sexta-feira, 9 de novembro de 2012
Para onde vai a economia gaúcha?
Quando se fala em produção gaúcha, a primeira imagem que vem à cabeça é a de uma lavoura de soja ou de um rebanho bovino. Essa lembrança mostra o quanto velhas ideias tendem a perdurar por muito tempo, pois há mais de 40 anos, quase duas gerações, a agropecuária não é a atividade mais importante da economia gaúcha, e sim a indústria de transformação. A FEE já havia apontado isso em seus estudos realizados no final dos anos 70, em consonância com algumas das melhores inteligências do estado, como o querido mestre Cláudio Accurso. Mesmo que uma parte da produção industrial tenha ligações com a agropecuária, a exemplo dos ramos de alimentação ou de máquinas agrícolas, e, também, que, em razão de sua distribuição geográfica mais espraiada, o chamado setor primário influencie fortemente a maioria dos municípios, a atividade econômica no Rio Grande do Sul está voltada para a demanda nacional por produtos industriais e, secundariamente, para as exportações de manufaturas. No último meio século, é no eixo Porto Alegre, Vale dos Sinos, Serra que se articula a espinha dorsal da economia rio-grandense.
Neste sentido, se se quer refletir sobre os rumos de nossa economia, sobre a possibilidade do desenvolvimento futuro, o centro da análise deve se voltar para o setor industrial. Em números, a indústria produz 26,8% do PIB brasileiro, dos quais 16,6% em manufaturas. No Rio Grande do Sul, são 29,2% no total e 22,0% na transformação. Construção civil e mineração têm menor peso na economia gaúcha. Dessa produção, os segmentos da alimentação, química, automotiva, máquinas agrícolas, coureiro-calçadista e metalúrgica somam 69,5% de todo o setor no estado. É inegável na origem da maior parte desses ramos produtivos o impulso da agropecuária, seja no processamento de seus produtos, como nos de alimentação e calçados, ou no fornecimento de insumos e capital, caso de máquinas agrícolas e parte da química. Entretanto, a própria expansão dessas atividades foi tornando-as independentes do desempenho do setor rural, na medida em que foram se integrando ao mercado nacional ou tornando-se exportadoras. Em outras palavras, seu motor passou a ser endógeno e responde a um mesmo acelerador que comanda a indústria brasileira em sua totalidade. Por sua vez o acelerador, que havia se localizado exclusivamente em São Paulo, no passado, vem se espraiando por novas regiões nas últimas décadas, como o Nordeste, o Sul e até a Amazônia, na sequência de um processo internacional de relocalização industrial.
Um reforço a essa desvinculação da indústria da atividade agropastoril veio de algumas iniciativas pontuais dentro de programas nacionais de investimento, caso do Polo Petroquímico de Triunfo nos anos 70 e do Polo Naval de Rio Grande no presente, decididas no âmbito da União Federal e resultantes de disputadas negociações políticas. Da mesma forma, a reestruturação mundial da indústria automobilística abriu espaço a um verdadeiro leilão mundial de “rentabilidades dos territórios”, a exploração de vantagens locacionais como custo de mão de obra ou, no nosso caso, polpudas contribuições de verbas públicas e perdão de impostos.
Um segundo movimento dessa autonomia da indústria gaúcha foi sua vinculação ao mercado mundial através das exportações, cujo exemplo mais notório é o ramo dos calçados, mas que também inclui diversas atividades do segmento alimentação, como carnes de frango e suína ou óleos vegetais. Houve uma mudança na dinâmica assumida pelo mercado internacional nas últimas duas décadas, cuja marca é a instabilidade. Trata-se de um período turbulento de emergência de novas regiões produtoras, caso da Ásia, e declínio de outras, como a Europa. Nesta nova circunstância, se o ramo dos frigoríficos seguiu em ascensão, a indústria calçadista sofreu um doloroso declínio pela maior competitividade dos asiáticos em seu espaço de mercado.
No plano internacional criou-se um nicho relativamente mais estável e protegido, o espaço da integração latino-americana, especialmente o Mercosul. Com um padrão de comércio administrado, regulado por protocolos específicos, como o Regime Automotivo, há um maior poder relativo de negociação por parte dos brasileiros nesse âmbito em comparação com mercados em que competimos com os chineses, por exemplo. Embora mesmo no comércio com nossos vizinhos, não estarmos imunes às investidas do Império do Centro. Além disso, em razão das grandes assimetrias entre os países americanos, o Brasil sempre será aquele que terá de ceder mais, pelo menos nas aparências. É o que afetou o segmento de vinhos e está acontecendo com nossas exportações de máquinas agrícolas, sacrificados por concessões brasileiras. Apesar dos percalços, o mercado regional está sendo crescentemente ocupado por empresas brasileiras e as expectativas futuras são promissoras, na medida em que a região vem crescendo acima da média mundial.
Uma estratégia de desenvolvimento para o Rio Grande do Sul deve partir dessas lições da história. Para a estrutura industrial já estabelecida, o desafio é ganhos de produtividade e mais competitividade, explorando as medidas de política industrial do Governo Federal e aproveitando sinergias já conhecidas, como os arranjos produtivos locais. Essa lição vale também para a agropecuária, pois não há espaço para expansão horizontal, apenas ganhos de eficiência e produtividade que, em diversas culturas, são ainda muito baixos. As possibilidades de crescimento desses setores tradicionais são, entretanto, e salvo condições muito específicas em um ou outro segmento, relativamente modestas. O que pode mudar o patamar da taxa de crescimento do estado será a incorporação de novas atividades industriais de maior produtividade que se beneficiem de condições favoráveis locais, como o que está ocorrendo em Rio Grande. Já havia lá uma indústria naval, as instalações portuárias e outras infraestruturas. Mas foi necessária a decisão da Petrobras de priorizar o fornecimento de equipamentos nacionais e a sincronia de diversas iniciativas públicas e privadas para seu desenvolvimento. E mesmo assim, restam problemas para a exploração de todo o potencial desse polo, como o da mão de obra capacitada.
Após uma fase negativa, de perda de importância relativa na economia brasileira nos anos 90, o Rio Grande do Sul voltou a ter um desempenho mais positivo e alcançou, inclusive, performance acima da média nacional entre 2000 e 2011. Esse feito trouxe o estado de volta à sua posição histórica de responder por 6,7% da renda nacional, como quarto PIB do país. Há também o retorno de uma postura mais desenvolvimentista ao Piratini, que busca formular planos e projetos e se mostra sensível às circunstâncias das empresas locais mas também à prospecção de novas oportunidades para aumentar a complexidade do parque produtivo estadual. Um futuro mais promissor vai depender de alguma intuição, muita pesquisa, e também sorte.
Luiz Augusto E. Faria é economista da FEE e Professor da UFRGS.
SUL21
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