quarta-feira, 9 de março de 2011

Trapalhadas no deserto


Ivan Lessa
Colunista da BBC Brasil

Só faltou o Renato Aragão. Lembro dos filmes, folheio mentalmente os compêndios de história, admiro as estátuas de militares e seus feitos. Os britânicos são ferozes na guerra. Aquela história: dão um boi para não entrar numa briga e uma boiada para não sair dela. Dizem. 

Invasões do Iraque e do Afeganistão, na base do faremos tudo que “seu” mestre, os EUA, mandar. Ninguém em sã consciência ou louco desatino poderá dizer que foram exemplos eloquentes de sucesso.

Corria até há pouco, ontem, que a culpa fora do outro primeiro-ministro, o hoje negociante Tony Blair. Ele e suas armas de destruição em massa. Sai governo trabalhista, entra governo conservador. A co-liderar o país esse homão, que parece um nabo ambulante de terno e gravata, David Cameron. Conforme editoriais, suas revoluções árabes não têm sido um sucesso. Foi o primeiro líder mundial a visitar o Egito e aquela praça, a Tahrir (quer dizer libertação), após a queda de Hosni Mubarak.

Fez bem. Só que não se deveria utilizar da oportunidade da queda de um regime opressivo para, na mesma viagem, levar no cortejo oito firmas vendedoras de equipamento militar. Teria agido melhor se tivesse obamado. Obamar, verbo derivado do nome do atual presidente dos Estados Unidos, Barack Obama e que quer dizer fechar-se em copas, não dizer coisa com coisa, mostrar indecisão. Vai pro Houaiss um dia.

Logo a seguir, nosso bom Cameron andou levantando a hipótese de um bloqueio aéreo sobre a agora conturbada Líbia. O secretário de Defesa americano, Robert Gates, não demonstrou, com toda razão, muito entusiasmo. O que a seguir? Bombardeios, envio de tropas?

Agora, em pleno Carnaval, a patuscada, a palhaçada, o ridículo de uniforme e de terninho listrado. Se fosse baile, ou escola de samba, o nome seria fácil de dar: Pastelão na Areia.

Correu mundo a notícia de que o Reino Unido enviara peritos para o leste da Líbia, onde predominam, por enquanto, as forças rebeldes. O suposto objetivo seria entrar em contato com a oposição para dar conselhos militares e, quem sabe, bolar um esqueminha que agradasse à distinta plateia presente ao sacudido mundo das conturbações no norte da África.

Logo, logo vieram maiores detalhes. E mais, bem mais grotescos: a unidade britânica fora flagrada pela oposição com equipamento de espionagem, múltiplos passaportes e armas as mais variadas. Alguém aí já pensou numa nova aventura para James Bond?

O conselho de Benghazi, onde se deu o vexame, mediante o pronunciamento de um alto membro declarou à imprensa internacional que “isso não era maneira de se conduzir durante um levante”. Levante é o que está havendo por lá. Guerra civil? Falta pouco.

É bom frisar que entre os militares apreendidos e prontamente remetidos de volta, via uma fragata a Londres e arredores, estavam oito soldados da lendária SAS (a Special Air Force), espécie de super-homens invencíveis que servem ainda para assustar criança que não se comporta bem. Há dezenas de filmes e livros narrando suas heroicas e imbatíveis façanhas. Todos péssimos.

No meio da turma, assim como quem não quer nada, também oito membros do MI6, o serviço secreto para assuntos exteriores, ou seja, Inteligência Militar Secção 6. James Bond, nosso bom 007, é do MI6.

Sempre em ritmo de folia momesca, essa gentarada toda foi capturada por guardas revolucionários armados, segundo consta, de confete e serpentina apenas, além de uma espada de pau de fantasia barata de pirata. Farmers, simples e carnavalescos farmers, ou pequenos agricultores.

Passaram a noite, a gente boa e braba da SAS e do MI6, num dormitório vagabundo, na certa inventando presepadas inesquecíveis para líbios em torno que nada entendiam.

Voltou tudo debaixo de estrondosas gargalhadas para a Grã-Bretanha. O ministro das Relações Exteriores, William Hague, no Parlamento, disse que tudo não passou de mero “erro operacional”.

O vexame continua a render. Eu se fosse fazendeiro local, de grandes, pequenos ou médios recursos tomaria o maior cuidado.

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