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segunda-feira, 20 de maio de 2024

A BATALHA DA ÁGUA

 

 

Foto de Yoshihiro Kimura

 

A matriarca e o patriarca da família Zaffari que se deslocaram do interior do Rio Grande do Sul para Porto Alegre foram muito sagazes.

Instalaram suas lojas em locais majoritariamente habitados ou com potencial de serem ocupados por segmentos das classes média e média alta.

Os supermercados Zaffari, com seu slogan "economizar é comprar bem" passaram a ser um ícone da classe média porto-alegrense.

Comprar bem, no senso comum de seus clientes, significa algo como comprar produtos de qualidade em ambientes agradáveis, com preços mais caros que a concorrência, selecionando “por cima” o público comprador.

Talvez a loja mais representativa desse conceito é o Zaffari Higienópolis.

Ao contrário de outras lojas até maiores, que se encontram em regiões que mesclam classes mais abastadas com pessoas com menor poder aquisitivo, esse supermercado está literalmente cercado por um público com uma média de poder aquisitivo que pode ser classificada como abastada.

Para algumas pessoas, visitar o Zaffari Higienópolis é um acontecimento social. Comparecem vestidos com esmero ou, mais recentemente, ostentando uniformes completos de frequentadores de academias de musculação e similares. Exceto, às vezes, sapato de salto alto substituindo o tênis.

Existem inclusive horários em que é comum encontrar pessoas que vão até lá para ver se arrumam algum encontro de caráter não estritamente comercial. Isso eu só ouvi falar, não constatei pessoalmente, porém como esses comentários vieram de fontes variadas eu acreditei.

Nesse ambiente de gente bonita, inteligente e sincera (desculpa, Lulu Santos), fiquei impressionado durante a pandemia da COVID com a extrema necessidade das pessoas de se abastecer com quantidades enormes de papel higiênico.

Agora, nesta enchente de maio, aconteceu outra vez. Só que agora o papel higiênico ficou ofuscado pela busca por água.

Frequentadores do Zaffari Higienópolis enchiam seus carrinhos com água. Algumas pessoas faziam malabarismo para empurrar mais de um carrinho repleto do líquido precioso.

Até que faltou. Gôndolas de água vazias.

A gestão do supermercado passou a racionar a venda de água.

Os clientes começaram a se olhar de forma desconfiada.

Literalmente algumas pessoas rosnavam umas para as outras.

Senhores veteranos, bem-vestidos com calças com friso impecável e sapatos lustrados, tentavam uma forma de furar a fila da água, que já estava quase saindo para fora da loja.

O processo civilizador ficou congelado durante alguns dias, até que a água começou a retornar nas torneiras das residências.

Aí voltou a “normalidade”, com as pessoas reaprendendo a dizer por favor, com licença, obrigado e desculpa. As tais palavrinhas mágicas...

Ainda bem que lá fora, nos locais críticos, a solidariedade imperou.

Tivemos um verdadeiro tsunami de doações para os alagados, bem como uma enorme avalanche de voluntariado.

Não tenho como avaliar a quantidade de clientes do Zaffari Higienópolis que se dedicaram de alguma forma a apoiar os necessitados nesta tragédia terrível pela qual estamos passando.

Com certeza alguns apoiaram.

 

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

A INVASÃO DAS BARATAS VOADORAS

 


No verão de 2016 aconteceu um fenômeno curioso no bairro onde resido em Porto Alegre: os moradores começaram a escutar um som novo, intermitente, que vinha de diversos lugares.

Muitas pessoas confundiram com alarmes.

 Eram cigarras, que voltavam ao bairro depois de anos.

Veja aqui o que escrevi, na época, a respeito:  https://doomar.blogspot.com/2016/01/o-verao-das-cigarras.html

Neste ano, 2023, nas mesmas cercanias surgiu um novo acontecimento: edifícios e apartamentos receberam visitas acintosas de baratas voadoras com frequência e quantidades fora do usual.

