segunda-feira, 11 de agosto de 2008

"Tendência na UE é alarmante", diz representante das etnias dos sintos e rom


Racismo na Itália, apartheid e extrema miséria no Leste Europeu, preconceitos na Alemanha. DW-WORLD.DE entrevistou o presidente do Conselho Central dos Sintos e Rom, Romani Rose, sobre a situação de seu grupo étnico.

DW-WORLD.DE: Senhor Rose, neonazistas tchecos querem deportar 200 mil ciganos da etnia rom para a Índia; autoridades italianas recolhem digitais de todos os sintos e rom residentes no país, o critério é exclusivamente a origem étnica. Incêndios criminosos são praticados contra acampamentos. O Conselho Central dos Sintos e Rom na Alemanha queixa-se do racismo crescente. Os povos sinto e rom são os novos bodes expiatórios da União Européia?

Romani Rose: Temos atualmente uma tendência alarmante. Os acontecimentos recentes na Itália tornam isto claro. As atitudes do governo Berlusconi – com medidas especiais de identificação e declaração do Estado de emergência – nos lembra do passado mais cruel – e são uma clara violação do Tratado da União Européia.

A culpa é das prefeituras italianas, que permitiram que favelas se estabelecessem. Quando, em partes afastadas da cidade, alguns milhares de pessoas sem perspectivas residem em condições indescritíveis, isto provoca medo entre a população, naturalmente. No entanto, instrumentalizar este problema e usá-lo em campanha eleitoral, utilizar minorias para fomentar medo na maioria, como o fez a Liga Norte; eu não pensava que isto seria mais possível na Europa de hoje.

O presidente do Parlamento italiano, por exemplo, refere-se de forma racista generalizada contra sintos e rom, isto seria impensável na Alemanha. Aqui também existem discriminação e racismo, mas a manipulação de uma situação à custa de uma minoria, para desviar a atenção dos reais problemas, eu pensava que isto seria impossível depois de 60 anos de estudo da nossa história.

Por que tantos sintos e rom deixam agora sua pátria na Romênia e Bulgária?

Eles fogem principalmente dos enormes preconceitos que sofrem em todos os campos, da educação, passando pelo trabalho, até a moradia. Precisamos lá urgentemente de programas educacionais e de infra-estrutura. O problema é que tais pessoas não possuem nenhum status. Eles não existem nem têm perspectiva. Vivem de forma inumana, sem água, sem energia, parece mais Bangladesh do que Europa.

Precisamente a situação residencial é uma enorme mácula. As pessoas não têm a mínima chance de conseguir um posto de trabalho. Muito do que lá acontece lembra a África do Sul durante o apartheid. Na Hungria, na República Tcheca e na Bulgária, os sintos e rom são mantidos fora do sistema educacional. As crianças não podem freqüentar escolas regulares, mas aquelas para deficientes mentais, ou existem escolas próprias, com professores malformados e pouco material escolar – este são os reais problemas.

Nos territórios dos novos países-membros, a UE proclamou a década da integração e gastou muito dinheiro. Fala-se de 11 bilhões de euros.

A UE não deveria somente promover congressos, mas também tomar medidas que tragam melhorias verdadeiras. Isto combateria as causas que levam muitos à evasão. No contexto da ampliação da União Européia, não prestamos atenção ao fato de que o combate conseqüente ao racismo e à discriminação é obrigação de cada Estado. Isto ainda acontece diariamente na Romênia e na Bulgária. Acuso diretamente os comissários da UE, também alguém como o Sr. Verheugen.

Muito pouco é exigido dos novos Estados-membros quanto aos direitos das minorias. Se lá cidadãos ainda são marginalizados por pertencerem a determinado grupo étnico, isto deve ser chamado simplesmente de racismo. Até agora, os programas não funcionaram e não tiveram penetração entre os interessados. Uma minoria não deve estar em melhor posição que a maioria, mas temos que finalmente que recuperar o tempo perdido na questão da igualdade de direitos.

