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sábado, 25 de setembro de 2021

PARTIDOS CADA VEZ MAIS PARTIDOS

 



Por Leonardo Pimentel, para Canal Meio (canalmeio.com.br)

Registrado na Justiça Eleitoral em 2015, o Partido Novo só entrou para valer no cenário nas eleições gerais de 2018, quando lançou João Amoêdo candidato à Presidência e elegeu oito deputados federais – fora um governador e 13 legisladores estaduais que não estão no foco aqui. Eis que, três anos depois, a legenda está em vias de perder seis desses oito parlamentares pelo descolamento entre eles e a executiva nacional. Enquanto a direção partidária se coloca em oposição ao presidente Jair Bolsonaro e defende seu impeachment, os deputados votam sistematicamente com o governo, embora não se reconheçam como bolsonaristas.

Mas essa situação não é exclusiva do partido cor de laranja. Após os atos de tom golpista em 7 de setembro, o presidente do PSDB, Bruno Araújo, convocou a executiva nacional para que o partido se declarasse em oposição e apoiasse o impeachment. A medida desagradou uma parcela expressiva da bancada tucana na Câmara, liderada informalmente por Aécio Neves (MG), também alinhada com o Planalto – a ponto de a maioria dos deputados do partido ignorar a orientação da direção e votar a favor do voto impresso, obsessão do presidente da República.

Parte da explicação para essa situação está no próprio fenômeno Bolsonaro. Assim como em 2002 Lula chegou à Presidência numa “onda vermelha”, o atual morador do Alvorada ali aportou liderando uma aluvião ultraconservadora. Quanto mais à direita o candidato se vendesse, melhores as chances de abiscoitar votos dos eleitores de Bolsonaro.

O Novo, por exemplo, ofereceu uma plataforma “liberal na economia e conservadora nos costumes” conhecida por vários nomes (thatcherismo, neoliberalismo etc.) e elegeu uma bancada conservadora, ponto. A direção percebeu que o liberalismo de Guedes tinha a mesma profundidade no governo que o lavajatismo de Sérgio Moro, mas os deputados estão mais alinhados com Bolsonaro que com Amoêdo.

No PSDB a coisa é mais complexa. O partido nasceu de uma rebelião no PMDB contra o fisiologismo de Orestes Quércia, então cacique paulista da legenda. Sua proposta era inédita: um partido social-democrata sem base sindical. Era uma agremiação de centro-esquerda, seus fundadores eram todos “autênticos” do MDB. Mas o acaso, esse destruidor dos mais bem elaborados planos, jogou para Fernando Henrique Cardoso a tarefa de conter a hiperinflação, privatizar, sanear o sistema bancário etc. O ideário social-democrata acabou implantado por Lula. Acontece.

O fato é que os tucanos foram empurrados para a direita pelo antagonismo com o PT e não tiveram coragem de expulsar Aécio Neves quando este foi alvo de denúncias sólidas de corrupção. Ele aglutinou em torno de si a bancada conservadora eleita na esteira do bolsonarismo e hoje busca sabotar todas as iniciativas do partido, tanto o projeto pessoal de João Doria quanto a tentativa dos fundadores de formar uma frente contra Bolsonaro.

Isso sem falar no PSL, um partido nanico elevado à condição de maior bancada no Congresso, empatada com o PT, por ter cedido seu número 17 a Jair Bolsonaro. O presidente e o partido estão brigados há tempos, mas a bancada ainda abriga luminares (num sentido muito figurado) do bolsonarismo, a começar pelo filho Zero Três, Eduardo, deputado por São Paulo.

Rachadura no pilar da democracia

Essa disfuncionalidade partidária é um dos muitos problemas do sistema político brasileiro. Talvez um dos mais graves, pois envolve um fundamento da democracia liberal. A ideia de grupos representando classes ou ideias vem desde a Grécia, passando por Roma. Em geral contrapunham a elite à plebe, embora Caio Júlio César, nobre de longa estirpe e supostamente descendente de Vênus, fosse um paladino do “partido popular”.

