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quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

O que esperar do Brasil em 2018


por André Lara Resende

O poder voltou a estar associado à riqueza e ao dinheiro, agora desmaterializados, ao sabor exclusivo das expectativas

O sentimento que hoje dá a tônica no Brasil é o de desalento. Depois de três anos da mais grave recessão da história do país, a economia dá sinais de recuperação, mas ainda não há investimento para garantir um novo ciclo de crescimento. Não há investimento porque a confiança não se recuperou. O país está à espera das eleições presidenciais de 2018. A esperança que ainda tempera o desalento é que o presidente eleito em 2018 seja capaz de recolocar o país nos trilhos. Recolocar o país nos trilhos tem diferentes interpretações, mas há um relativo consenso sobre os problemas a serem enfrentados. Corrupção, criminalidade e violência nas cidades, saúde pública, desigualdade de educação e de riqueza são questões que há décadas nos atormentam e só se agravaram. São questões eminentemente políticas, que dependem do poder público, questões incapazes de serem resolvidas por iniciativas individuais, ou mesmo corporativas, com ou sem fins lucrativos. Temos a impressão de que são problemas nossos, uma especificidade do país que atravessou o século XX sem conseguir chegar ao Primeiro Mundo, mas a verdade é que são problemas que afligem, em maior ou menor grau, todas as grandes democracias contemporâneas. Basta observar os Estados Unidos hoje. A lista acima, dos nossos grandes problemas, seria integralmente aceita para descrever as questões que afligem a mais rica e bem-sucedida democracia contemporânea.

Num pequeno livro publicado originalmente em 1993, "O Fim da Democracia", Jean-Marie Guéhenno, diplomata francês, professor da Universidade de Columbia, defendia uma tese que, à época, parecia precipitada e provocadora. Sustentava que havíamos chegado ao fim de uma era. O período da modernidade, da democracia, iniciado com o Iluminismo do século XVII, cujo apogeu se deu no século passado, se encerrava com o fim do milênio. Diante do mal-estar que hoje se percebe, em toda parte, não apenas em relação à democracia representativa, mas em relação à própria política, a releitura do ensaio de Guéhenno nos deixa com a impressão de se tratar de uma reflexão profética sobre a crise deste início de século.

A modernidade se organizou a partir da crença nas instituições democráticas, na força das leis para organizar e controlar o poder. Difundiu-se a tese de que a melhor maneira de regular a convivência, organizar a sociedade era limitar o poder pelo poder, distribuindo-o entre vários polos e instâncias. As construções institucionais que organizam essa distribuição do poder, de maneira que impeça a usurpação por um deles, ou colusão entre eles, num delicado equilíbrio de distribuição, não apenas do poder, mas também da riqueza, é o que caracteriza a democracia moderna.

No passado, antes do enriquecimento que acompanhou a era da razão e da indústria, a riqueza fundiária era o único poder. O poder político não se distinguia do poder econômico, ser poderoso era, sobretudo, escapar da miséria generalizada. A democracia institucional da modernidade foi um extraordinário progresso em relação à concentração do poder e da riqueza das épocas passadas, mas, nessa passagem de século, as instituições democráticas se tornaram obsoletas. Há dificuldade em admiti-lo, porque não temos o que pôr no lugar da democracia representativa. Não conhecemos uma forma de melhor organizar a sociedade. As palavras democracia, política, liberdade definem o espectro de nossa visão de um mundo civilizado, mas não temos mais certeza de saber o seu verdadeiro sentido. Nossa adesão, à construção institucional e aos valores da democracia moderna, é mais um reflexo condicionado do que uma opção refletida.

Com a densidade demográfica e o progresso tecnológico, sobretudo nas comunicações, a sociedade dos homens se tornou grande demais para formar um corpo político. Não há mais cidadãos, pessoas que compartilham um espaço físico e político, capazes de expressar um propósito coletivo. Todos se percebem como titulares de muitos direitos, e cada vez menos obrigações, num espaço nacional pelo qual não se sentem responsáveis, nem necessariamente se identificam. Na idade das redes, da mídia social, a vida pública e a política sofrem a concorrência de uma infinidade de conexões estabelecidas fora do seu universo. Longe de ser o princípio organizador da vida em sociedade, como o foi até algumas décadas atrás, a política tradicional passa a ser percebida como uma construção secundária e artificial, incapaz de dar resposta aos problemas práticos da vida contemporânea. Sem a política como princípio organizador, sem homens públicos capazes de definir e representar o bem comum, a pulverização dos interesses, longe de resultar num consenso democrático, leva à radicalização na defesa de interesses específicos e corporativos. Na ausência de um princípio regulador, universalmente aceito como acima dos interesses específicos, a tendência é a da radicalização na defesa de seus próprios interesses. Não há mais boa vontade com os que discordam de nós, nem crédito quanto à suas intenções.