As baratas apareceram sobre a face da terra há aproximadamente 400 milhões de anos e, em nosso país, são conhecidas 644 espécies, sendo que a maioria habita ambientes de floresta. Aproximadamente cinco espécies desses insetos estão associadas a ambientes urbanos e, portanto, presentes em habitações humanas de diversas regiões do globo terrestre. 

A barata de esgoto, ou barata voadora, Periplaneta americana, é uma das espécies domésticas mais comuns no Brasil. Esse animal pode viver em vários ambientes, preferindo locais mais isolados, quentes e úmidos. Rodapés, rachaduras, cantos, frestas, ralos e caixas de gordura de nossas casas podem abrigar esses seres cuja presença não é muito bem-vinda.

Por que apareceram nesse verão de forma que pode parecer exagerada é uma questão a ser estudada.


Saiba mais: https://mundoeducacao.uol.com.br/biologia/barata.htm

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

PORTO ALEGRE É DEMAIS!



(SUGESTÃO PARA A SECRETARIA EXTRAORDINÁRIA FICAR AINDA MAIS EXTRAORDINÁRIA)


O Prefeito de Porto Alegre teve uma ideia brilhante: pretende instalar um letreiro com o nome da cidade em um ponto de destaque.

“O letreiro ficará no Morro da Polícia, onde há mais visibilidade. As pessoas vão abrir suas janelas de vários pontos da cidade e enxergá-lo”, comenta Eduardo Vital, o Dudu, assessor especial da Secretaria Extraordinária dos 250 Anos da Capital.

A inspiração é o conhecido letreiro de Hollywood, situado sobre o Monte Lee, na região norte de Los Angeles.

Nessa linha de raciocínio, com o intuito de colaborar, tenho outra sugestão: transformar o acampamento provisório que atualmente existe em frente a um edifício do Exército Brasileiro, no Centro de Porto Alegre, em ACAMPAMENTO PERMANENTE!

O atual acampamento poderia ser cercado e dotado de mirantes elevados para uma melhor observação do quotidiano do bivaque.

A Secretaria Extraordinária dos 250 Anos da Capital ficaria encarregada de coordenar a estruturação de uma programação semanal para organizar os horários dos visitantes.

Por exemplo: todos os dias em determinado horário poderia ocorrer uma ordem unida, com atrações. Um dia um ET, outro dia um robô etc.

À noite seria escolhido um horário fixo para envio de mensagens aos extraterrestres, com utilização de celulares e outros equipamentos eventualmente considerados adequados para essa finalidade.

Turistas que pagassem taxa extra poderiam participar de refeições, convivendo com os acampados e acampadas, com opção de participar de jograis. Claro que para isso teria que ser criado um mecanismo de segurança devido a possíveis instabilidades comportamentais dos abarracados, com potencial de agressividade involuntária ou voluntária.

Assim por diante...

Acredito que iniciativas deste jaez podem ser portadoras de grande potencial turístico e publicitário.


Omar, dezembro de 2022.


Imagem: Luís Fonte, Conversa Fiada.

domingo, 28 de março de 2021

UMA CRÔNICA CIVILIZADA

 




Antes de mais nada, devo ressaltar que esta história ocorre em um bairro considerado pelo senso comum como sendo de “classe média” ou “classe média alta” do Município de Porto Alegre, RS.

Episódio 1

Por algum motivo morador ou moradores de um apartamento situado em um prédio alto e bonito, colocam em seu aparelho de som o Hino Nacional Brasileiro. O aparelho de som parece ser de excelente qualidade, pois o som chega até meu apartamento, em outro prédio, não só alto e claro como fazendo tremer os vidros da janela. Não se sabe também por qual motivo uma voz masculina, após a execução do Hino Nacional, começou a emitir brados na janela convidando a vizinhança a fazer turismo em Cuba, juntamente com palavreado que não vou citar aqui para não ser objeto de censura.