Essa também foi mais ou menos a lógica dos dois primeiros partidos políticos nos moldes do que conhecemos hoje, os Conservadores (Tories) e Liberais (Whigs), na Inglaterra do século 17. Com as revoluções burguesas/liberais do século 18 e o surgimento de novas linhas de pensamento político – comunismo, socialismo, anarquismo etc. – no século 19, o leque de partidos políticos se ampliou. E seguiu pelo século passado com as ideologias de extrema-direita e, mais tarde, os movimentos ecológicos.

Partidos podem mudar de ideologia? Claro. Durante a Guerra de Secessão (1861-1865), o Norte abolicionista era Republicano; o Sul escravocrata, Democrata. Na segunda metade do século 20, os democratas abraçaram o movimento dos Direitos Civis, conquistando a classe média progressista no Norte e o deixando órfãos os conservadores religiosos (e racistas) do Sul, que foram acolhidos pelos republicanos. O mesmo aconteceu com os partidos comunistas do Ocidente após a dissolução da União Soviética. O PCB se tornou PPS e hoje é Cidadania, sem qualquer resquício de comunismo em seu programa.

Nos regimes parlamentaristas, a necessidade de formar maiorias faz com que partidos políticos de diferentes matizes se unam, mas é jogo de “eu cedo, você cede” que acontece das agremiações para fora. Daí a expressão “strange bedfellows” (“estranhos parceiros de cama”, em tradução livre) melhor representada pela colcha de retalhos partidária que ora governa Israel.

Questão fechada

O sistema proporcional brasileiro valoriza os partidos. Mesmo quando votamos num candidato, o voto vai para a legenda, que pode eleger mais de um legislador com a votação de um candidato de forte apelo popular. Em outubro de 2007 o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reforçou essa ideia ao determinar que um deputado federal ou estadual ou um vereador que mudasse de partido perderia o mandato, salvo com autorização da legenda ou em situações especiais. O entendimento foi confirmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e, para acomodar mudanças, foi criada uma janela de troca partidária no início do ano eleitoral.

Além disso, os partidos sempre tiveram o recurso do fechamento de questão. Uma vez que a direção se posiciona sobre o assunto, a bancada tem que seguir. Mas aparentemente isso só vale na esquerda. O episódio mais famoso aconteceu em janeiro de 1985. Airton Soares, Bete Mendes e José Eudes não eram apenas três dos oito deputados federais eleitos pelo PT em 1982. Estavam entre os mais expressivos nomes da legenda. Airton, de São Paulo, era o líder da bancada. Bete, uma atriz consagrada e com intensa atuação política, havia sido eleita pelo Rio de Janeiro, assim como Eudes, que vinha de dois mandatos no MDB. Eram, sem trocadilho, estrelas.

Com a derrota da Emenda Dante de Oliveira, o PT realizou uma convenção e decidiu que não participaria da eleição presidencial indireta no Colégio Eleitoral. Airton, Bete e Eudes avisaram que não obedeceriam e votaram em Tancredo Neves. Passaram a ser hostilizados no partido e o deixaram antes que um processo de expulsão fosse consumado.

O PSOL nasceu de um processo semelhante, também envolvendo o PT. Em 2004, quatro parlamentares do partido - Heloísa Helena, Babá, João Fontes e Luciana Genro – foram expulsos por votarem contra a reforma da Previdência proposta pelo governo Lula. Mais recentemente, Tabata Amaral (SP) contrariou a orientação do PDT e votou a favor da (última) reforma da Previdência. Foi tão hostilizada que o TSE a autorizou a deixar o partido. Está agora no PSB, que aliás, também havia fechado questão contra a reforma.

