sábado, 26 de março de 2011

Anistia que premia o colarinho branco


Bruno Titz Rezende e Milton Fornazari Junior

21/03/2011

O Projeto de Lei nº 354, de 2009, em trâmite no Senado Federal (desde 11 janeiro deste ano na Comissão de Assuntos Econômicos), tem como medida principal a extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária, evasão de divisas (e sua lavagem), descaminho, falsificação de documento, falsidade ideológica e sonegação previdenciária, em relação às pessoas que mantêm dinheiro no exterior sem declará-los no Brasil e sem o consequente e devido pagamento de impostos.

No caso de transformação do projeto em lei, a regularização se dará por meio da declaração das contas bancárias e bens à Receita Federal, sem a obrigação de retornar os valores ao Brasil, e, se das receitas e bens declarados resultar imposto a pagar, a pessoa gozará de uma tributação mais favorável do que aquela destinada aos demais cidadãos brasileiros. Pagará apenas quantias correspondentes entre 5% a 10% sobre o valor total declarado, dependendo do caso – no sistema ordinário elas chegam a 27,5%.

A remessa ilegal de dinheiro ao exterior (evasão de divisas) e a manutenção de valores no estrangeiro sem a devida declaração ao Banco Central são crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, com penas de reclusão de dois a seis anos e multa (art. 22 da Lei nº 7.492, de 1986).

No campo fiscal, a não declaração à Receita Federal enseja a autuação e a incidência da pena de dois a cinco anos de prisão, em caso do não pagamento do tributo (Lei nº 8.137, de 1990).

Além disso, a remessa ao exterior é uma técnica de lavagem de dinheiro que visa impedir o rastreamento do lucro obtido com o crime.

O PL é um retrocesso e vai contra a construção de uma sociedade livre e justa.

O fato de que parte dos recursos, ilegalmente mantidos no exterior, tenha sido remetida ao estrangeiro há décadas, não evoca a prescrição, ou seja, a impossibilidade de punição pelo crime de evasão de divisas em razão do tempo decorrido, uma vez que a manutenção ilegal de dinheiro no exterior é crime permanente – a sua consumação se prolonga no tempo e, por consequência, a prescrição começa a correr a partir do dia que cessar a permanência -, ou seja, apesar de não ser possível a aplicação de pena ao autor da evasão de divisas, ele ainda pode ser condenado pela manutenção do dinheiro não declarado no exterior.

Entretanto, aprovado o projeto, aqueles que optassem em declarar bens e valores ilegalmente mantidos no exterior, não responderiam pelos crimes contra a ordem tributária e aos delitos de evasão de divisas e sua correspondente lavagem, além dos crimes de descaminho, falsificação de documento público e particular, falsidade ideológica e sonegação de contribuições previdenciárias.

O projeto de lei impossibilita também a punição do crime de lavagem de dinheiro dos bens obtidos com a corrupção, o tráfico de drogas e armas e outros crimes diversos da sonegação tributária, ao não exigir prova de que o dinheiro no exterior tenha sido obtido anteriormente em razão de atividade lícita.

Dessa forma, ao efetuar a mera declaração dos bens, o criminoso não poderia mais ser punido e ainda receberia benefícios fiscais, pagando menos impostos que os cidadãos brasileiros que nunca enviaram recursos ilegalmente para o exterior.

Inequívoco que o projeto representa um retrocesso e vai de encontro com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, como manda a Constituição Federal.

Além da questão moral de premiar aqueles que não cumprem as leis, violando o princípio da igualdade e difundindo no meio social a impressão de que no Brasil o crime compensa, permitirá a reintrodução no país de valores obtidos por meio do tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, corrupção e crimes financeiros.

Em muitos casos, a aplicação da própria lei possibilitará a lavagem de dinheiro ilícito, com o uso de “laranjas” e outros meios.

Os seus defensores alegam que alguns países já adotaram tal medida. Esquecem-se que outros não só não cederam a essa tentação, como optaram por desenvolver ações mais eficazes na repressão à evasão de divisas e têm com isso conseguido recuperar grandes quantias.

Nos EUA, p. ex., além do investimento em inteligência no FBI, há decisões judiciais que obrigam os bancos a fornecerem às autoridades os nomes de clientes que tenham contas em suas sedes/filiais em outros países, sob pena de pesada multa (caso United States VS. Bank of Nova Scotia, 740 F2d 817 – 11th Cir. 08/14/1984).

Ora, se há uma vontade legítima de que o Brasil atue como protagonista no cenário mundial, não seria mais adequado fortalecer e inovar os meios de recuperação de ativos mantidos ilegalmente no exterior, ao invés de ceder aos interesses de criminosos profissionais e de sonegadores contumazes?

Perguntamo-nos ainda: no Brasil o crime compensa? Aprovado o mencionado projeto, em relação aos crimes do colarinho branco, obteremos a resposta.

Bruno Titz Rezende e Milton Fornazari Junior são, respectivamente, delegado de Policia Federal, lotado na Delegacia de Repressão a Crimes Financeiros em São Paulo e mestrando em direito penal pela PUC-SP, delegado de Policia Federal, lotado na Delegacia de Repressão a Entorpecentes em São Paulo e mestre em direito penal pela PUC-SP.


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(fonte: Boletim Informativo Valor On Line – Legislação & Tributos), via Club do Advogado.

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