 

Episódio 2

Algum tempo depois, o referido cidadão decide realizar uma festinha iniciando em torno das 3 horas da madrugada. Realmente o aparelho de som é de primeira qualidade. O som das músicas escolhidas chegou no meu apartamento, que se localiza em outro prédio, com nitidez impressionante, mesmo com as janelas fechadas. Atualizei compulsoriamente meu repertorio de pagode e de música pop da moda. 



Episódio 3

Passados alguns dias, as mesmas pessoas decidem fazer nova festa, também iniciando na madrugada. Desta vez o som do aparelho sonoro estava com volume baixo. Deduzi que os demais moradores do prédio enviaram recomendação formal a respeito. Mas nossos festeiros não se apertaram. A música era cantada com volume de voz invejável. Digo A MÚSICA, pois a mesma música era repetida constantemente, em sequência. Eu não conhecia, mas aprendi o início do refrão: “deixa acontecer naturalmente, eu não quero ver você chorar...”. De qualquer forma, consegui dar uma cochilada. Acordei às 05:45 horas com uma voz solitária, pastosa e arrastada, bradando: “deixa acontecer naturalmente, etc”.


O processo civilizador da humanidade parece estar longe de chegar a um patamar satisfatório, não é verdade?

 

Imagem:  Hieronymus Bosch

sexta-feira, 7 de agosto de 2020

HISTÓRIAS DO MERCADO PÚBLICO DE POA

 



Essa eu testemunhei.

Um Senhor, aparentando entre 70 e 75 anos de idade, se aproxima com passos decididos do balcão do Café do Mercado e anuncia:

- Vim fazer uma reclamação!

Uma atendente, solícita, se aproxima e pergunta se pode ajudar.

O Senhor saca do bolso um celular e, depois de algumas tentativas, mostra um vídeo para a atendente.

No vídeo um rapaz enche parcialmente com água dois copos altos. No primeiro copo coloca uma colher de café oriunda de uma embalagem e no outro coloca quantidade parecida, oriunda de outra embalagem. Em um dos copos o café permaneceu todo na superfície da água, boiando. No segundo copo parte do café baixou até o fundo e parte permaneceu na superfície. O rapaz afirmou que aquelas partículas que desceram até o fundo não eram de café e sim de outra substância adicionada para adulterar o produto.

- O café de vocês é falsificado, adulterado, bradou o Senhor! Coloquei o café que comprei aqui em um copo com água e ele desceu todo pro fundo!

- Mas meu Senhor, isso é impossível! Olha ali os grãos de café. Olha o rapaz tirar, pesar e colocar no moedor. Olha o café moído! Não tem como ser adulterado. É tudo transparente!

- Não sei como vocês fazem, mas o café de vocês é falsificado. Quer ver o vídeo de novo?

- Não tenho tempo. Olha a fila... O que o Senhor quer, seu dinheiro de volta?

- Não. Não precisa. Eu usei o pó de vocês para fazer café e ficou bom. Então não precisa devolver o dinheiro. Mas o café é falsificado!!!

Se virou e foi embora, com seus passos decididos.

Omar, em agosto de 2020. 

 

 Foto: Jefferson Bernardes/ PMPA

quarta-feira, 17 de abril de 2019

PERIGO! A ÁGUA BRASILEIRA ESTÁ ENVENENADA.



Por Ana Aranha, Luana Rocha, Agência Pública/Repórter Brasil. 

