sexta-feira, 9 de setembro de 2011

SHLOMO SAND




O profeta dos Hebreus, o Príncipe da Paz, conduz os Judeus para a Terra Prometida


Dois textos de Juremir Machado da Silva:
 

Mito judaico

Os palestinos querem ter um Estado reconhecido pela ONU agora em setembro. Muitos judeus brasileiros acham que ainda não é o momento. Talvez mudem de ideia depois de ler o livro de Shlomo Sand, que finalmente chega ao Brasil, "Como Foi Inventado o Povo Judeu". Como esta coluna é vanguardista, escrevi aqui sobre Sand em 2009. Judeu, professor da Universidade de Tel-Aviv, tendo vivido até os 2 anos de idade num campo de concentração e sido soldado na Guerra dos Seis Dias, Sand sustenta que a base da cultura judaica é puro mito, o que transforma em poeira os principais argumentos israelenses em favor de seus privilégios no território que ocupam.

Segundo Sand, a ideia de que os judeus são um povo, uma etnia, ou que descendem de Moisés, Davi e Salomão, é apenas uma tradição religiosa recuperada no século XIX e oficializada a partir de 1960: "Qualquer israelense sabe que o povo judeu existe desde a entrega da Torá no monte Sinai e se considera seu descendente direto e exclusivo. Todos estão convencidos de que os judeus saíram do Egito e fixaram-se na Terra Prometida, onde edificaram o glorioso reino de Davi e Salomão, posteriormente dividido entre Judeia e Israel. E ninguém ignora o fato de que esse povo conheceu o exílio em duas ocasiões: depois da destruição do Primeiro Templo, no século 6 a.C., e após o fim do Segundo Templo, em 70 d.C.".

Sand vira o jogo: "Novas descobertas arqueológicas contradizem a possibilidade de um grande êxodo no século XIII antes da nossa Era. Da mesma forma, Moisés não poderia ter feito os hebreus saírem do Egito, nem tê-los conduzido à ''terra prometida'' - pelo simples fato de que, naquela época, a região estava nas mãos dos próprios egípcios!". Tem mais: "Tampouco há sinal ou lembrança do suntuoso reinado de Davi e Salomão. As descobertas da década passada mostram a existência de dois pequenos reinos: Israel, o mais potente, e a Judeia, cujos habitantes não sofreram exílio no século 6 a.C. Apenas as elites políticas e intelectuais tiveram de se instalar na Babilônia". Uau! É punk.

Rui o mito? "E o exílio do ano 70 d.C. teria efetivamente acontecido? (...) os romanos nunca exilaram povo nenhum em toda a porção oriental do Mediterrâneo. Com exceção dos prisioneiros reduzidos à escravidão, os habitantes da Judeia continuaram a viver em suas terras mesmo após a destruição do Segundo Templo." Conclusões de Shlomo Sand: não houve êxodos nem exílios. Os judeus espalhados pelo mundo não descendem, na maioria, de pessoas que um dia tenham vivido na Palestina, mas de um povo de origem turca, os kházaros, convertido ao judaísmo no século VIII da nossa Era. Entre os descendentes dos judeus de 2 mil atrás há palestinos da Cisjordânia convertidos ao islamismo durante a ocupação muçulmana.

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Entrevista com Shlomo Sand

Adoro voltar a ser repórter de cultura. Mandei um e-mail para o historiador Shlomo Sand. Ele me enviou seus telefones. Liguei para ele em Israel. Conversamos durante quase uma hora. Pagarei uma fortuna. Resumo do papo:

JMS - O senhor lutou na Guerra dos Seis Dias?

Sand - Claro. Fui soldado. Infelizmente ajudei a conquistar Jerusalém para Israel. Saí sem ferimentos.

JMS - O senhor nasceu num campo de refugiados, não de concentração, obviamente, na Áustria ou na Alemanha?

Sand - Na Áustria, onde só ficamos três semanas. Passamos imediatamente para um campo de refugiados na Alemanha.

JMS - Mantém suas ideias de que judeus atuais askenazes descendem dos khazares, um reino convertido ao judaísmo?

Sand - Claro que mantenho. É uma evidência. Só os ignorantes e os sionistas rejeitam isso. Em todos os sentidos, inclusive demográficos, os judeus do Leste Europeu não poderiam ter saído de onde se diz. A origem mítica judia é uma construção sionista do século XIX.

JMS - As críticas não o abalaram?

Sand - Tive mais elogios do que críticas. Grandes historiadores, como Tony Judt, Marcel Détienne e Eric Hobsbawm, me elogiaram. Edgar Morin me apoiou. Noam Chomsky gostou. Eles são muito mais importantes do que os sionistas que me atacaram. Críticas sionistas são comprometidas. Ganhei o Prix Aujourd''hui 2009, o mais importante prêmio atribuído pelos jornalistas franceses. Meu livro será traduzido em 21 línguas. Só os sionistas fanáticos é que o recusam. Só não conseguem refutá-lo.

JMS - Alguns dos seus críticos afirmam que as suas ideias servem aos antissemitas? Isso chega a incomodá-lo?

Sand - Dizer que isso é uma asneira é pouco. Não passa de uma chantagem primária. Não sou antissemita. Sou de origem judaica. Mas ser judeu não é pertencer a uma raça. Isso não existe. Quem pensa assim é racista. Um judeu brasileiro é, antes de tudo, um brasileiro de religião judaica. Quase nada há em comum entre um judeu polonês e um judeu brasileiro. Não existe uma cultura laica judia.

JMS - O fato de ser um especialista em história europeia deslegitima o seu trabalho sobre a história judaica?

Sand - Outra bobagem. Trabalho na Universidade de Tel Aviv, onde tem um departamento de história judaica e outro de história geral, que não se comunicam. Por eu ser especialista em história geral não poderia falar da história judaica? Só aos sionistas interessa essa ideia.

JMS - Para o senhor, como mostra em "A Invenção do Povo Judeu", o judaísmo é uma religião, não uma nação ou um povo. Significa que Israel não tem direito histórico ao seu território ou que deve dividi-lo com os palestinos?

Sand - Israel não tinha mais direito histórico algum sobre o atual território. Isso é loucura. Dois mil anos depois, com gente nascida por toda parte e de origens diferentes, que direito é esse? Estou escrevendo uma continuação de meu livro "O Mito da Terra de Israel". Por que um brasileiro de remota origem judaica tem direito a ir morar em Israel e um palestino nascido em Jerusalém não pode voltar para a sua terra natal? Israel deve existir por ser um fato consumado. Recuar seria uma tragédia. Devemos formar uma confederação de dois estados nacionais para resolver o problema e ir em frente. Viveremos em paz quando formos israelenses, não judeus.

Juremir Machado da Silva | juremir@correiodopovo.com.br

Correio do Povo

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