sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Moçambique: EUA e Inglaterra sabiam que avião de Samora Machel foi sabotado


Maputo, 15 Ago (Lusa) - O antigo ministro da Segurança de Moçambique, Sérgio Vieira, disse quinta-feira em Maputo que a Inglaterra e os Estados Unidos sabiam que o avião em que morreu o ex-Presidente moçambicano Samora Machel foi sabotado e não caiu por acidente.

Samora Machel, chefe de Estado moçambicano desde a proclamação da independência do país, em 1975, até à sua morte a 19 de Outubro de 1986, perdeu a vida quando o avião em que viajava caiu na localidade sul-africana de Mbuzini.

Uma comissão de inquérito composta por peritos de Moçambique, África do Sul e da ex-União Soviética chegou a resultados divergentes, com os especialistas moçambicanos e soviéticos a apontarem a sabotagem do aparelho como causa do acidente e a África do Sul a indicar erros de pilotagem.

Na altura, Moçambique e o Governo sul-africano, dirigido pelo regime racista do "apartheid", viviam num ambiente de permanente hostilidade, com Maputo a acusar Pretória de apoiar a guerrilha da RENAMO, hoje o maior partido da oposição moçambicana.

As autoridades sul-africanas de então acusavam, por seu lado, Maputo de albergar militantes do Congresso Nacional Africano (ANC), que lutava contra a política de discriminação na África do Sul, e hoje partido no poder neste país.

Em entrevista quinta-feira ao principal canal privado de televisão em Moçambique, a STV, Sérgio Vieira, que ocupava a pasta de Segurança no ano em que Machel morreu, reiterou a posição de que o ex-chefe de Estado moçambicano foi "assassinado" e não vítima de acidente de viação, sublinhando ainda que "os Estados Unidos e a Inglaterra sabiam do que aconteceu".

"Nas vésperas do funeral do Presidente Samora Machel, o embaixador inglês telefonou-me a informar que tinha recebido instruções de Downing Street [gabinete do Primeiro-Ministro inglês], para comunicar que a Inglaterra não faria parte de qualquer comissão de inquérito, encarregue de investigar a morte do Presidente Samora Machel. Instantes depois, o embaixador dos Estados Unidos também me telefonou a comunicar o mesmo facto", disse Sérgio Vieira.

Para Vieira, os governos norte-americanos e inglês tomaram essa posição porque sabiam que os seus peritos chegariam à conclusão de que o Tupolev em que viajava Samora Machel tinha sido sabotado e não tinha caído devido a erros de pilotagem.

"Os Estados Unidos e a Inglaterra sabiam que os seus peritos nunca aceitariam uma aldrabice, e chegariam a uma conclusão politicamente inconveniente", a de que a queda do avião tinha sido provocada pelo regime do "apartheid", que apesar de estar sob sanções internacionais, era tolerado pelo Ocidente.

Os Estados Unidos e a Inglaterra consideravam a África do Sul do tempo do "apartheid" uma espécie de tampão contra o expansionismo do comunismo da ex-União Soviética, que tinha sob sua órbita a generalidade dos países africanos, incluindo Moçambique.

Sérgio Vieira, que chefiou a missão enviada pelas autoridades moçambicanas, para trazer os corpos das vítimas do acidente a Moçambique, achou igualmente estranho que tenha sido sugerido o envolvimento da Inglaterra e dos Estados Unidos na comissão de inquérito, contra as regras da Associação Internacional do Transporte Aéreo (IATA), que "prevêem na comissão de inquérito a participação do produtor da aeronave, do país do acidente e do país das vítimas".

"O ministro [dos Negócios Estrangeiros da África do Sul] Roelof 'Pik' Botha disse-me que os Estados Unidos e a Inglaterra participariam na comissão de inquérito, e eu achei isso estranho, porque é contra as regras da IATA. Dias depois, são os embaixadores dos dois países que negam essa participação, sem que Moçambique a tenha pedido alguma vez", enfatizou Sérgio Vieira.

Sem acusar directamente o Governo sul-africano desse tempo, o ex-ministro moçambicano da Segurança recordou que o então ministro da Defesa da África do Sul, Magnus Malan, ameaçou directamente Samora Machel, nas vésperas do acidente, pelo alegado apoio deste a actos de guerrilha protagonizados no interior da África do Sul por militantes do ANC.

Sérgio Vieira considerou sem sentido a posição sul-africana de que os pilotos russos do avião do Presidente moçambicano eram inexperientes e tripulavam ébrios, como concluiu a parte sul-africana da comissão mista do inquérito.

"Os únicos vestígios de álcool encontrados nos corpos são os que resultam da decomposição após a morte e não de algum consumo (...), quanto à experiência dos pilotos, eram aquilo que em gíria de pilotagem se diz milionários do ar, com mais de 10 mil horas de voo. O único com menos horas tinha oito mil horas, e não exercia funções no 'cockpit'", sublinhou Vieira.

Segundo Sérgio Vieira, é suspeito que as autoridades sul-africanas tenham declarado o local do despenhamento do avião zona militar, nas vésperas da queda do aparelho, para depois retirarem os militares da zona, deixando alguns polícias, no momento em que a missão enviada pelo Governo moçambicano chegou à área.

Vieira acusou ainda as autoridades sul-africanas de não terem prestado socorro aos feridos, preocupando-se apenas em reconhecer o Presidente Samora Machel, que "teve morte instantânea e apresentava o crâneo amarrotado", e em recolher documentos.

"Um dos sobreviventes contou-me que os membros do exército sul-africano que estavam no local do acidente só se preocuparam em recolher documentos e em reconhecer o Presidente Samora Machel", disse na entrevista o antigo ministro moçambicano da Segurança.

Sobre uma alegada "mão interna" de membros do Governo moçambicano na conspiração com as autoridades sul-africanas para provocar a queda do aparelho, justificada pelo facto de nenhum dos principais quadros do partido no poder em Moçambique, FRELIMO, não ter integrado a comitiva presidencial que sofreu o acidente, Sérgio Vieira considerou-a "especulação", justificando depois a sua própria ausência da viagem em que acabou morrendo Samora Machel.

"O próprio Samora disse-me a mim para não viajar, porque acabava de perder a minha primeira mulher e tinha chegado havia pouco tempo de uma missão do Botsuana. Joaquim Chissano [que depois sucedeu a Samora Machel na chefia do Estado moçambicano] estava fora do país também em missão de serviço", sublinhou Sérgio Vieira, lembrando ainda que Machel desrespeitou recomendações da sua equipa de segurança para não viajar à noite de avião, devido à situação de guerra que se vivia na África Austral.

"Samora Machel tinha virtudes, mas era teimoso, atropelou várias vezes regras protocolares, incluindo recomendações para não viajar à noite de avião. Tive várias vezes ataques cardíacos, devido à sua teimosia", acrescentou Sérgio Vieira.

PMA.

Lusa/Fim

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