São Paulo, Rio de Janeiro e outras 1.300 cidades acharam agrotóxicos na rede de abastecimento. Dados do Ministério da Saúde revelam que a água do brasileiro está contaminada com substâncias que podem causar doenças graves


Um coquetel que mistura diferentes agrotóxicos foi encontrado na água de 1 em cada 4 cidades do Brasil entre 2014 e 2017. Nesse período, as empresas de abastecimento de 1.396 municípios detectaram todos os 27 pesticidas que são obrigados por lei a testar. Desses, 16 são classificados pela Anvisa como extremamente ou altamente tóxicos e 11 estão associados ao desenvolvimento de doenças crônicas como câncer, malformação fetal, disfunções hormonais e reprodutivas. Entre os locais com contaminação múltipla estão as capitais São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Manaus, Curitiba, Porto Alegre, Campo Grande, Cuiabá, Florianópolis e Palmas.

Os dados são do Ministério da Saúde e foram obtidos e tratados em investigação conjunta da Repórter Brasil, Agência Pública e a organização suíça Public Eye. As informações são parte do Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Sisagua), que reúne os resultados de testes feitos pelas empresas de abastecimento.

Os números revelam que a contaminação da água está aumentando a passos largos e constantes. Em 2014, 75% dos testes detectaram agrotóxicos. Subiu para 84% em 2015 e foi para 88% em 2016, chegando a 92% em 2017. Nesse ritmo, em alguns anos, pode ficar difícil encontrar água sem agrotóxico nas torneiras do país.

Embora se trate de informação pública, os testes não são divulgados de forma compreensível para a população, deixando os brasileiros no escuro sobre os riscos que correm ao beber um copo d’água. Em um esforço conjunto, a Repórter Brasil, a Agência Pública e a organização suíça Public Eye fizeram um mapa interativo com os agrotóxicos encontrados em cada cidade. O mapa revela ainda quais estão acima do limite de segurança de acordo com a lei do Brasil e pela regulação europeia, onde fica a Public Eye.

Saiba o nível de contaminação da sua cidade clicando na imagem abaixo.




O retrato nacional da contaminação da água gerou alarde entre profissionais da saúde. “A situação é extremamente preocupante e certamente configura riscos e impactos à saúde da população”, afirma a toxicologista e médica do trabalho Virginia Dapper. O tom foi o mesmo na reação da pesquisadora em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Pernambuco, Aline Gurgel: “dados alarmantes, representam sério risco para a saúde humana”.

Entre os agrotóxicos encontrados em mais de 80% dos testes, há cinco classificados como “prováveis cancerígenos” pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos e seis apontados pela União Europeia como causadores de disfunções endócrinas, o que gera diversos problemas à saúde, como a puberdade precoce. Do total de 27 pesticidas na água dos brasileiros, 21 estão proibidos na União Europeia devido aos riscos que oferecem à saúde e ao meio ambiente.

A falta de monitoramento também é um problema grave. Dos 5.570 municípios brasileiros, 2.931 não realizaram testes na sua água entre 2014 e 2017.
Coquetel tóxico

A mistura entre os diversas químicos foi um dos pontos que mais gerou preocupação entre os especialistas ouvidos. O perigo é que a combinação de substâncias multiplique ou até mesmo gere novos efeitos. Essas reações já foram demonstradas em testes, afirma a química Cassiana Montagner. “Mesmo que um agrotóxico não tenha efeito sobre a saúde humana, ele pode ter quando mistura com outra substância”, explica Montagner, que pesquisa a contaminação da água no Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), de São Paulo. “A mistura é uma das nossas principais preocupações com os agrotóxicos na água”.

Os paulistas foram os que mais beberam esse coquetel nos últimos anos. O estado foi recordista em número de municípios onde todos os 27 agrotóxicos estavam na água. São mais de 500 cidades, incluindo a grande São Paulo – Guarulhos, São Bernardo do Campo, Santo André e Osasco – além da própria capital. E algumas das mais populosas, como Campinas, São José dos Campos, Ribeirão Preto e Sorocaba. O Paraná foi o segundo colocado, com coquetel presente em 326 cidades, seguido por Santa Catarina e Tocantins.



