais mudanças seriam apenas "cosméticas". Se a política externa que está sendo construída por Obama é tão “cosmética“, por que teria causado insatisfação destes setores internos do governo norte-americano, a ponto de fazê-los incitar um golpe em Honduras?
MB – Eu disse que ele, fundamentalmente, não tem condições de reverter, porque um presidente, qualquer que seja sua tendência política, não pode fazer o que quer, o que deseja, devido às relações reais de poder nos Estados Unidos. O presidente, em qualquer país, sobretudo dentro de um regime democrático, faz apenas o que pode, dentro da correlação de forças existente na sociedade. Obama, por exemplo não pode cortar substancialmente as encomendas do Pentágono, a fim de reduzir o déficit fiscal dos Estados Unidos, que cresce de ano a ano. Se tentasse fazê-lo, diversas indústrias de material bélico logo quebrariam, aumentando o desemprego e arruinando os Estados onde estão instaladas. Nos anos 1980, o Estado da Califórnia dependia mais do que qualquer outro das despesas militares, a maior parte com programas nucleares, tais como a fabricação dos bombardeios B-1 e B-2, o Tridente I e o Tridente II, os mísseis MX, a Strategic Defense Initiative (guerra nas estrelas), e vários outros programas, tais como o MILSTAR. As empresas contratadas recebiam 20% do orçamento do Departamento de Defesa. As pessoas e as organizações na Califórnia e em outros Estados naturalmente que se opunham à redução das encomendas de material bélico.
AT: Zelaya, Chávez e Evo Morales se sustentam num discurso de representação dos pobres. Esse neo-populismo de esquerda seria a única resposta possível aos regimes de direita, militares e conservadores que eram apoiados pelos Estados Unidos entre os anos 60 e 80 na região? A política de Chávez, que apontou o governo Micheletti de "ditadura", não seria também opressora para com os opositores do governo venezuelano?
MB – Não vou entrar no caso de Honduras, porque a situação, na América Central, não é igual à da América Sul. Do ponto de vista geopolítico, os países da América Central, como Honduras, gravitam mais na órbita dos Estados Unidos. Porém, o que sei é que Hugo Chávez e Evo Morales foram eleitos democraticamente e seus governo exprimem um tipo de revoltas das camadas mais exploradas e oprimidas, tanto na Venezuela como na Bolívia. E falar de “neo-populismo de esquerda” nada explica, porque, antes de tudo, é necessário explicar porque “neo”, porque “populismo”, porque “de esquerda”. O populismo é um fenômeno bastante complexo, que apresenta, em cada país, especificidades, e esse conceito perde, na generalização, o rigor científico e, em conseqüência, a utilidade teórica e prática. De modo geral, é um contrabando ideológico que os conservadores aplicam a todos os governos que tratam de atender às reivindicações populares, contrariando os interesses das elites, das classes dirigentes. E quanto ao governo do presidente Chávez, embora não se possa estar de acordo ou aprovar todas as suas iniciativas, todas as suas atitudes, não se pode dizer que sua política é “opressora” dos que se opõem ao seu governo. Que eu saiba, lá não há presos políticos e a imprensa não está sob censura. Mas é bom lembrar que os Estados Unidos, em abril de 2002, apoiaram abertamente um golpe militar-empresarial para derrubá-lo e, através da National Endowment for Democracy (NED), com fundos do Congresso, sempre financiaram, na América Latina, sobretudo na Venezuela e em Cuba, as correntes de oposição, que dizem defender a democracia.
AT - Neste novo contexto latino-americano, há definições possíveis e claras para democracia e ditadura? Quais os exemplos?
MB - Não vou entrar em discussões teóricas, conceituais, sobre o que é democracia e o que é ditadura, numa simples entrevista, sobre um caso concreto, como o golpe militar em Honduras.
AT - A Igreja Católica em Honduras foi a única instituição a defender o novo governo de Micheletti, alegando evitar a infiltração de um modelo chavista. Como avalia esta posição?
MB –A Igreja Católica tende, em geral, para o conservadorismo. No Brasil, apoiou o golpe militar de 1964, mas depois grande parte do clero inflectiu para a oposição à ditadura.
AT - Até agora o governo brasileiro tem se mantido afastado da crise em Honduras? A que o senhor atribui essa posição do governo brasileiro?
MB – O Brasil tem como princípio de política exterior não intervir nos negócios internos de outros países. Porém, demonstrando de forma inequívoca que não reconhece o governo emanado do golpe de Estado, retirou seu embaixador de Tegucigalpa.
CARTA MAIOR
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