Valorização do baixo clero

Mas é injusto atribuir ao bolsonarismo a exclusividade na origem dessa disfunção política. Desde a redemocratização, uma parcela do Congresso trabalha fisiologicamente. Apoia o governo. Qualquer governo. Conhecemos como Centrão, mas assume diversas formas. Sarney, Collor (aos trancos e barrancos) e Fernando Henrique negociaram com sua cúpula. No governo Lula, o sistema montado em Minas pelo tucano Eduardo Azeredo foi levado para Brasília, onde acabou ganhando o nome de mensalão. Embora houvesse líderes envolvidos, a “negociação” era feita deputado a deputado. Em 2005, graças a uma brutal inabilidade da liderança petista, Severino Cavalcanti (PP-PE), a mais completa tradução do “baixo clero” foi eleito presidente da Câmara. Caiu pouco depois, exposto num esquema de corrupção quase punguista, mas mostrou à malta amorfa de deputados inexpressivos que talvez não precisassem de tantos líderes e caciques.

O que 2022 nos reserva?

Olhando assim, parece que devemos nos desesperar. Na verdade, não. Esta semana o Senado aprovou a PEC da minirreforma eleitoral podando tudo o que a Câmara havia incluído para beneficiar legendas nanicas, em particular a volta das coligações proporcionais. No ano que vem, os partidos terão de contar somente com a própria musculatura eleitoral. A regra já valeu no pleito municipal de 2020, promovendo uma saudável depuração, somada à cláusula de desempenho.

Paralelamente, o STF considerou inconstitucional a tese da “candidatura nata”, pela qual o ocupante de um cargo parlamentar tem automaticamente direito à vaga para disputar a reeleição sem o crivo da convenção partidária. Com a devida força na convenção, partidos podem deixar parlamentares rebeldes a verem navios, retomando uma saudável unidade ideológica.

Democracia, como tudo na vida, é prática. Mesmo com alguns soluços, vamos aprimorando a nossa.

 

Imagem: "O esfacelamento de Marsyas", Tiziano Vecellio (Titian). State Museum, Kromeriz, Czech Republic).

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O “republicanismo”, o punitivismo rastaquera e as derrotas ideológicas

Fonte desta imagem AQUI.


Artigo de Márcio Medeiros Félix


1. O STF e os ecos do “mensalão”



A derrota sofrida pela maioria dos réus da Ação Penal 470 no Supremo Tribunal Federal traz para o debate uma série de avaliações (nem sempre apropriadas) sobre as razões para o resultado, quase sempre fantasiosas.

O que se percebe em parte do discurso do petismo é uma natural e legítima inconformidade com o resultado. No entanto, em geral elaborando um discurso que não aponta a verdadeira gravidade dos fatos ocorridos, ficando na periferia do problema. De outro lado, o discurso que ecoa na imprensa empresarial é de uma exaltação idealizada ao punitivismo, que transforma Joaquim Barbosa num Herói da Pátria, enquanto rotula Lewandowsky como leniente com a corrupção, num execramento gravíssimo de um Ministro da Suprema Corte que, daqui a dois anos, será chefe de um dos poderes da República.

Do ponto de vista do PT, a crítica me parece legítima, mas insuficiente. Centra fogo na condenação sem provas de alguns dos réus e na alteração da orientação jurisprudencial como um sinal de que se trataria de um “julgamento de exceção”. Nesse ponto, a maioria de ministros do STF estaria participando de um movimento para derrotar o PT. E só isso. Ao final, em geral essa crítica cobra o mesmo rigor para casos futuros e uma certa promessa de que estarão de olho quando tucanos forem réus.

Do ponto de vista da oposição, um discurso articulado a partir da imprensa exalta a punição dos “corruptos” como “um novo momento”, uma verdadeira redenção nacional. Os ministros do STF são elevados a heróis nacionais, em especial Joaquim Barbosa. As análises desse ponto de vista, no entanto, além de permeadas por um ufanismo um tanto boboca, são permeadas por uma raiva incontida: o objetivo maior não é exatamente o combate à corrupção, mas desmoralizar o “petismo”, propriamente dito. Em nome disso, nenhuma vírgula de crítica às opções do STF podem ser apontadas.

Tais análises, no entanto, empobrecem o debate. O PT, especialmente, precisaria refletir melhor diante desse processo político e do processo judicial para amadurecer um projeto de relação com as instituições do país.

