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sexta-feira, 2 de novembro de 2012

BRASIL PENTACAMPEÃO!!!

INDUMENTÁRIA RECOMENDADA PARA CONSUMIR ALFACE (FONTE AQUI)

Para aqueles que adoram bater no peito, bem ufanista, a cada anúncio de novo recorde tupiniquim, eis aqui uma notícia que devemos analisar com muita cautela antes de qualquer comemoração precipitada. Isso porque o Brasil obteve o pentacampeonato mundial no quesito utilização intensiva de agrotóxicos em território nacional. Não, você não se enganou aqui na leitura, não! É isso mesmo: pelo quinto ano consecutivo, de 2008 a 2012, nosso País esteve à frente de todos os demais do planeta quanto ao volume de substâncias venenosas utilizadas nas atividades agropecuárias e correlatas.

Paulo Kliass

Apesar de todos nós termos algum grau de avaliação subjetiva a respeito da gravidade da situação, a observação dos números torna o quadro realmente impressionante. O Brasil consome o equivalente a quase 1/5 do total de agrotóxicos produzidos no mundo: mais precisamente 19%. A título de comparação, os Estados Unidos surgem logo atrás com 17%. Isso significa que, não obstante termos um total de área agrícola cultivada muito menor que os norte-americanos, utilizamos muito mais agrotóxicos do que eles. Portanto, se existe alguma racionalidade nessa desproporção, ela só se explica pela ganância de lucro, a qualquer preço e sem a menor responsabilidade social ou ambiental, por parte das empresas produtores dessas substâncias causadoras de tantos malefícios ao ser humano e ao meio ambiente.

Brasil é recordista mundial no uso de agrotóxicos

Ao longo da primeira década desse milênio, a produção das 8 principais commodities em nosso País cresceu 97%, enquanto a área plantada aumentou em 30%. Porém, o total de vendas de agrotóxicos elevou-se em um patamar muito acima: subiu em 200%. Em 2010, foram vendidas 936 mil toneladas de agrotóxicos, um negócio que movimentou o equivalente a US$ 7,3 bilhões. Cálculos desenvolvidos por pesquisadores falam de um consumo médio anual superior a 5 kg por habitante. A importância das cifras negociais da atividade dá a medida de sua capacidade de fazer pressão sobre os órgãos governamentais encarregados de estabelecer as políticas públicas para o setor.

Por se tratar de substâncias especiais, os agrotóxicos são passíveis de regulação e regulamentação por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), assim como ocorre com os medicamentos, alimentos e demais produtos que possam comprometer a saúde. No entanto, ao contrário dos procedimentos adotados para os remédios e assemelhados (revisões periódicas das licenças e autorizações concedidas), os agrotóxicos podem ser fabricados livremente, sem tal reavaliação obrigatória. Os registros dos agrotóxicos junto ao setor público têm seu prazo de validade por tempo indeterminado, enquanto nos países desenvolvidos o período médio é de 10 anos.

Além disso, há uma circunstância agravante: boa parte dos agrotóxicos ainda produzidos aqui em nosso território já teve sua comercialização proibida nos países das matrizes das multinacionais, como Estados Unidos, Canadá e União Européia. No entanto, a exemplo do que ocorre com os demais mercados oligopolizados em escala global, no setor há 13 empresas que dominam quase 90% da oferta mundial de agrotóxicos. No Brasil, as 10 maiores respondem por 75% das vendas. O uso intensivo e continuado dos mesmos produtos acaba por gerar uma resistência e sua própria “eficiência” fica comprometida. Assim, o ciclo econômico e produtivo continua por meio da elevação das doses aplicadas na agricultura e também pela adoção dos novos produtos considerados mais eficazes, uma vez que são ainda desconhecidos do mundo vegetal onde passarão a atuar.

Modelo baseado no agronegócio e os hortifruti: risco crescente

Boa parte desse volume todo está associado ao modelo econômico aqui reinante, ancorado no agronegócio a todo custo. Ao contrário do que imagina o senso comum, as culturas transgênicas acabam por demandar uma quantidade maior de agrotóxicos e que estão sendo cada vez mais proibidos nos países desenvolvidos. A tendência, portanto, é que os requisitos para as importações nesses países sejam ainda mais rigorosos – e isso pode comprometer nossa performance exportadora desse tipo de produto agrícola a médio e longo prazo. A esse respeito, por exemplo, a própria China já inicia um processo de convergência de seus padrões de produção e consumo de produtos agrícolas, sendo mais exigente que as normas frouxas brasileiras.

Outro aspecto significativo é a concessão de estímulo tributário para as empresas produtoras de tais mercadorias. Do ponto de vista do governo federal, elas contam com isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) – ou seja, a incidência de alíquota zero desse tributo. Já com relação aos impostos estaduais, a regra atual prevê uma redução de até 60% na incidência do ICMS. Com isso, o que se verifica é que o próprio Estado brasileiro termina por favorecer e incentivar um tipo de produto que é sabidamente prejudicial à saúde da população e comprometedor da qualidade do meio ambiente.

