quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

JUREMIR E OS PEDÁGIOS DA TIA


NÃO PARE NA PISTA

Um colunista tem a obrigação de ser útil. Há quem desconheça o sentido da palavra kafkiano. Vou explicar. Farei isso contando uma pequena história, quase uma parábola. Assim também se esclarece o significado de parábola. Era uma vez um Estado, o Rio Grande do Sul. As suas estradas estavam encurraladas por praças de pedágio. Os preços cobrados, ainda mais levando-se em consideração o investido nas rodovias, estavam entre os mais altos do país. Mesmo assim, as concessionárias não paravam de lamentar os grandes prejuízos sofridos. Apesar disso, propunham-se a aceitar a redução nas tarifas, a esquecer os tais prejuízos e a investir mais se o tempo de exploração fosse prorrogado, cinco anos antes do vencimento, por mais 15 anos, totalizando 20 anos de mais prejuízos. Ou de enormes benefícios? Que situação misteriosa!
Generosas, como em nenhum outro lugar do mundo, as concessionárias, pouco antes do Natal, certamente para nos provar a existência de Papai Noel, dispunham-se a fazer tudo isso desde que não houvesse nova licitação. É incrível como pode ir longe o espírito público de certas empresas privadas! Até o Bom Velhinho duvidaria, se não estivesse habituado à gentileza de empreiteiras e concessionárias, de tamanho bom coração. Os críticos dessa idéia, almas com certeza mesquinhas, alegavam que o gesto de desprendimento das concessionárias resultaria em quatro novos postos de cobrança, eliminação de rotas de fuga, poucos quilômetros construídos, alteração radical do contrato, preço superfaturado de cada quilômetro a sair do papel e, estranhamente, sob forma de redução de tarifas, quase o dobro do preço em alguns pólos considerados casos particulares, por exemplo, no de Gramado, onde se passaria de R$ 12,20 para R$ 23,60 (ida e volta). Deve ser isso que chama de Duplica RS.
O governo havia mandado o projeto para votação na Assembléia Legislativa em regime de urgência sem que se conseguisse saber a razão, salvo a pressa das concessionárias em fechar um negócio tido por tão prejudicial para elas mesmas até ali. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito, encerrada um ano antes, concluíra que as concessionárias não haviam cumprido integralmente os contratos. Paradoxalmente, o governo entendia que se devia então prorrogá-los. A lógica binária do Rio Grande do Sul – chimangos e maragatos, gremistas e colorados – não parece suficiente para explicar essa conclusão capaz de confundir as mentes mais lógicas ou positivistas, de Aristóteles até a filosofia analítica contemporânea. Analistas pouco sofisticados limitavam-se a frases impertinentes até para quem acredita em Papai Noel, do tipo 'tem caroço nesse angu'.
O capitalismo gaúcho era assim: concessionárias e governo uniam-se para diminuir seus prejuízos propondo ao povo pagar menos, às vezes sob a forma de mais, em mais lugares e por mais tempo, desde que não se precisasse discutir muito e não se abrisse a possibilidade de outras concessionárias possivelmente apresentarem, em licitação, condições mais favoráveis aos usuários. Kafkiano. Talvez não seja, porém, uma parábola, pois na parábola o conjunto de elementos de uma narração alegórica 'evoca, por comparação, outras realidades de ordem superior'. Deve ser uma fábula, pois, sem dúvida, o que as concessionárias pretendem é ganhar uma fabulosa quantia de dinheiro sem ter de enfrentar qualquer concorrência.

juremir@correiodopovo.com.br

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