Artigo científico assinado por pesquisadores das universidades de São Paulo, de Campinas, de Piracicaba e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais critica argumento que afirma que mudanças no Código Florestal são necessárias pela ameaça à possibilidade de produção de alimentos. Esse argumento está baseado em uma falsa dicotomia, dizem. "Os maiores entraves para a produção de alimentos no Brasil não se devem a restrições impostas pelo Código mas sim a fatores como desigualdade na distribuição de terras, restrição ao crédito, falta de assistência técnica, investimentos em infraestrutura e pesquisas voltadas para a segurança alimentar do país.
Marco Aurélio Weissheimer, para Carta Maior
A proposta de reformulação do Código Florestal tem se baseado em vários argumentos. Um deles, defendido pelo deputado Aldo Rebelo, relator do projeto sobre reformulação do Código, é que as mudanças são necessárias pela ameaça à possibilidade de produção de alimentos. Claramente é colocada a dicotomia: ou preservamos ou produzimos alimentos. Essa dicotomia é falso e inexiste. A afirmação é de um grupo de pesquisadores das universidades de São Paulo, de Campinas, de Piracicaba, de Stanford (EUA) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, em um artigo intitulado “A falsa dicotomia entre a preservação da vegetação natural e a produção agropecuária”. O texto é assinado pelos seguintes pesquisadores:
Luiz Antonio Martinelli, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura, da Universidade de São Paulo (USP); Pesquisador convidado do programa de Segurança Alimentar e Meio Ambiente, da Universidade de Stanford (EUA);
Carlos Alfredo Joly, do Departamento de Biologia Vegetal, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp);
Carlos Afonso Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais;
Gerd Sparovek, do Departamento de Ciência do Solo, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz, de Piracicaba.
No artigo, os autores sustentam que “o Brasil tem área suficiente para preservação de nosso patrimônio biológico e para também continuar aumentando a produção de alimentos para o consumo interno e exportações”.
“A alegação defendida pelo deputado Aldo Rebelo para mudança do Código Florestal, baseada no argumento que falta área para a produção de alimentos não se sustenta frente à análise feita neste estudo”, dizem os pesquisadores. E apontam a razão:
“A área ocupada com alimentos consumidos diretamente pela população tem diminuído e existe uma área significativa ocupada por pastagens ineficientes. Além de ocupar uma área maior, a produção de soja e cana-de-açúcar concentra-se em grandes propriedades, enquanto a produção de culturas destinadas à alimentação como arroz e, especialmente, mandioca e feijão são produzidas em pequenas e médias propriedades”.
Segundo os autores, a dificuldade de acesso a financiamento para os pequenos agricultores e a existência de quase 800 mil proprietários que não possuem títulos de suas terras, são um fator “muito mais importante como limitante da produção do que a alegada falta de área para se produzir alimento no país e, consequentemente, induzir mudanças no atual Código Florestal”.
O Brasil, assinala ainda o artigo, tem cerca de 60% de sua vegetação nativa preservada e conta com cerca de 250 milhões de hectares em áreas agrícolas. Somente a pecuária ocupa 200 milhões de hectares. Infelizmente, dizem os pesquisadores, esta imensa área ocupada pela pecuária é aproveitada de forma pouca intensiva, com uma média baixíssima de uma cabeça por hectare. Nas áreas mais úmidas dos Estados Unidos, comparam, essa média é de quase três animais por hectare.
Como consequência desse modelo de exploração, prosseguem os pesquisadores, a área agrícola do país vem crescendo continuamente nas últimas quatro décadas, devido principalmente ao aumento de áreas de pastagens utilizadas de forma extensiva e da expansão da soja e da cana-de-açúcar. O avanço destas culturas sobre áreas que eram de pastagens acabam empurrando a pecuária para regiões de fronteira agrícola.
Uma das provas de que a atual legislação ambiental não representa um obstáculo para o aumento da produção de alimentos, dizem os cientistas, é que um aumento da lotação das pastagens brasileiras de uma cabeça por hectare para 1,5 cabeças por hectare liberaria cerca de 50 milhões de hectares para a agricultura, o que corresponde a quase o total da área aproximada ocupada pela agricultura no país. Para isso, asseguram, “várias tecnologias simples, de baixo custo e baixo impacto ambiental encontram-se já disponíveis”.
A partir desses dados, a conclusão dos autores é enfática: “...é nosso entender que não há falta de área já convertida para a expansão agrícola brasileira, portanto não é verdadeira a dicotomia da preservação versus produção de alimentos”. Os maiores entraves para a produção de alimentos no Brasil, segundo eles, não se devem a restrições impostas pelo Código Florestal ou de outra forma de conservação de vegetação natural, mas, sim, aos seguintes fatores:
- Enorme desigualdade na distribuição de terras;
- Restrição de crédito agrícola ao agricultor que produz alimentos de consumo direto;
- Falta de assistência técnica que o ajude a aumentar a produtividade;
- Falta de investimentos em infraestrutura para armazenamento e escoamento da produção agrícola;
- Pouca ênfase da pesquisa dos setores públicos e privados no aumento da produtividade de itens alimentares importantes para o mercado nacional;
- Direcionamento dos investimentos e pesquisas para o modelo industrial da produção agrícola desconsiderando a importância da pequena agricultura tradicional em questões de segurança alimentar, geração e distribuição de renda e ocupações.
