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"Guerra ao Terror" é uma propaganda inteligente e perigosa
Bigelow é diabólica.
No final do ano passado quando tive notícia do filme "Guerra ao Terror" (The Hurt Locker) da diretora Kathryn Bigelow pensei: "mais uma propaganda para justificar a ocupação imperial no Iraque".
Sábado passado, ao ver o filme da bela Bigelow (foto), desfiz esse preconceito em favor de uma convicção: tudo bem, não se trata de uma propaganda direta e objetiva, se trata, sim, de um bom filme, plasticamente falando, que usa a linguagem da moda no cinema, a do documentário, câmera ágil, trepidante, por vezes vazando luz, algum rock pesado ao fundo, enormes closes e um morde-assopra constante, aquelas tensões-distensões do qual são feitas todas as boas narrativas - em qualquer linguagem ou suporte expressivo - desde que os fenícios inventaram o alfabeto.
Agora dá pra adivinhar o motivo de Cameron não ter ficado casado com a Bigelow, a mulher é um perigo, bela, inteligente e diabólica. Conseguiu fazer um filme de propaganda sem usar praticamente nenhum dos sórdidos clichês da propaganda. Se o sujeito derivar na barca da fantasia de Bigelow, precipita-se no abismo de suas ilusões e sucumbe na credulidade de que o soldado dos EUA é de fato um herói atormentado que carrega nos ombros os pecados do mundo mas vai logo-logo trazer a redenção a toda a Terra.
Por isso: olho e razão.
A rigor, a Bigelow professa um belicismo envergonhado e fatalista. A guerra é uma fatalidade. Os soldados dos Estados Unidos - todos voluntários, ao contrário dos que lutaram no Vietnã, diz a bela numa entrevista - replicam o conflito que vivem nas securas do Iraque dentro de si, também. Aí a diretora (ou o roteirista) perde um pouco a mão, quando trata da subjetividade do soldado. Bigelow fica com a mãozinha de chumbo. O monólogo de James, o desmontador/viciado em bombas, olhando o pequeno filho é digno do autêntico psicologismo de botequim. E de psicologismo barato em psicologismo vulgar, Bigelow vai empurrando ao espectador as bandeirolas com as inscrições: "Viva a guerra!" "Só os soldados da América sabem enfrentar o inimigo de frente". "Nossos soldados são uns mártires". E por aí vai.
Há um esquecimento proposital dos motivos daquela guerra. A identificação do próprio local - o Iraque - fica subsumido em diálogos rápidos entre os protagonistas, nunca é informado objetivamente ao espectador o lugar onde estão, por que os Estados Unidos invadiu aquele país, como invadiu ou se invadiu ou apenas foi proporcionar-lhes modelos edificantes de "justiça" e "democracia" - valores tão abundantes na chamada América.
Bigelow é esperta.
E diabólica.
Intriga em "Guerra ao Terror" o número de crianças que aparecem em cena. Todas sempre furtivas, se esquivando como ratinhos assustados por ruas sujas e vielas escuras onde correm líquidos ameaçadores. Os iraquianos sempre aparecem ao longe, desfocados, a espreita, fantasmagóricos, sem fala e sem face ou identidade definida. É de pensar: quem sabe os iraquianos são os verdadeiros invasores? Os impostores? Os vilões? Os que não tem subjetividade nem transcendência?
Um soldado diz, já em desespero (só aos soldados estadunidenses é dado esse direito, o de expressar a dor): "Eu odeio essa terra!"
Mas ele jamais dirá "eu odeio essa guerra!"
Bigelow é um perigo.
E bela.
Do Diário Gauche.
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