Na Alemanha, a migração de pobres da Romênia e da Bulgária, desde a ampliação da UE para o Leste Europeu, desencadeou claros receios. Na percepção popular, os sintos e rom aparecem como lavadores de pára-brisa em sinais de trânsito, músicos de rua e bandos de ladrões…

Conheço naturalmente as queixas de perturbação da ordem, justamente em Berlim. Trata-se, sobretudo, de refugiados da Romênia e da Bulgária, acostumados a discriminação bem pior da que encontram por aqui. Ninguém gosta de deixar sua pátria. Os problemas têm que ser resolvidos lá.

Como o senhor compararia a situação dos sintos e rom alemães perante os do Leste?

Na Alemanha, estamos integrados já há mais de 600 anos. No entanto, integração significa freqüentemente: eles negam suas filiações étnicas por acreditar que, desta forma, escapam da discriminação profundamente enraizada. As imagens do anticiganismo continuam muito vivas. Isto força nosso povo ao anonimato.

Há sintos e rom na política, no esporte, em toda a vida social. Nossa meta é que eles assumam o pertencimento à sua minoria. Identidade cultural e nacional não podem se tornar opostos; esta deve ser uma das metas de uma democracia. A criminalização pela opinião pública fomenta medo nos sintos e rom alemães. Nós tivemos uma experiência paneuropéia – a do anticiganismo. Não foi invenção dos nazistas, mas levou a um programa de extermínio.

Por esta razão, para nós é de enorme importância que cada um assuma a responsabilidade de seus atos em nosso Estado democrático. Uma generalização devido ao pertencimento étnico não deve existir. Neste ponto, a Alemanha tem a responsabilidade de agir de forma contrária. Já pelo claro aprendizado da história: Frick, ministro de Hitler, ordenou que no julgamento de não arianos, como se falava na linguagem nazista, a etnia deveria ser enfatizada.

Aqui se diferencia um Estado democrático de uma ditadura, e a maioria avassaladora da mídia tomou conhecimento disto agora e se comporta de acordo.

Pode-se falar de um grupo uniforme de sintos e roms na Europa?

Não posso me comunicar em nossa língua, o romani, com os romenos, porque a língua da minoria do rom do Leste Europeu teve um desenvolvimento diverso da nossa. O que nos une é a experiência conjunta de perseguição e execução durante o Holocausto. Em todos os 11 países ocupados pelos nazistas, os povos dos sintos e rom foram sistematicamente capturados, deportados e assassinados. Somente devido à sua etnia, exatamente como no caso dos judeus.

No começo de agosto, o senhor apresentou um relatório paralelo ao relatório oficial estatal que a Alemanha entregou ao Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial da ONU. Principalmente a polícia é acusada de atitude discriminatória.


Nós manifestamos a exigência de que o governo federal alemão se distancie claramente das declarações discriminatórias do vice-presidente da Associação dos Investigadores Criminais (BDK). No jornal da associação, ele declarara que sintos e rom se sentiriam como "larvas no toicinho do bem-estar social" e utilizariam a "perseguição nazista como forma de legitimação do roubo e do parasitismo social".

Os governadores da Baviera e de Brandemburgo, Beckstein e Patzeck, repudiaram as declarações, mas achamos péssimo a Justiça justificar a declaração em termos de liberdade de expressão. Na nossa opinião, isto é um insulto e incitação popular. Isto é jargão da era nazista. Goebbels também nos comparou com bichos.

Imagine dizer uma coisa dessas em relação à minoria judia. A BDK ainda não se distanciou da declaração. Achamos isso alarmante, e por tal nos dirigimos ao Parlamento alemão e ao ministro alemão do Interior, Schäuble, para que repudiem tais declarações e estabeleçam padrões de comportamento correspondentes para a polícia.

O comerciante Romani Rose, nascido em 1946, é desde 1982 presidente do Conselho Central dos Sintos e Rom alemães. Ele luta, principalmente, pelo reconhecimento oficial do martírio dos sintos e rom durante a era nazista. Treze membros de sua família foram mortos em campos de extermínio.

Oliver Samson (ca)

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