Sem confiança e boa-fé, os elementos essenciais do chamado capital cívico, não há como manter viva a ideia de nação, de uma memória e de um destino compartilhado. Num primeiro momento, tem-se a impressão de que a confiança e a boa-fé, vítimas da sociedade de massas, poderiam ser substituídas, sem prejuízo do bom funcionamento da sociedade, pela institucionalização e pela formalização jurídica das relações. O que é um avanço, o domínio da lei, quando levado ao paroxismo, quando se depende da lei, dos contratos jurídicos para regular até mesmo as mais comezinhas relações cotidianas, é sinal inequívoco da erosão do capital cívico. O sistema jurídico, os advogados, se tornam o campo de batalha, os exércitos, de uma guerra onde cada um, cada grupo, se agarra obstinadamente aos seus interesses e "direitos" particulares. Quebrar um contrato, desobedecer à lei, é passível de punição, mas fora dos contratos e da lei tudo é permitido, não há mais princípios nem obrigação moral. Quando não existe mais terreno comum fora dos contratos jurídicos, quando não é mais possível, de boa-fé, baixar as armas e confiar, é porque não há mais terreno comum e a decomposição da sociedade atingiu um estado avançado. O estágio final é a decomposição das próprias instituições que fazem e administram as leis.

Talvez a mais polêmica das teses de Guéhenno, à época da publicação de seu ensaio, fosse a de que o princípio organizador do poder no mundo contemporâneo fragmentado é a riqueza. Não mais o capital, capaz de organizar e explorar o trabalho, como queria a tradição marxista, mas a riqueza em abstrato. Com a desmaterialização da economia, provocada pela revolução digital, o capital e o trabalho caminham rapidamente para se tornar dispensáveis. A riqueza é criada e destruída com extraordinária velocidade e de forma completamente dissociada do que restou do sistema produtivo do século XX. No mundo contemporâneo o poder voltou a estar associado à riqueza e ao dinheiro, agora desmaterializados, ao sabor exclusivo das expectativas, das percepções coletivas, que tanto se expressam como se validam na criação de riquezas abstratas, tão impressionantes como voláteis.

Para Guéhenno, é sob este prisma, do dinheiro como o princípio organizador do poder, que se deve analisar a corrupção no mundo contemporâneo. Longe de ser um fenômeno arcaico, lamentável sinal de uma sociedade subdesenvolvida, incapaz de distinguir entre a fortuna particular e o bem público, a corrupção é um elemento característico da sociedade contemporânea. Quando o Estado e a política deixam de ser o princípio organizador do bem comum, quando políticos e funcionários passam a serem percebidos e a se perceber como meros prestadores de serviços para uma multiplicidade de interesses específicos, é natural que sejam remunerados, diretamente pelos interessados, pelos serviços prestados.

No mundo onde o relacionamento vale mais do que o saber, onde o poder público é visto apenas como facilitador de interesses particulares, a chamada corrupção, desde que não saia de controle, é apenas uma forma de aumentar a eficiência da economia. O valor supremo é a eficiência da economia na geração de riqueza. A política e a alta função pública, há tempos, perderam importância e prestígio. Os sucessivos "escândalos" de corrupção com recursos públicos nas democracias contemporâneas não são uma anomalia, mas a consequência lógica do triunfo do único valor universal que sobrou no mundo pulverizado das redes, o dinheiro, como indicador de sucesso pessoal e de sucesso das sociedades. A riqueza se tornou o gabarito comum, a única referência através da qual é possível estabelecer comunicação entre indivíduos e tribos que nada mais compartilham, a não ser a reverência em relação à riqueza.

O tempo deu razão a Guéhenno. Suas teses, hoje, parecem menos extravagantes. A revolução digital, a pulverização das identidades, a desmaterialização da economia e o fim do emprego industrial tornaram obsoleta a política das democracias representativas. Nosso desalento não é exclusividade nossa. O que poderia servir de consolo é, na verdade, evidência de que o problema é mais grave do que se imagina. É bom que se tenha consciência, para não depositar esperanças infundadas nas eleições de 2018. Para recolocar o país nos trilhos, para dar fim ao desalento, não basta evitar os radicalismos. É preciso ir além de uma proposta moderada reformista, pautada pelo que o país deveria ter conseguido ser no século passado. É preciso ter o olhar voltado para o futuro, e o futuro é o da economia digitalizada, da inteligência artificial, com profundas repercussões na forma de se organizar a economia e a sociedade. Pode ainda não estar claro onde a estrada nos levará, mas é preciso estar na estrada para não ficar definitivamente para trás.
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André Lara Resende é economista
Fonte: Valor Econômico
Imagem:  https://www.gamespot.com/reviews/violett-review/1900-6415618/

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

MEMORIAS DE LA GRAN DEPRESIÓN

(clique nas fotos para ampliar)


Habitantes del abismo

Durante setenta años fueron imágenes icónicas que figuran entre las más vendidas de la historia. Las fotografías que tomó Charles Ebbets sobre la construcción del Rockefeller Center se hicieron célebres también como representación de la gran crisis de los años 30, de la que tanto se habla en estos días. Lo curioso es cómo se interpretan hoy esas fotos y adónde fueron a parar.