Considerando que tem a Presidência da República há dez anos e, ao que tudo indica, a terá no mínimo pelos próximos seis – e que mesmo o dia em que deixar a Presidência, será a alternativa imediata a qualquer governo – falta ao PT, incrivelmente, reflexão mais clara sobre alguns aspectos da disputa política e a intervenção mais efetiva no jogo democrático.

A crítica que o discurso médio petista faz aos ministros do Supremo, por exemplo, é risível, em especial quando tenta ignorar que, da composição atual da Corte, apenas três ministros são remanescentes dos governos anteriores: Celso de Melo (Sarney), Marco Aurélio (Collor) e Gilmar Mendes (FHC).



2 – As indicações de Lula para o STF



Lula foi o presidente sob o qual recaiu mais vezes a prerrogativa de indicar ministros da Suprema Corte em toda a história. Nem sempre acertou. Se por um lado, acertou quando indicou Ayres Brito (cuja passagem pelo STF não pode ser julgada apenas pelo “mensalão” que presidiu, o que seria um erro), Carmen Lúcia ou Lewandowski, ministros de posições corretas, progressistas e de esquerda, errou feio ao indicar César Peluso (que dentre outras marcas, foi pupilo de Alfredo Buzaid, Ministro da Justiça de Médici e “racionalidade jurídica” do arbítrio) e Menezes Direito (ligado à direita católica), dois dos mais conservadores ministros da história recente da casa.

O caso de Joaquim Barbosa merece nota à parte. Joaquim tem uma trajetória pessoal exemplar. Homem estudioso, passou em concursos, estudou em algumas das instituições de ensino mais importantes do país e do exterior. Antes do Supremo, tinha uma produção consistente em temas constitucionais, em especial na questão das políticas afirmativas. Traz, em sua trajetória, uma rejeição em sua tentativa de virar diplomata apenas na fase da entrevista (quando a subjetividade entra em jogo e determina tudo), o que se pode concluir ter sido forte a incidência do racismo a lhe derrotar. Num momento em que Lula indicaria diversos ministros, Joaquim representava um enorme gesto, por ser negro e por elaborar justamente na área de políticas afirmativas. As críticas que tenho lido de algumas pessoas de que seria de direita são totalmente equivocadas e se amparam numa divisão esquerda-direita que não respeita um critério sério. Na realidade, Joaquim é de esquerda, acredita sinceramente numa sociedade mais justa, mas traz consigo posições “justiceiras” na área penal, em especial na questão do combate à corrupção, além de demonstrar uma visão distorcida de democracia. Como alguém com trajetória no Ministério Público, Barbosa reproduz aquilo que a própria instituição da qual é egresso prega: endurecimento do sistema penal, punição a qualquer preço, relativização do direito de defesa, com especial requintes de desprezo pelos advogados, dos quais Barbosa não esconde o tom de deboche. Assim como boa parte dos membros do Ministério Público, Joaquim se acredita “o verdadeiro representante dos anseios da sociedade”, o que lhe permite atropelar direitos individuais em nome dessa verdadeira “missão”. Sempre repito que Barbosa se parece muito com a ex-senadora Heloísa Helena, embora ocupe um espaço mais privilegiado, use um linguajar mais empolado e vista uma toga que lhe deu poder para atacar os “corruptos poderosos” com muito maior efetividade que a verborragia da hoje vereadora de Maceió, cujos minutos de relevância duraram dois ou três anos.

No entanto, todos esses apontamentos em relação aos ministros indicados por Lula trazem um grave problema: Lula e sua equipe erraram tanto por qual razão? Bem sabemos que a estrutura da Casa Civil tem plenas condições de apresentar ao Presidente um perfil completo e detalhado de qualquer cidadão, em especial alguém pleiteando uma nomeação de tal monta. Todas essas pequenas observações que fiz não eram dados estranhos ao Presidente quando, ainda assim, optou por tais indicações. Se eram, temos um grave problema operacional. Se não eram, realmente, temos um grave problema político, em especial nas nomeações dos perfis claramente conservadores, como Peluso e Menezes Direito. No caso de Barbosa, poderia se alegar que depois de nomeado, o “Batman” surpreendeu a todos e enveredou para caminhos não imaginados. Ainda assim, tal “ingenuidade” não chega a ser aceitável, já que não estamos falando da indicação de um membro de um conselho universitário, exatamente.