Os especialistas falam muito sobre a “invisibilidade” do efeito coquetel. As políticas públicas não monitoram a interação entre as substâncias porque os estudos que embasam essas políticas não apontam os riscos desse fenômeno. “Os agentes químicos são avaliados isoladamente, em laboratório, e ignoram os efeitos das misturas que ocorrem na vida real”, diz a médica e toxicologista Dapper.

Por isso, ela lamenta, as pessoas que já estão desenvolvendo doenças em decorrência dessa múltipla contaminação provavelmente nunca saberão a origem da sua enfermidade. Nem os seus médicos.

Questionado sobre quais medidas estão sendo tomadas, o Ministério da Saúde enviou respostas por email reforçando que “a exposição aos agrotóxicos é considerada grave problema de saúde pública” e listando efeitos nocivos que podem gerar “puberdade precoce, aleitamento alterado, diminuição da fertilidade feminina e na qualidade do sêmen; além de alergias, distúrbios gastrintestinais, respiratórios, endócrinos, neurológicos e neoplasias” (Leia a íntegra das respostas do Ministério da Saúde).

A resposta, porém, ressalta que ações de controle e prevenção só podem ser tomadas quando o resultado do teste ultrapassa o máximo permitido em lei. E aí está o problema: o Brasil não tem um limite fixado para regular a mistura de substâncias.

Essa é uma das reivindicações dos grupos que pedem uma regulação mais rígida para os agrotóxicos. “É um absurdo esse problema ficar invisível no monitoramento da água e não haver ações para controlá-lo”, afirma Leonardo Melgarejo, engenheiro de produção e membro da Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e Pela Vida “Se detectar diversos agrotóxicos, mas cada um abaixo do seu limite individual, a água será considerada potável no Brasil. Mas a mesma água seria proibida na França”.

Ele se refere à regra da União Europeia que busca restringir a mistura de substâncias: o máximo permitido é de 0,5 microgramas em cada litro de água – somando todos os agrotóxicos encontrados. No Brasil, há apenas limites individuais. Assim, somando todos os limites permitidos para cada um dos agrotóxicos monitorados, a mistura de substâncias na nossa água pode chegar a 1.353 microgramas por litro sem soar nenhum alarme. O valor equivale a 2.706 vezes o limite europeu.

O risco das pequenas quantidades

Mesmo quando se olha a contaminação de cada agrotóxico isoladamente, o quadro preocupa. Dos 27 agrotóxicos monitorados, 20 são listados como altamente perigosos pela Pesticide Action Network, grupo que reúne centenas de organizações não governamentais que trabalham para monitorar os efeitos dos agrotóxicos.

Mas, aos olhos da lei brasileira, o problema é pequeno. Apenas 0,3% de todos os casos detectados de 2014 a 2017 ultrapassaram o nível considerado seguro para cada substância. Mesmo considerando os casos em que se monitora dez agrotóxicos proibidos no Brasil, são poucas as situações em que a presença deles na água soa o alarme.

E esse é o segundo alerta feito por parte dos pesquisadores: os limites individuais seriam permissivos. “Essa legislação está há mais de 10 anos sem revisão, é muito atraso do ponto de vista científico” afirma a química Montagner. “É como usar uma TV antiga, pequena e preto e branco, quando você pode ter acesso a uma HD de alta definição”.

Ela se refere a pesquisas mais recentes sobre os riscos do consumo frequente e em quantidades menores, um tipo de contaminação que não gera reações imediatas. “Talvez certo agrotóxico na água não leve 15% da cidade para o hospital no mesmo dia. Mas o consumo contínuo gera efeitos crônicos ainda mais graves, como câncer, problemas na tireoide, hormonal ou neurológico”, alerta Montagner. “Já temos evidências científicas, mas a água contaminada continua sendo considerada como potável porque não se olha as quantidades menores”, afirma.



