segunda-feira, 3 de novembro de 2008
"Perda de capital natural custa mais do que a crise bancária"
Alto funcionário do Deutsche Bank e de diversas entidades ambientais, Pavan Sukhdev contrapõe, em exclusiva à DW-WORLD, as somas trilionárias anuais envolvidas com o meio ambiente às perdas com a atual crise financeira.
Pavan Sukhdev foi certa vez intitulado "economista de profissão e ecologista de coração". Ele preside o Global Market Center do Deutsche Bank e é diretor do projeto Green Accounting for Indian States, um estudo sobre o significado econômico da biodiversidade na Índia.
Sukhdev encabeça ainda o relatório global permanente fundado pelo Ministério alemão do Desenvolvimento e pela Comissão Européia sobre A economia dos ecossistemas e da biodiversidade (TEEB). Além disso, Sukhdev é um dos arquitetos do Global Green New Deal, promovido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
DW-WORLD.DE: Durante o Congresso da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), realizado em outubro em Barcelona, o senhor afirmou que a carga econômica de práticas hostis ao meio ambiente, como o desmatamento, supera a da crise bancária global.
Pavan Sukhdev: A perda de capital das empresas em Londres e em Wall Street foi estimada entre 1 trilhão e 1,5 trilhão de dólares. Na primeira fase do relatório TEEB, que apresentamos em maio, examinamos a extensão das perdas resultante do desflorestamento e da degradação. Estimando a perda de bem-estar humano em termos de capital, chegamos ao valor de 2 trilhões a 4,5 trilhões de dólares por ano, todo ano, e isso durante vários anos.
E a perda continuará enquanto prosseguirmos com o "business as usual". Por que o furo isolado de 1,5 trilhão de dólares no capital financeiro de um grupo de empresas de Wall Street atrai tanta atenção, enquanto mal é registrada a perda anual continuada de duas vezes essa soma em capital natural?
Temos visto os governos "resgatarem" a economia. Como seria um resgate do meio ambiente?
Seria modesto, em comparação. Vou dar alguns referenciais. Hoje temos cerca de 100 mil áreas de conservação natural, cobrindo entre 10% e 11% da superfície terrestre. A equipe do TEEB calculou que seriam necessários de 40 bilhões a 50 bilhões de dólares para tornar eficiente a conservação. Segundo diversas estimativas, essas áreas produzem de 4 trilhões a 5 trilhões de dólares em benefícios por ano.
Atualmente se investem menos de 20 bilhões de dólares nas áreas protegidas de todo o mundo, e tudo o que sugerimos é acrescer esta quantia em 50 bilhões de dólares por ano para assegurar a manutenção dos benefícios gerados por essas áreas de conservação. Não estamos falando de verbas astronômicas – certas instituições isoladas perderam mais do que isso no atual caos financeiro. Mas, por diversas razões, esse dinheiro não é alocado.
Quais são essas razões?
Por um lado, a perda de capital natural é uma perda de riqueza pública. Serviços de ecossistemas são benefícios públicos mais ou menos grátis. Não é a fortuna de determinadas pessoas ou dos acionistas que está em jogo – embora seja, se assim quiser, a riqueza dos acionistas globais. Mas não se trata de propriedade particular, e sim de propriedade pública. São coisas que lá estão para que todos as desfrutem. Sentiríamos enorme falta delas e pagaríamos os olhos da cara para tê-las de volta. Mas, no momento, são de graça. Portanto, a natureza pública desses bens e serviços é uma razão.
Para compreender o segundo motivo por que a perda de capital natural não faz manchetes, pensemos na analogia do sapo, empregada por Al Gore em seu livro Uma verdade inconveniente. Se você coloca um sapo num recipiente com água e aumenta gradualmente a temperatura, ele não notará a mudança. De forma semelhante, o que está ocorrendo conosco se dá continuamente. Todos os anos perdemos florestas, o clima piora, as reservas de água e os nutrientes do solo dos pobres se esvaem. Mas vemos essas perdas tão gradualmente que não nos damos conta de que as coisas estão piorando. Por outro lado, no caso dos mercados financeiros, o choque é curto e agudo.
Mesmo assim, boa quantidade de smart money começou a fluir para investimentos no meio ambiente. Na América do Norte, a percentagem de capital especulativo empregado na tecnologia limpa era de mais ou menos 2% em 2002, mas se elevou a 17% em 2007.
Há o risco de que preocupações ambientais sejam abandonadas devido ao atual desaquecimento da economia global?
Não creio, pois as pessoas estão começando a entender a mensagem. Hoje não preciso mais me explicar duas vezes. Há apenas dois anos, as pessoas iam ficando de olhos opacos. Agora elas querem saber o que se precisa fazer. Claro, o custo da crise financeira significa que agora haverá maior pressão distributiva sobre quanto pode ser disponibilizado para a solução de problemas ambientais. Mas meu argumento é: esse dinheiro não é muito, considerando-se os gastos em outros setores. Não se precisa pensar demais: a hora é agora.
Quão viável é um plano como este durante uma recessão, que é o que estamos enfrentando agora?
Uma lacuna de 45 bilhões de dólares por ano não é o fim do mundo. Veja quanto se perdeu e quanto vem sendo disponibilizado pelos governos dos Estados Unidos e da Europa: chega a 700 bilhões de dólares. Contextualizando: o investimento anual da União Européia nas áreas de conservação natural gira em torno dos 6 bilhões de euros. São quantias modestas.
Então, desastre econômico não significa necessariamente catástrofe ecológica, também?
Não. Os especuladores de capital compreenderam algo que o mundo, em geral, não entendeu. Prevejo um movimento tectônico na forma como as coisas são feitas. A energia renovável é uma oportunidade extraordinária se a utilizarmos não apenas para garantir o abastecimento em Berlim e em Londres, mas também para suprir os 2 bilhões que não têm abastecimento de energia – as pessoas mais pobres do mundo, a cujas casas a energia não chega em forma de óleo, carvão ou eletricidade.
Há enormes possibilidades aqui, em países como a Índia e a China, ou na África e na América Latina, de aplicar tecnologias bem pesquisadas, fornecendo, por exemplo, soluções modulares para trazer luz aos lares pobres. Imagine a mudança que se poderia ver, a educação descendo ao nível da aldeia, as crianças podendo ler. Pense no movimento tectônico que se alcançaria simplesmente deslocando-se o foco e fornecendo crédito aos aldeões, com o fim de implementar soluções de energia renovável. E veja o número de pessoas que seriam beneficiadas. É esse tipo de coisa que o smart business enfoca. Dá dinheiro produzir equipamento mais eficiente e implementar processos mais eficientes.
A crise do crédito aumenta a consciência de que é também importante zelar pelo capital natural?
Sim. Como se costuma dizer, nada pior do que desperdiçar a oportunidade de uma crise.
Jane Paulick
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