Vista de Caracas, Venezuela:
Juremir Machado da Silva, para Correio do Povo
A ditadura já foi definida como regime político sem eleições. Não é mais. O mundo mudou extraordinariamente depois da chegada do homem à Lua, da invenção da sunga de crochê para homens e da queda do Muro de Berlim. É verdade que essas três conquistas da humanidade andam meio esquecidas depois do surgimento do MP3. Os seus efeitos, no entanto, persistem. Tudo que é sólido permanece no ar. A caixa de Maizena resistiu. Nada mais escapa ao novo design global. Basta dizer que o neoliberalismo agora é sustentado abertamente pelo Estado em nome dos interesses da plebe. Os empresários vão de jatinho pedir dinheiro barato aos governantes. A turba malta continua indo de ônibus, de caminhão ou a pé. Como não oferece garantias nem produz estragos equivalentes aos da crise de 1929, sempre leva menos. A cada um segundo as suas possibilidades. Banqueiros têm prioridade em relação a bancários. Estamos finalmente na nova ordem mundial.
Os ditadores não são mais os mesmos. Os mais modernos só falam em referendos populares. A população não aguenta mais tanta votação. Quase não sobra tempo para votar nos reality shows. Estraga os domingos. Alguns sentem até saudades das ditaduras à antiga. Hugo Chávez é o ditador mais fanático por urnas de que se tem notícias desde o tempo dos tiranos gregos. Já organizou umas 15 eleições. Quando perde uma, deixa passar algum tempo e banca outra. Mais de três anos antes do final do seu mandato, tratou de ganhar um plebiscito para poder ser candidato a um terceiro período. Uma proeza capaz de dar inveja e exemplo aos melhores amigos e aos vizinhos com popularidade ainda maior. Parece que alguns cientistas políticos querem passar a definir ditadura como regime com mais de uma eleição de interesse do chefe da nação por ano. Outros, ainda, estariam pensando em propor à ONU um artigo obrigando os seus membros a limitarem o número de consultas eleitorais aos cidadãos, sob pena de exclusão por excessiva atitude democrática.
A principal diferença entre uma grande democracia e uma pequena ditadura é simples: a grande democracia pode, sem perder a credibilidade, praticar ocasionalmente, desde que sem exagero ou gosto, fraude eleitoral, empossar o menos votado, instalar um tribunal de exceção, torturar estrangeiros, manter prisioneiros sem processo nem direito à defesa e invadir países soberanos comandados por ditadores para destruir armas sabidamente inexistentes. Na pequena ditadura, os meios são denunciados como confundidos com os próprios fins. Nas grandes democracias, os fins justificam os meios. Tudo isso, é óbvio, em tese. Na prática, é sempre pior. As pequenas ditaduras vendem petróleo. As grandes democracias compram petróleo. Das pequenas ditaduras.
Hugo Chávez, definitivamente, é um péssimo exemplo para a América Latina. Ouve Fidel Castro, que já não fala, sussurra. Influencia Evo Morales, o que, embora não sendo muito difícil, impede o boliviano de usar gravata. Não deixa Luiz Inácio sossegar. Corteja a Cristina. Se fosse presidente da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, onde parece que já conta com alguns representantes, Chávez certamente aprontaria no primeiro mês, chocando empresários e colegas da Casa com o seu comportamento eleitoreiro: mandaria realizar sem maiores delongas um referendo popular para resolver a questão do Pontal do Estaleiro. Ainda bem que vivemos numa democracia plena.
juremir@correiodopovo.com.br
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