Em resposta a essa crítica, um grupo de trabalho foi criado pelo Ministério da Saúde para rever os limites da contaminação. “Estamos fazendo um trabalho criterioso”, afirma Ellen Pritsch, engenheira química e representante da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental no grupo. Segundo ela, pesquisas internacionais e regulações de outros países estão sendo levados em conta. Criado em 2014, a previsão é que os trabalhos sejam concluídos em setembro.

Pelo menos 144 cidades detectaram o mesmo pesticida de modo contínuo durante os quatro anos de medições seguidos, segundo os dados. Mais uma vez, São Paulo é o recordista desse fenômeno de intoxicação. Especialistas ouvidos pela reportagem apontam o uso de pesticidas na produção de cana de açúcar como a provável origem para a larga contaminação do estado. “A cultura da cana é a que tem mais herbicidas registrados. Como São Paulo é um dos maiores produtores de cana, isso justifica sua presença elevada [de pesticidas na água]”, afirma Kassio Mendes, coordenador do comitê de qualidade ambiental da Sociedade Brasileira da Ciência das Plantas Daninhas.

O diuron, um dos principais herbicidas usados pelo setor, foi detectado em todos os testes feitos na água dos mananciais das regiões onde mais se cultiva cana no estado, segundo dados de 2017 da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). A substância é uma das apontadas como provável cancerígena pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos.



De quem é a responsabilidade?

Depois de contaminada, são poucos os tratamentos disponíveis para tirar o agrotóxico da água. “Alguns filtros são capazes de tirar alguns tipos de agrotóxicos, mas não há um que dê conta de todos esses”, afirma Melgarejo. “A água mineral vem de outras fontes, mas que são alimentadas pela água que corre na superfície, então eventualmente também serão contaminadas”.

O trabalho preventivo, ou seja, evitar que os agrotóxicos cheguem aos mananciais, deveria ser primordial, afirma Rubia Kuno, gerente da divisão de toxicologia humana e saúde ambiental da Cetesb. “O esforço deve ser na prevenção porque o sistema de tratamento convencional não é capaz de remover os agrotóxicos da água”, afirma.

É grande o debate sobre a complexidade em se enfrentar o problema, mas é difícil encontrar quem está assumindo a responsabilidade.

A reportagem procurou as secretarias do Meio Ambiente, Agricultura e Saúde e Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) para entender quais ações são tomadas no estado com o maior índice de contaminação. As respostas foram dadas pela Sabesp e pela assessoria do meio ambiente com informações técnicas sobre o monitoramento. Nem as secretarias nem a empresa esclareceram o que está sendo feito para controlar ou prevenir o problema. (Leia a íntegra das respostas da Sabesp e da Secretaria do Meio Ambiente)



O Ministério da Saúde diz que a vigilância sanitária dos municípios e dos estados deve dar o alerta aos prestadores de serviços de abastecimento de água para que tomem as providências de melhoria no tratamento da água. “Caso os dados demonstrem que o problema ocorre de forma sistemática, é preciso buscar soluções a partir da articulação com os demais setores envolvidos, como órgãos de meio ambiente, prestadores de serviço e produtores rurais”, diz a nota enviada pelo órgão.

Questionado sobre quais ações estão sendo tomadas, o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), que representa os produtores de agrotóxicos, fez uma defesa sobre a segurança dos pesticidas. Em nota, o grupo afirma que a avaliação feita pela Anvisa, Ibama e Ministério da Agricultura garante que eles são seguros ao trabalhador, população rural e ao meio ambiente “sempre que utilizados de acordo com as recomendações técnicas aprovadas e indicadas em suas embalagens”.

O sindicato afirma que a aplicação correta dos produtos no campo é um desafio e atribui a responsabilidade aos trabalhadores que aplicam os pesticidas. “O setor de defensivos agrícolas realiza iniciativas para garantir a aplicação correta de seus produtos, uma vez que alguns problemas estruturais da agricultura como a falta do hábito da leitura de rótulo e bula e analfabetismo no campo trazem um desafio adicional de cumprimento às recomendações de uso”.



