quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Grécia: tragédia nas ruas reflete conflitos históricos

Atenas ontem:

Atenas em chamas, milhares de pessoas nas ruas e uma população aterrorizada. Distúrbios desestabilizam o governo e deixam a pergunta no ar: quais são as verdadeiras razões da violência que assola a Grécia?

O Estado de Direito está em perigo, a democracia em crise. Manchetes, que à primeira vista não seriam associadas a uma metrópole européia, falam de Atenas. A capital grega ocupa as páginas dos jornais desde o último sábado (6/12), quando um jovem de 15 anos foi morto à queima-roupa por um policial nas ruas da cidade.

As noites seguintes foram marcadas por sérios confrontos entre forças policiais e manifestantes. Se os protestos foram iniciados por grupos de esquerda, aos poucos receberam a adesão de sindicatos, professores, escolares e vários outros segmentos da sociedade. Milhares de pessoas estão indo para as ruas indignadas com o comportamento da polícia num incidente que não foi o único na história recente do país.

Justiça pelas próprias mãos

Desde o fim da ditadura militar, em 1974, foram mortas na Grécia 15 pessoas em conseqüência de violência policial. Para o jornalista Grigoris Roubanis, do jornal Elevtherotypia, não se pode falar de casos isolados, mas de um comportamento comum da polícia do país.

"O que estamos vendo tem a ver com a forma que a polícia vê o cidadão. Por razões quaisquer que sejam, a polícia acredita que pode fazer valer a lei com as próprias mãos. No ano passado, um estudante foi espancado por um policial até ir parar no hospital. Sua família teve que apelar para tribunais europeus, a fim de que fosse feita justiça. Presenciamos conflitos da polícia contra estrangeiros, contra membros da etnia rom, contra desempregados. A polícia exerce a função de braço extenso da lei", descreve Roubanis.

Herança da Guerra Civil

Desde o último fim de semana, as notícias de distúrbios nas ruas e protestos reunindo milhares de pessoas correm o mundo. Em quase todo debate dentro do país, o assunto é a busca de uma explicação para os repetidos conflitos entre a polícia e os cidadãos. Fala-se muito da má qualificação e dos baixos salários pagos aos policiais.

Para Roubanis, no entanto, o comportamento da polícia grega tem suas razões históricas na guerra civil que assolou o país após a Segunda Guerra Mundial e se perpetuou até 1949. "A guerra civil não só marcou a vitória da direita no país, mas também deixou para a sociedade uma certa mentalidade como herança. Uma mentalidade de arbitrariedade em relação a tudo o que põe em xeque o poder do Estado. E é exatamente a esse espírito que se prende a polícia grega. Um dos slogans preferidos da época era: 'Contra a esquerda e seus simpatizantes'. Quem questionava a arbitrariedade da polícia, era imediatamente rotulado de comunista ou simpatizante. E para a polícia ainda hoje vale a idéia de que o poder do Estado pode se vingar do cidadão comum. Estes são os efeitos tardios da guerra civil", explica Roubanis.

Em seu discurso à nação na segunda-feira (8/12), o premiê Costas Caramanlis tentou reafirmar a postura de que o Estado não vai tolerar os distúrbios nas ruas. Os tumultos, no entanto, continuaram acontecendo. De lá para cá, não são apenas os ativistas de esquerda que estão protestando, mas representantes de vários segmentos da sociedade, até mesmo escolas inteiras. E a tendência é que cada vez mais gente se disponha a participar das manifestações.

Beco sem saída

"Nossa sociedade tem feridas profundas. Indefesa, ela está entregue à complacência econômica do Estado. Os cidadãos vêem os políticos se enriquecerem, enquanto se encontram, eles mesmos, à beira da ruína financeira. A credibilidade da Igreja, na qual boa parte da população se apoiou, foi recentemente abalada por um grande escândalo. Além disso, a sociedade grega espera, há décadas, por uma modernização. Desta modernização faria parte um Estado mais eficiente, uma polícia decente e uma Justiça honesta. Os sistemas públicos de saúde e educação estão se dissolvendo. Em poucas palavras: nós nos encontramos, como sociedade, num beco sem saída", resume o jornalista.

E neste contexto os gregos voltaram a assistir pela televisão, na segunda-feira, à forma como policiais deram chutes em manifestantes nas ruas do país. Ou seja, se o país não modificar sua conduta política, os distúrbios atuais serão apenas o início de vários outros, prevê Roubanis.

"Falei estes dias com um político do alto escalão. Ele acredita que os representantes da facção conservadora vêem o Estado como propriedade privada – no caso, deles próprios. Isso é também visível no discurso do primeiro-ministro: ao analisar sua posição, percebe-se que se trata de alguém que não pertence à sociedade, mas que se confronta a ela".

Alkyone Karamanolys, para Deutsche Welle

3 comentários:

  1. Imagina se esse jornalista viesse comentar o Brasil.

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  2. Oi Jean,
    Realmente temos no Brasil uma tragédia cotidiana.
    A diferença em relação ao que está acontecendo na Grécia é que a morte do rapaz pela polícia foi uma espécie de estopim que, queimado, detonou uma bomba social que está colocando em cheque diretamente o centro político de poder.

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  3. Pois é, assim como na França aconteceu, agora acontece na Grécia. Mas é que lá o povo ainda tem a crença cotidiana, enraizada e viva de cidadão, tem auto respeito e respeito coletivo. Não estão deixando o poder roubar a primeira flor. E isto é maravilhoso. A nós brasileiros já pisotearam nosso jardim, mataram nosso cachorro, estupraram e mataram muitos dos nossos e continuam a fazê-lo. E não adianta, para além da nossa mínima sanidade, dizermos qualquer coisa.

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