Quito, Capital do Equador:
Claudia Jardim
De Caracas para a BBC Brasil
Com a vitória no referendo deste domingo, o presidente do Equador, Rafael Correa, fortalece seu poder na Presidência e abrirá caminho para a consolidação de uma hegemonia no Parlamento, na opinião de analistas ouvidos pela BBC Brasil.
"A maioria parlamentar é o que permitirá ao presidente aplicar a Constituição e seu projeto de governo", afirmou Milton Benitez, professor de Ciências Políticas da Universidade Católica do Equador.
"O desafio será criar condições para um novo modelo político no qual a participação cidadã e a democracia sejam efetivos", acrescentou.
Ao anunciar a vitória, na cidade de Guayaquil, Correa disse que "o Equador decidiu um novo país, as velhas estruturas foram derrotadas".
Os resultados das pesquisas de boca-de-urna do domingo indicavam que a nova Constituição do país foi aprovada com cerca de 70% dos votos.
O mandatário equatoriano aposta na mudança do modelo econômico, previsto na nova Constituição, para alterar o projeto neoliberal implementado nas últimas décadas e sentar as bases de seu projeto socialista.
Transição
Para a conformação da nova estrutura institucional será constituído o "Congresillo", uma espécie de Parlamento transitório, que assumirá as funções do legislativo durante os próximos seis meses e nomeará os representantes do Judiciário e demais organismos do Estado.
O passo seguinte será a realização de eleições para cerca de três mil novos cargos públicos entre governadores, prefeitos, deputados e o presidente da República.
Com índices de popularidade de cerca de 70%, o líder equatoriano não deve enfrentar dificuldades para ser novamente eleito.
"Os eleitores equatorianos, como a maioria dos latino-americanos, não votam por projetos, votam por pessoas. Enquanto a imagem do presidente continuar sendo forte e popular, continuará tendo respaldo", afirmou Adrían Bonilla, diretor da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais no Equador.
A Constituição aprovada prevê, entre outras mudanças, a reeleição presidencial, o que permitiria a Correa se candidatar a um novo período e governar até 2017.
Na opinião de Milton Benitez, sem aparente dificuldade para vencer as eleições de fevereiro de 2009, Correa apostará "todo o capital político" para que sua base aliada ocupe a maioria das cadeiras do Congresso, que a partir de agora se chamará Assembléia.
Superpoderes
Para o ex-presidente Lúcio Gutierrez, o período de transição regulado pelo "Congresillo" limitará as possibilidades para que a oposição participe em condições de igualdade nas próximas eleições.
"O Congresillo será controlado pelo partido de Correa (Aliança País) e eles controlarão todos os poderes do Estado neste período de transição", afirmou Gutierrez à BBC Brasil.
Gutierrez, que foi derrotado em 2005 e inabilitado politicamente, disse que seu partido, Sociedade Patriótica, "está pronto" para concorrer às próximas eleições.
Na avaliação do analista Adrían Bonilla, um dos fatores fundamentais que levaram ao fortalecimento do poder de Correa é a falta de "credibilidade" dos partidos tradicionais.
Na sua opinião, a campanha realizada pela oposição durante o referendo manifestou um discurso "retrógrado, com poucas projeções à um regime político de caráter democrático".
"Agora a oposição está fora do jogo e em cinco meses (de campanha eleitoral) será muito difícil que revertam essa tendência", acrescentou o analista.
Analistas políticos concordam que o atual prefeito de Guayaquil, Jaime Nebot, seria o único opositor representante a "velha política" capaz de fazer frente ao governo Federal.
Nebot advertiu a Correa que fará com que o governo respeite o direito de autonomia da cidade que governa e ameaçou, na véspera do referendo, não concorrer às novas eleições se o "sim" saísse vitorioso.
Para Bonilla, se a nova Assembléia for conformada por uma presença majoritária de partidários do presidente, a fiscalização e o controle da gestão pública poderiam ser coibidos. No entanto, ele ponderou que este problema seria de caráter eleitoral e não institucional.
"Sem oposição no Parlamento, o governo poderá ter pouco equilíbrio e controles durante a gestão, mas não por causa da nova estrutura institucional, e sim devido à opção eleitoral dos equatorianos", afirmou o analista político.
Desafios
Uma das tarefas do legislativo a partir de agora será criar as normas jurídicas para que as mudanças propostas na Constituição saiam do papel.
Quanto às prioridades que serão estabelecidas na nova gestão do governo, a receita proveniente do petróleo é o que tende a estabelecer como e quanto avançar.
"Se os preços do petróleo se mantêm estáveis haverá orçamento para incrementar o gasto social e avançar as outras propostas, caso contrário, Correa terá dificuldades para cumprir suas promessas", afirmou Bonilla.
Cerca de 50% do orçamento do Estado equatoriano provém do petróleo e o setor responde por 25% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Na opinião do analista Milton Benitez, virá um período de "turbulência" na composição da base governista, o que poderia dar origem a novos grupos de oposição que poderiam estar à esquerda do partido de governo Aliança País.
"A vitória no referendo dá fim a uma época pouco democrática e de crise institucional. A partir de agora, os grupos políticos começarão a disputar essa nova composição política da sociedade", avaliou Benitez.
Os equatorianos aprovaram a 20ª Constituição da história do país, desde que foi fundado como República em 1830.
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