Ao contrário do que ocorre em outros países, no Brasil as empresas que produzem agrotóxicos não se envolvem com o monitoramento da água, que é custeado pelos cofres públicos e pelas empresas de abastecimento.

Em Santa Catarina, que está entre os três estados com maior contaminação, o Ministério Público Estadual chamou a responsabilidade de prefeituras, secretarias estaduais, concessionárias de água, agências reguladoras e sindicatos de produtores e trabalhadores rurais. A iniciativa partiu dos resultados de um estudo inédito que encontrou agrotóxicos na água de 22 municípios. “Alertamos todos os órgãos públicos e privados envolvidos para buscar soluções, é preciso aplicar medidas corretivas para diminuir os riscos dos cidadãos”, diz a promotora Greicia Malheiros, responsável pela investigação. A iniciativa teve início em março desse ano e ainda não tem resultados.

Mais do que remediar a contaminação da água, a coordenadora técnica do estudo, a engenheira química Sonia Corina Hess, defende a proibição do uso dos pesticidas que oferecem maior risco. Das substâncias encontradas em seu estudo no estado catarinense, sete estão proibidas na União Europeia por oferecer risco à saúde humana. “Tem que proibir o que é proibido lá fora, tem que proibir o que é perigoso. Se faz mal para eles porque no Brasil é permitido?”, questiona.
Perigoso na Europa, permitido no Brasil

O controle da água feito pelo Brasil também está distante dos parâmetros da União Europeia. Com o objetivo de eliminar a contaminação, o continente fixou a concentração máxima na água em 0,1 micrograma por litro – valor que era o mínimo detectável quando a regulação foi criada.

Para descobrir como a água do Brasil seria avaliada pelo padrão europeu, a organização Public Eye classificou os dados fornecidos pelo Ministério da Saúde segundo o critério daquele continente. Alguns dos agrotóxicos mais perigosos ultrapassaram os limites europeus em mais de 20% dos testes. Entre eles, o glifosato e o mancozebe, ambos associados a doenças crônicas, e o aldicarbe, proibido no Brasil e classificado pela Anvisa como “o agrotóxico mais tóxico registrado no país, entre todos os ingredientes ativos utilizados na agricultura”.

O glifosato é o caso mais revelador sobre as peculiaridades do Brasil na regulação sobre agrotóxicos. Classificado como “provável carcinogênico” pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer, órgão da Organização Mundial da Saúde, o pesticida está sendo discutido em todo o mundo. Há milhares de pacientes com câncer processando os fabricantes nos Estados Unidos – e vencendo nos tribunais – além de protestos e petições pedindo a sua proibição na Europa. Não há consenso, entre as agências reguladoras, sobre sua classificação. No Brasil, que oficialmente colocou a substância em revisão desde 2008, o Ministério da Agricultura liberou novos registros para a venda de glifosato no início deste ano. O pesticida passou a ser vendido em novas formas, quantidades e por número maior de fabricantes.

Nos testes com a água do país, a controversa substância foi a que mais ultrapassou a margem de segurança segundo o critério da União Europeia: 23% dos casos acima do limite. Pela lei brasileira, o glifosato foi um dos que menos soou o alarme: apenas 0,02% dos testes ultrapassaram o nosso limite.



“Isso é um escândalo de saúde pública. Nós colocamos o limite alto, lá na estratosfera, e aí comemoramos que temos uma água segura”, questiona a pesquisadora Larissa Bombardi, professora de geografia na Universidade de São Paulo e autora de um atlas que compara a lei brasileira e europeia no controle dos agrotóxicos. Seu estudo revela como nossos limites chegam a ser 5 mil vezes mais altos que os europeus. O caso mais grave é o do glifosato: enquanto na Europa é permitido apenas 0,1 miligramas por litro na água, aqui no Brasil a legislação permite até 500 miligramas por litro.