Claramente faltou um critério a Lula para as indicações ao Supremo. Ao nomear perfis tão díspares, alguns deles claramente “do outro lado”, do ponto de vista ideológico, possivelmente tenha optado por utilizar tais indicações para “pagar contas” com aliados ou simplesmente “fazer gestos”. Nenhuma das hipóteses é aceitável em se tratando da composição da Suprema Corte, onde algumas das decisões mais centrais da democracia ocorrerão e onde um ministro será, por décadas, as vezes, uma das pessoas mais poderosas da disputa política do país.



3 – As indicações de Dilma



Já Dilma teve, até aqui, a iniciativa de indicar três nomes ao STF (estando já aberta a possibilidade de um quarto, com a aposentadoria de Ayres Brito). Ao contrário de Lula, ela até agora se utilizou, aparentemente, de um critério comum nas nomeações de Rosa Weber, Luiz Fux e Teori Zavaschi, já que os três compunham tribunais superiores (a primeira o TST, os outros dois o STJ). Assim, haveria no critério de Dilma a opção por nomear ministros de perfil supostamente mais técnico, evitando a controvérsia gerada, por exemplo, pela nomeação claramente mais “política” de Toffoli, último da era Lula.

Nessa toada, Dilma aponta para uma tentativa de nomear “profissionais”, figuras menos identificadas com qualquer posição política prévia. Embora mais coerente, não deixa de estar equivocada. Primeiro, porque o Supremo não deve ser considerado o “último degrau da magistratura”, onde chegariam aqueles ministros dos Tribunais superiores mais capacitados ou mais “articulados”, como Fux tem procurado demonstrar que foi em sua corrida para chegar ao Supremo. A Suprema Corte deve expressar a diversidade das trajetórias no mundo do Direito, alternando magistrados de carreira com egressos dos MP e da advocacia. Qualquer critério que restrinja a apenas um setor das carreiras jurídicas a composição do STF lhe tornará uma corte homogênea demais, perdendo seu sentido.

Mas o maior dos equívocos de Dilma repete o de Lula.



4 – O erro comum nas indicações ao STF: o burocratismo sob o nome de “republicanismo”



Um dos debates mais distorcidos que sempre se repete a cada novo ministro do Supremo a ser sabatinado pelo Congresso é aquele que tenta criticar a nomeação quando ela é de alguém muito identificado com o Presidente da República, pessoal ou ideologicamente.

Evidente que a Suprema Corte de um país não deve ser apenas o espaço para acomodar seus operadores jurídicos mais brilhantes, como já fizeram Collor com Francisco Rezek, FHC com Gilmar Mendes e Lula com Dias Toffoli (embora, nos três casos, se deva reconhecer a grande capacidade intelectual). Ainda assim, não há qualquer crime em um Presidente da República indicar alguém que lá defenda ideias próximas às suas. Ele deve buscar exatamente isso, a ideia é essa! Nos Estados Unidos, o sistema é exatamente igual ao nosso, sendo que lá os juízes membros são claramente identificados como liberais ou conservadores: isso faz parte do jogo democrático estadunidense, sem qualquer hipocrisia. Aqui parece que estamos sempre permeados por essa acusação de “partidarização”. Infelizmente, Lula e Dilma parecem, muitas vezes, ficarem reféns desse discurso, ecoado especialmente pela “grande” imprensa. Parecem preocupados, a cada nomeação (exceto na de Toffoli, claramente) provar que não estão nomeando um “companheiro”, mas um jurista “isento”, como se isso pudesse existir.

