segunda-feira, 20 de maio de 2024

A BATALHA DA ÁGUA

 

 

Foto de Yoshihiro Kimura

 

A matriarca e o patriarca da família Zaffari que se deslocaram do interior do Rio Grande do Sul para Porto Alegre foram muito sagazes.

Instalaram suas lojas em locais majoritariamente habitados ou com potencial de serem ocupados por segmentos das classes média e média alta.

Os supermercados Zaffari, com seu slogan "economizar é comprar bem" passaram a ser um ícone da classe média porto-alegrense.

Comprar bem, no senso comum de seus clientes, significa algo como comprar produtos de qualidade em ambientes agradáveis, com preços mais caros que a concorrência, selecionando “por cima” o público comprador.

Talvez a loja mais representativa desse conceito é o Zaffari Higienópolis.

Ao contrário de outras lojas até maiores, que se encontram em regiões que mesclam classes mais abastadas com pessoas com menor poder aquisitivo, esse supermercado está literalmente cercado por um público com uma média de poder aquisitivo que pode ser classificada como abastada.

Para algumas pessoas, visitar o Zaffari Higienópolis é um acontecimento social. Comparecem vestidos com esmero ou, mais recentemente, ostentando uniformes completos de frequentadores de academias de musculação e similares. Exceto, às vezes, sapato de salto alto substituindo o tênis.

Existem inclusive horários em que é comum encontrar pessoas que vão até lá para ver se arrumam algum encontro de caráter não estritamente comercial. Isso eu só ouvi falar, não constatei pessoalmente, porém como esses comentários vieram de fontes variadas eu acreditei.

Nesse ambiente de gente bonita, inteligente e sincera (desculpa, Lulu Santos), fiquei impressionado durante a pandemia da COVID com a extrema necessidade das pessoas de se abastecer com quantidades enormes de papel higiênico.

Agora, nesta enchente de maio, aconteceu outra vez. Só que agora o papel higiênico ficou ofuscado pela busca por água.

Frequentadores do Zaffari Higienópolis enchiam seus carrinhos com água. Algumas pessoas faziam malabarismo para empurrar mais de um carrinho repleto do líquido precioso.

Até que faltou. Gôndolas de água vazias.

A gestão do supermercado passou a racionar a venda de água.

Os clientes começaram a se olhar de forma desconfiada.

Literalmente algumas pessoas rosnavam umas para as outras.

Senhores veteranos, bem-vestidos com calças com friso impecável e sapatos lustrados, tentavam uma forma de furar a fila da água, que já estava quase saindo para fora da loja.

O processo civilizador ficou congelado durante alguns dias, até que a água começou a retornar nas torneiras das residências.

Aí voltou a “normalidade”, com as pessoas reaprendendo a dizer por favor, com licença, obrigado e desculpa. As tais palavrinhas mágicas...

Ainda bem que lá fora, nos locais críticos, a solidariedade imperou.

Tivemos um verdadeiro tsunami de doações para os alagados, bem como uma enorme avalanche de voluntariado.

Não tenho como avaliar a quantidade de clientes do Zaffari Higienópolis que se dedicaram de alguma forma a apoiar os necessitados nesta tragédia terrível pela qual estamos passando.

Com certeza alguns apoiaram.

 

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