Como o glifosato é o agrotóxico mais vendido no país, e também o que tem o limite mais generoso para presença na água, Bombardi lança suspeitas sobre os critérios usados: “no caso do glifosato é realmente difícil encontrar justificativa científica, parece ser mais uma decisão política e econômica”. O pesticida foi o mais consumido em 2017 no Brasil com 173 mil toneladas vendidas, segundo o Ibama. O volume corresponde a 22% das estimativas de vendas para esse químico em todo o mundo no mesmo ano – o que faz do Brasil um importante mercado para as fabricantes, entre elas as gigantes Syngenta e a Monsanto – comprada pela Bayer no ano passado.


Limites generosos

A larga diferença entre os limites fixados pela União Europeia e pelo Brasil é um dos principais argumentos dos críticos do uso da substância no Brasil. “Essa diferença só pode se dar por dois motivos. Ou porque nossa sociedade é mais forte, somos seres mais resistentes aos agrotóxicos. Ou mais tola, porque estamos sendo ingênuos quanto aos riscos que corremos”, provoca Melgarejo, da Campanha Contra os Agrotóxicos.

A engenheira química Ellen Pritsch, representante da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental no grupo de trabalho que reavalia os limites dos pesticidas na água, discorda. Para ela, os atuais limites são seguros e foram fixados com embasamento científico. “O critério brasileiro é dez vezes menor do que o efeito que geraria problema. Então, mesmo que seja encontrado um percentual acima esse valor, ainda assim seria menor [estaria abaixo do risco]”, afirma.

Antes de aprovar os registros dos agrotóxicos, as empresas fabricantes entregam estudos com testes feitos com animais em laboratórios. O Sindiveg, sindicato da indústria de fabricantes de pesticidas, defende que esses estudos são o suficiente para avaliar os riscos das substâncias. “São estudos de bioconcentração em peixes e micro-organismo, algas e organismos do solo, abelhas, microcrustáceos, peixes e aves”, afirma nota enviada pelo Sindiveg em resposta às perguntas da reportagem.

A principal reivindicação dos grupos que fazem campanha pelo controle dos agrotóxicos é por mais restrição e até pela proibição de alguns dos pesticidas hoje aprovados no país, como a atrazina, o acefato e o paraquate, que são campeões de venda no Brasil, mas proibidos na União Europeia.

Mas o governo aponta na direção oposta. A responsável pela pasta da agricultura, ex-líder da bancada ruralista Tereza Cristina, foi presidente da comissão especial na Câmara que aprovou, em junho passado, o Projeto de Lei que propõe agilizar a aprovação de novos agrotóxicos no país. Apelidado pelos críticos como o “PL do veneno”, já gerou grande polêmica, sendo criticado em uma carta assinada por mais de 20 grupos da comunidade científica.

Sem previsão de conseguir maioria no Congresso para aprovar o PL, a estratégia parece ter mudado. Desde o início do ano, o Ministério da Agricultura publicou novos registros para 152 agrotóxicos, uma velocidade recorde de 1,5 aprovações por dia. Chamada para esclarecer as liberações em audiência na Câmara na última terça-feira (9), a ministra disse que “não existe liberação geral” e que longos processos de aprovação só atrasam o agronegócio brasileiro. Ela chamou de “desinformação” os estudos que apontam os riscos dessas substâncias e, usando o mesmo argumento do sindicato dos produtores de agrotóxicos, declarou que as intoxicações ocorrem devido ao modo como os trabalhadores aplicam as substâncias. Um dia depois da audiência, o governo aprovou a comercialização de mais 31 agrotóxicos no Brasil.


Esta reportagem faz parte do projeto Por Trás do Alimento, uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para investigar o uso de Agrotóxicos no Brasil. A cobertura completa está no site do projeto.
Fonte da Reportagem: http://desacato.info/

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