SALVADOR DALI:
JUREMIR MACHADO DA SILVA
Existem inverdades que se tornam sagradas. Quanto mais indemonstráveis, mais persistentes e repetidas. É clichê dizer que vivemos uma época em que falta tempo para tudo. Jornalistas, por exemplo, adoram justificar isto e aquilo com o argumento da falta de tempo. Faltaria, por exemplo, tempo aos leitores. Nada mais falso. Estamos na era do tempo livre. Nunca se teve tanto tempo disponível. No começo do século XX, ainda se trabalhava uma média de 16 horas por dia, seis a sete dias por semana. Hoje, a média oficial é de oito horas. Em alguns países, como a França, com acertos e erros, já se experimenta a semana de 35 horas de trabalho. Muitas categorias ou indivíduos têm dois dias de folga semanais.
Não existiam eletrodomésticos como agora. As tarefas da casa exigiam de cada mulher jornadas inteiras. Lavava-se roupa no tanque ou no arroio, cozinhava-se em fogão à lenha, passava-se com ferro a carvão. Tudo era manual. Lembro-me de que minha avó e minha mãe, não faz tanto tempo assim, começavam as lides domésticas pelas 7 horas da manhã e só paravam um pouco lá pelas 3 horas da tarde. Depois de um breve descanso, começava o segundo turno e lá iam elas pela noite. As famílias eram numerosas, com elevadas taxas de natalidade. Os homens faziam longas jornadas de trabalho e, chegando em casa ao anoitecer, continuavam na labuta. A iluminação era deficiente e dormia-se cedo. Não sobrava tempo algum.
Hoje, já a partir da classe média baixa, máquinas de lavar e de secar, aspiradores de pó, microondas e outros aparelhos diminuem o tempo empregado nas tarefas manuais. Muita gente nem sabe o que fazer com tanto tempo livre e se deprime. Existem mais oportunidades de lazer. O problema não é a falta de tempo, mas a escolha do que fazer. Não estamos na era da falta de tempo, mas no apogeu do tempo livre. Dentro de algumas décadas, podem apostar, haverá rodízio de trabalhadores, cada um dedicando ao ganha-pão meio turno diário. É certo que boa parte da humanidade ainda trabalha tanto quanto antigamente e pelas mesmas migalhas, tendo ainda de amargar horas de engarrafamento ou longos deslocamentos. Não é, porém, dessa parte que se fala quando se reclama da falta de tempo. É daquela fatia que pode escolher.
Dizem que se lê menos por falta de tempo. Balela. Quem gosta de ler, prioriza a leitura, livrando-se mais rapidamente de outras tarefas. O problema da leitura não é a falta de tempo. É falta de gosto pela leitura. Ninguém é obrigado a passar sete horas por dia na frente da televisão ou outras tantas no Orkut, no MSN ou navegando de um site a outro na Internet. É considerável o número de pessoas que sofre de síndrome de fim de semana, a doença de quem não sabe ficar em casa com tanto tempo livre. A prova de que não falta tempo é a audiência de programas idiotas como 'Faustão' e de quase tudo o que passa na TV. Se houvesse falta de tempo, uma rede de televisão não exibiria cinco novelas por dia com sucesso. Na época dos congelados e do teletudo, o excesso de tempo enche os consultórios dos psicanalistas. Sobra tanto tempo que alguns assumem atividades supérfluas em demasia a ponto de não sobrar tempo para nada. A falta de tempo é uma ilusão dos desocupados. Ou um truque de executivos para valorizar os altos salários que recebem pelo pouco que fazem.
juremir@correiodopovo.com.br
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ResponderExcluirEsse é o tipo de texto que "me aquece os neurônios", me fazendo pensar. É isso aí tio, tá mandando bem no blog!
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