A ideia de que um ministro do Supremo ideal seria algo próximo do “burocrata judicial eficiente” é não apenas de uma ingenuidade grave, mas uma posição superada por séculos de debate (o juiz que deveria apenas ser “a boca da lei” é um tipo ideal criado por Montesquieu em 1748). Curioso, aliás, que alguns tentem justificar essa busca da isenção como sendo “republicanismo”, já que a ideia do juiz boca-da-lei é algo derrotado exatamente pelo debate político contemporâneo, pelas mais notórias repúblicas, como a dos EUA.

Lula teve a rara chance de terminar seus oito anos de governo nomeando a maioria dos ministros do STF. Como dito, abriu mão de conformar uma maioria claramente progressista, garantindo, inclusive, a manutenção de tal composição para além de sua passagem pela Presidência. Manter uma maioria progressista no STF mesmo por longos anos após uma eventual saída do PT do Governo é algo importantíssimo para a disputa de longo prazo na sociedade brasileira, uma oportunidade que não deveria ser desprezada.

Após a saída do PT (e um dia isso ocorrerá), boa parte de seu legado poderá ser mantido (ou não) a partir da maioria da Suprema Corte. Algumas votações importantes para a democracia brasileira ocorreram no STF nos últimos anos (Raposa do Sol, União Homoafetiva), assim como algumas derrotas, também (como a manutenção da impunidade prevista na Lei da Anistia). Logo, a “maioria progressista” ocorre apenas em alguns temas. Falta uma maioria clara no STF, comprometida com um projeto de esquerda numa perspectiva mais complexa e de longo prazo.

No entanto, o problema está longe de se resumir às condenações da referida ação penal 470. Elas se concentram, principalmente, na incapacidade de fazer um balanço consistente do que aconteceu até aqui e do que virá pela frente.



5 – Os outros erros do PT na forma de “jogar o jogo”


Um dos pontos já mencionados por algumas vozes importantes do debate próximo ao PT como sendo um grande equívoco das análises “oficiais” diante do julgamento do “mensalão” é a incapacidade de produzir uma autocrítica diante dos episódios, por mínima e simbólica que seja. Uma das defesas, aliás, é totalmente equivocada, a de que não teria ocorrido compra de votos de congressistas, mas “apenas caixa dois”, como se isso também não fosse uma prática a ser merecedora de punição.

Mas o problema segue: o petismo está contaminado, de uns anos para cá, por uma postura de total adesão ao que podemos chamar, grosso modo, por “punitivismo”. Isso se expressa nos discursos da maioria de seus dirigentes relevantes. Diferentemente de períodos mais longínquos, onde o PT tinha uma posição diferenciada nas temáticas de segurança pública e sistema penal, aos poucos as opções do PT foram sendo hegemonizadas pela mesma lógica da “lei e da ordem”, de um punitivismo rastaquera, que despreza e por vezes até ataca os direitos humanos. Tal deslocamento de posição foi ocorrendo em especial a partir dos anos 2000, quando o PT ganhou a eleição presidencial e quando passou a buscar vitórias eleitorais majoritárias a qualquer preço, em cada estado ou cidade.

Atualmente, qualquer candidato a Prefeito do PT defende que a segurança pública também é tema de responsabilidade do Prefeito. Boa parte defende guardas municipais armadas. A barbárie sofisticada das câmeras de vigilância espalhadas pela cidade (quem ainda não leu “1984”, o faça) é tema também superado dentro do PT, embora seja, a meu ver, uma das grandes derrotas da civilidade do século XXI. Muitos são os casos em que segurança pública é a prioridade de candidatos petistas a prefeito. Nada mais equivocado, diga-se.

Nas iniciativas legislativas, o PT parece também bastante entrosado com essa postura de endurecimento de penas, criação de novos tipos penais, mudanças no sistema processual para facilitar punições. Só nos últimos dias, vimos a iniciativa da “Nova Lei Seca”, que tenta, especificamente para a questão do álcool, rasgar a Constituição e o Código de Processo Penal.

A proposta de Osmar Terra (PMDB-RS), que pode voltar a endurecer a política de drogas, ameaça passar com apoio quase unânime do Congresso. Para cada problema difícil de resolver, nossos legisladores e Governo atacam com nova lei penal. Com o silêncio anuente ou mesmo a operação militante da bancada do PT no Congresso. Viramos punitivistas, possivelmente por medo de debater francamente com a opinião pública ou talvez porque tenhamos sido tomados pelo conservadorismo, simplesmente.