Em suma, concluem, “são esses os verdadeiros entraves para a produção de alimentos no Brasil”. “Assim, como qualquer lei, o Código Florestal pode ser revisto de forma abrangente para se adequar à realidade rural brasileira, mas principalmente, baseando-se também em avanços científicos que podem contribuir no aprimoramento permanente do processo de regulamentação ambiental”.
A íntegra do artigo pode ser lida aqui (disponível em português e inglês).
Luiz Antonio Martinelli, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura, da Universidade de São Paulo (USP); Pesquisador convidado do programa de Segurança Alimentar e Meio Ambiente, da Universidade de Stanford (EUA);
Carlos Alfredo Joly, do Departamento de Biologia Vegetal, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp);
Carlos Afonso Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais;
Gerd Sparovek, do Departamento de Ciência do Solo, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz, de Piracicaba.
No artigo, os autores sustentam que “o Brasil tem área suficiente para preservação de nosso patrimônio biológico e para também continuar aumentando a produção de alimentos para o consumo interno e exportações”.
“A alegação defendida pelo deputado Aldo Rebelo para mudança do Código Florestal, baseada no argumento que falta área para a produção de alimentos não se sustenta frente à análise feita neste estudo”, dizem os pesquisadores. E apontam a razão:
“A área ocupada com alimentos consumidos diretamente pela população tem diminuído e existe uma área significativa ocupada por pastagens ineficientes. Além de ocupar uma área maior, a produção de soja e cana-de-açúcar concentra-se em grandes propriedades, enquanto a produção de culturas destinadas à alimentação como arroz e, especialmente, mandioca e feijão são produzidas em pequenas e médias propriedades”.
Segundo os autores, a dificuldade de acesso a financiamento para os pequenos agricultores e a existência de quase 800 mil proprietários que não possuem títulos de suas terras, são um fator “muito mais importante como limitante da produção do que a alegada falta de área para se produzir alimento no país e, consequentemente, induzir mudanças no atual Código Florestal”.
O Brasil, assinala ainda o artigo, tem cerca de 60% de sua vegetação nativa preservada e conta com cerca de 250 milhões de hectares em áreas agrícolas. Somente a pecuária ocupa 200 milhões de hectares. Infelizmente, dizem os pesquisadores, esta imensa área ocupada pela pecuária é aproveitada de forma pouca intensiva, com uma média baixíssima de uma cabeça por hectare. Nas áreas mais úmidas dos Estados Unidos, comparam, essa média é de quase três animais por hectare.
Como consequência desse modelo de exploração, prosseguem os pesquisadores, a área agrícola do país vem crescendo continuamente nas últimas quatro décadas, devido principalmente ao aumento de áreas de pastagens utilizadas de forma extensiva e da expansão da soja e da cana-de-açúcar. O avanço destas culturas sobre áreas que eram de pastagens acabam empurrando a pecuária para regiões de fronteira agrícola.
Uma das provas de que a atual legislação ambiental não representa um obstáculo para o aumento da produção de alimentos, dizem os cientistas, é que um aumento da lotação das pastagens brasileiras de uma cabeça por hectare para 1,5 cabeças por hectare liberaria cerca de 50 milhões de hectares para a agricultura, o que corresponde a quase o total da área aproximada ocupada pela agricultura no país. Para isso, asseguram, “várias tecnologias simples, de baixo custo e baixo impacto ambiental encontram-se já disponíveis”.
A partir desses dados, a conclusão dos autores é enfática: “...é nosso entender que não há falta de área já convertida para a expansão agrícola brasileira, portanto não é verdadeira a dicotomia da preservação versus produção de alimentos”. Os maiores entraves para a produção de alimentos no Brasil, segundo eles, não se devem a restrições impostas pelo Código Florestal ou de outra forma de conservação de vegetação natural, mas, sim, aos seguintes fatores:
- Enorme desigualdade na distribuição de terras;
- Restrição de crédito agrícola ao agricultor que produz alimentos de consumo direto;
- Falta de assistência técnica que o ajude a aumentar a produtividade;
- Falta de investimentos em infraestrutura para armazenamento e escoamento da produção agrícola;
- Pouca ênfase da pesquisa dos setores públicos e privados no aumento da produtividade de itens alimentares importantes para o mercado nacional;
- Direcionamento dos investimentos e pesquisas para o modelo industrial da produção agrícola desconsiderando a importância da pequena agricultura tradicional em questões de segurança alimentar, geração e distribuição de renda e ocupações.
Em suma, concluem, “são esses os verdadeiros entraves para a produção de alimentos no Brasil”. “Assim, como qualquer lei, o Código Florestal pode ser revisto de forma abrangente para se adequar à realidade rural brasileira, mas principalmente, baseando-se também em avanços científicos que podem contribuir no aprimoramento permanente do processo de regulamentação ambiental”.
A íntegra do artigo pode ser lida aqui (disponível em português e inglês).
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