Eduardo Blaustein

Son malentendidos de internet, o derivados de la relación que tiene la red –con la consigna “Anulamos el pasado”– con la historia. Alguien en el ciberespacio afirma que estas fotografías célebres de Charles Ebbets sobre la construcción del Rockefeller Center fueron hechas para “denunciar” las condiciones de trabajo de los obreros que levantaron el rascacielos. Cierto: las vidas de esos tipos que almuerzan en el vacío no parecen valer un pomo, como las de los miles de tipos que murieron cavando el canal de Panamá, las de los viejos mineros, largo etcétera.

Almuerzo en la cima del rascacielos, una de las fotos más vendidas en la historia, fue tomada el 29 de septiembre de 1932, en el piso 69 del Rockefeller Center. Es parte del imaginario de la Gran Depresión y la publicó el New York Herald Tribune en su suplemento dominical, el 2 de octubre siguiente. Ebbets había sido contratado no para denunciar sino para documentar el proyecto como director de fotografía. El hombre había nacido en 1905 en un pueblo de Alabama y tuvo su primera cámara a los ocho: se la llevó de un drugstore cargándola en la cuenta de su madre. Comenzó a hacer carrera en los años 20, en Florida, al mismo tiempo que se las rebuscaba en la industria del cine –delante y detrás de las cámaras–, para la que llegó a hacer pequeños papeles. Fue piloto, acróbata aéreo, corredor de carreras, cazador. Y fue fotógrafo oficial de Jack Dempsey.

Para los años 30 Charles Ebbets ya había publicado en los diarios más importantes de EE.UU., incluyendo el New York Times. Tipo amante de la acción y del contacto con la naturaleza, se fue a vivir a la Florida de entonces, donde se interesó para siempre por asuntos que hoy llamaríamos ambientales (la transformación del paisaje, el impacto del turismo, espacios intocados como los Everglades). También estableció una relación estrecha con los sobrevivientes de los indios seminolas; lo suficientemente confianzuda como para que le permitieran retratar ciertos ritos sagrados, vedados a los carapálidas.

En la Segunda Guerra, por su experiencia como fotógrafo y piloto, Ebbets sirvió en los campos de entrenamiento de los servicios especiales de la aviación estadounidense. Sus trabajos siguieron apareciendo en muchos de los diarios y revistas más prestigiosos de su país. Ebbets murió un 14 de julio de 1978, a los 72, de cáncer.

Algunas de sus fotos más célebres pasaron a formar parte de los aún más célebres archivos Bettman. Otto Bettmann fue un fotógrafo, curador y coleccionista alemán que huyó del nazismo en 1935 cargando unos baúles repletos con negativos. Su colección terminó reuniendo 11 millones de fotografías, incluyendo un registro extraordinario de la historia estadounidense y parte de los mejores retratos de gente tan ilustre como la de la dinastía Rockefeller, los Roosevelt, los Kennedy.

Durante décadas la foto del almuerzo en el rascacielos se vendió de a millones en formato póster o postal. Sin embargo, no se sabía quién era el autor. Hasta que un día, no hace mucho, los descendientes de Ebbets se pusieron a revolver cajas en la vieja casa de South Florida. “Trece y catorce horas por día, –relató una hija de Ebbets– con guantes de algodón en las manos, levantando frágiles negativos de 4x5.” Gritando de pronto: “Oh my god, here’s Eisenhower”. Hasta que saltaron los negativos de las fotos celebérrimas.

La historia después se encarga de hacer alguno que otro chiste. Las imágenes de los obreros colgando del cielo no fueron hechas como denuncia, o al menos el amigo John D. Rockefeller –es archisabido que convocó al muy rojísimo Diego Rivera para que pintara un mural en el edificio– dejó hacer. Habrá quien en internet interprete que la cosa iba de homenaje a la sufrida clase trabajadora. Es conjeturable que Ebbets sintiera algo semejante al fotografiar a los hombres en las vigas. Lo curioso es lo que sucedió con buena parte de los trabajos de Ebbets, algunos fueron directamente a engrosar los tesoros de Rockefeller, luego a parar al archivo Bettman. Hoy 17 de sus cuadernos con negativos están en manos del Rockfeller contemporáneo, Bill Gates, monarca de parte del ciberespacio, que hace un puñado de años se compró enterito el archivo Bettmann y sus millones de imágenes, para una compañía de la que también es propietario desde 1989: Corbis.