Tudo isso, no entanto, complica em muito a conjuntura atual. O PT não parece saber muito bem elaborar respostas ao que acontece no debate político do país. Parece não saber bem como se relaciona com alguns temas importantes da democracia brasileira. Como os critérios para indicação de um Ministro do Supremo, por exemplo. Afinal, estamos falando das “novas estrelas” do jogo político do país. Então, Dilma seguirá errando nos seus critérios?

O “novo punitivismo” vai no mesmo sentido. Um dos maiores problemas do julgamento do “mensalão” está justamente na condenação sem provas, na interpretação extensiva para condenar os réus, no cerceamento do direito de defesa, na aplicação de penas elevadas e desproporcionais, no encarceramento de réus por alguns crimes cuja prioridade não deveria ser essa, mas a restituição dos desvios aos cofres públicos. Nada disso, no entanto, é debatido em profundidade pelo discurso petista, que parece mais preocupado em denunciar um golpe de estado próximo ou um “Supremo a serviço da direita”. Nada mais frágil e nada mais improdutivo em relação ao futuro. Enquanto isso, o punitivismo parece tomar conta da Suprema Corte, controla as iniciativas do Legislativo e até mesmo do Ministério da Justiça, com sua “nova lei seca”, com uma Polícia Federal que adora espetacularizar suas investigações, sem se preocupar com as consequências na intimidade dos acusados.

O que se percebe, portanto, é que o conservadorismo ataca por todos os lados, mesmo pelas frentes controladas pelo “petismo”. Aspectos importantes da disputa política de um país, que é a disputa cultural da sociedade, aquela que se dá no longo prazo, sobre o “legado” de um período, parece que não é compreendida por parte importante dos dirigentes do PT e do Governo Federal. Que daqui a alguns anos poderão deixar a Presidência da República com uma Suprema Corte controlada pelo conservadorismo, leis penais mais duras e um cenário asfaltado para um longo reinado conservador, legitimado por uma sociedade que não terá sido, ao longo dos anos de governo petista, disputada para um projeto humanista. Que os erros de análise sejam meus, assim espero.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

ANIVERSÁRIO DO MESTRE OLÍVIO

Veja AQUI o vídeo apresentado no evento de comemoração dos 70 anos do Mestre Olívio Dutra.

Este blogue deseja muita saúde e felicidade para esse grande lutador.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Esquerda e direita


A direita brasileira adora afirmar que não há mais direita e esquerda. Imediatamente passa a criticar a esquerda. Conclui-se que no Brasil só haveria esquerda. A direita se vê como não ideológica, a pura expressão da verdade. Nos Estados Unidos seria o contrário: há direita, mas quem é mesmo a esquerda? Na Alemanha, todo mundo quer ser de centro. Na França, direita e esquerda designam-se como tal. Um parlamentar, na televisão, diz: "Nós da direita...". Em Israel, direita e esquerda representam projetos cristalinos. A campanha eleitoral brasileira revelou que o Brasil tem direita e esquerda bem definidas: PSDB e PT. Tem também extrema-direita e extrema-esquerda: Dem, PP, PSol, PSTU, PCO. Também não falta centro (direita ou esquerda): PTB, PMDB, PV, PDT.

Apenas dois partidos têm projetos nacionais: PT e PSDB. O PMDB oscila entre eles de acordo com as conveniências, com ligeira inclinação à esquerda e grande inclinação para os cargos. Os tucanos, ao firmarem pacto com o Dem, resvalaram para o discurso reacionário típico da UDN dos anos 1950. O último governo de Getúlio Vargas, que acabou no suicídio do presidente, foi de centro-esquerda. Não havia Bolsa-Família. Mas Getúlio assinou um aumento de 100% para o salário mínimo e criou a Petrobras, frustrando os interesses de multinacionais e de seus parceiros nacionais. Restou para a direita o discurso "moralista" contra a corrupção. A Tribuna de Imprensa, de Carlos Lacerda, era a Veja da época. O Estado de S. Paulo era o Estadão conservador de sempre.

A corrupção sempre deve ser denunciada. Impiedosamente. Pode-se, no entanto, perguntar: quando termina a denúncia e começa a campanha política disfarçada de jornalismo investigativo? O truque consiste em transformar o que é pontual em total. Converte-se um sinal na pele em sintoma de uma metástase. Já ouviram falar em metonímia? É uma figura de linguagem pela qual, segundo o Aurélio, entre outras coisas, a parte pode representar o todo. Direita e esquerda usam esse mesmo recurso: se a parte sabe, o todo sabe. Se a parte está contaminada, o todo também. Em geral, é pura inferência. Como dizia Balzac, para a imprensa tudo o que é provável (verossímil) é verdadeiro. Os fatos nem sempre concordam.

A direita brasileira recusa-se a assumir-se como direita. De quebra, tenta convencer a esquerda a negar-se. O PSDB bem que podia dar um bom exemplo e admitir que se tornou de direita. É legítimo. Essa conversa de que esquerda e direita são termos e expressões ultrapassadas está ultrapassada. Foi um golpezinho retórico dos anos hegemônicos do neoliberalismo. Caducou. Fez parte de uma guerra ideológica e de marketing. Todo tucano adora pensar que é racional e que só o seu adversário tem ideologia. Os tucanos acham que as ideias dos outros são opiniões, enquanto as suas seriam constatações. Há petistas, por seu turno, que gostam de imaginar que têm projetos, enquanto os outros só teriam interesses. A eleição foi categórica: esquerda e direita em confronto.

Juremir Machado da Silva | juremir@correiodopovo.com.br

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O castigo de Bornhausen


Há cinco anos, o então presidente do DEM, então PFL, Jorge Bornhausen, dissera: “A gente vai se ver livre desta raça por, pelo menos, 30 anos”, se referindo a Lula, ao PT e, provavelmente, à toda a esquerda.

O ex-senador continuou a fazer suas caminhadas na linda Praia Brava, na linda Ilha de Florianópolis, e ainda deve andar todo lampeiro com a lideranças que seu candidato, Raimundo Colombo, ostenta nas pesquisas para o governo.

Mas a maré vai virar e ele vai ter de enfrentar a onda pró-Dilma. Haverá segundo turno e, aí, contra Ideli Salvati ou Ângela Amin, não haverá possibilidade de que o DEM ganhe o Governo do Estado.

Hoje, ele teve de ouvir Lula comer bem frio o prato da vingança. O presidente exortou o povo catarinense a “extirpar o DEM da vida política do país”. Pelo voto, antes que os engraçadinhos venham dizer que isso é autoritário. “Nós já aprendemos demais, já sabemos quem são os Bornhausen. Eles não podem vir disfarçados carneiros” , disse Lula.

Aliás, o discurso de Lula mostrou – estou tentando conseguir o vídeo – nossa confluência histórica:

“É a mesma direita que articulou e levou o Getulio Vargas a dar um tiro no coração, a mesma direita que levou o João Goulart a renunciar. É a mesma direita que disse que Juscelino Kubitschek não podia ganhar, se ganhasse não tomava posse e se tomasse posse não ia governar. Essa mesma direita tentou fazer o mesmo comigo em 2005. E não fez porque eu tinha ingrediente a mais, eu tinha vocês. Eles nunca tinham lidado com um presidente que tinha nascido no berço da classe operária desse país”.

O “Reich de mil anos do pensamento único” se acabou faz tempo.

Brizola Neto

segunda-feira, 19 de julho de 2010

FRASES


"Todo mundo sabe que o PT é ligado às Farc, ligado ao narcotráfico, ligado ao que há de pior. Não tenho dúvida nenhuma disso".

Deputado Indio da Costa (DEM-RJ, candidato a vice-presidente na chapa de José Serra (PSDB), sinalizando qual, para ele, deve ser o nível da Campanha Eleitoral.