Essa situação cria uma espécie de esquizofrenia na relação de tal atividade com o poder estatal. De um lado, estimula-se a produção de tais venenos em escala gigantesca e o resultado é a perda de receita tributária em função das isenções de impostos. . Por outro lado, o resultado da utilização desses mesmos produtos na atividade agropecuária compromete, em sentido amplo, as condições sanitárias do País. Ou seja, o Estado é – e será cada vez mais – chamado a realizar despesas com a prevenção e o tratamento das tragédias (individuais e sociais) derivadas do uso de agrotóxicos. E aqui os estudos de técnicos envolvidos com a matéria apontam para o elevado custo social associado ao uso desses produtos. Para cada dólar gasto em consumo de agrotóxico, pode estar embutido uma despesa futura de US$ 1,28 em despesas sociais pelo governo. E são cálculos ainda subestimados, envolvendo apenas as doenças agudas e conhecidas até o presente. Os custos indiretos no futuro apontam para somas muito maiores.

Prejuízos para a saúde e para o meio ambiente

As conseqüências maléficas derivadas desse tipo de opção para a atividade agrícola são inúmeras. Em primeiro lugar estão os próprios trabalhadores envolvidos na produção dos venenos e na sua utilização nas plantações. Em seguida, vêm os consumidores dos alimentos cuja plantação esteve submetida ao uso de pesticidas prejudiciais à saúde humana. E finalmente há um conjunto enorme de efeitos indiretos, derivados da contaminação de solos e águas, cuja quantificação ainda está por ser feita de forma ampla e abrangente. Atualmente, por exemplo, estima-se que por volta de 20% do total de fungicidas seja utilizado pela atividade de hortaliças, normalmente realizada nos cinturões verdes próximos aos grandes espaços metropolitanos, de alta densidade populacional. O uso intensivo desse tipo de agrotóxicos contamina de forma radical os terrenos e os fluxos de água próximos ao habitat urbano.

Os riscos já verificados para a saúde são muitos. As doenças comprovadas vão desde diversos tipos de câncer, passando por um conjunto de distúrbios neurológicos, psiquiátricos, má formação do feto, entre outros. Além disso, as substâncias nocivas terminam por serem transmitidas pelo aleitamento materno, podendo comprometer diretamente as condições de saúde da geração seguinte, mesmo que o contato mais direto com o agrotóxico deixe de existir.

Do ponto de vista empresarial, a lógica que prevalece é a busca incessante de maximização de seus lucros. E ponto final! Assim foi o que ocorreu a partir da década de 1950, com a chamada “revolução verde”. Em nome da elevação da produtividade da produção agrícola, entulhou-se o planeta com essa primeira geração de pesticidas e herbicidas artificiais, que vieram depois a serem proibidos em razão de seu comprovado comprometimento da saúde. O entusiasmo com as possibilidades de ganhos com a produção agrícola foi imediato, mas durou pouco. O famoso e triste caso do DDT talvez seja o exemplo mais simbólico de tal aventura irresponsável. Com a proibição dos produtos dessa fase mais selvagem, a inovação tecnológica foi, aos poucos, incorporando novas fórmulas de aparência mais suave, mas que continuavam a comprometer o ser humano e o meio ambiente. Mas para as empresas, o importante é nunca parar de produzir e de acumular sempre mais. Promove-se a reorganização da produção e as plantas industriais de países com menor rigor de controle passam a produzir os venenos que venham a ser proibidos nos países de origem.

Necessidade de maior fiscalização e a busca de um novo modelo

Ora, para assegurar o bem estar coletivo da geração atual e das futuras contamos apenas com a ação preventiva, reguladora e punitiva do Estado. A visão liberal, de deixar a solução por conta apenas pelo equilíbrio das forças de oferta e demanda, revela-se como uma insanidade completa. E no caso brasileiro, tal presença do poder público deve ir para além de um rigor maior na cassação de licenças reconhecidamente danosas. É essencial a repressão ao contrabando de agrotóxicos que entram ilegalmente pelas fronteiras de países vizinhos, somando-se às toneladas acima mencionadas.

Mas talvez uma das ações mais importantes, do ponto de vista estratégico e de longo prazo, seja mesmo a mudança cultural. O Estado deve utilizar instrumentos de política econômica, de pesquisa científica, de padrões de educação e de campanhas de esclarecimento para mudar a forma como a sociedade encara o agrotóxico. Na contabilidade empresarial, o uso de agrotóxico deve surgir como um fator de produção mais caro, mais custoso do que os métodos agrícolas não agressivos. Do ponto de vista do consumidor, deve haver uma maior conscientização para que sejam mais demandados os produtos orgânicos e que não contenham esses venenos em sua cadeia produtiva. Do ponto de vista dos produtores rurais, devem ser estimuladas e apresentadas as formas alternativas de atividade agropecuária, com recursos da biotecnologia e da tecnologia social, de tal forma que façam chegar à mesa das famílias produtos livres da transgenia e dos agrotóxicos.

Assim como ocorreu com a chamada “revolução verde” de meio século atrás, já é passada a hora do Brasil intervir de forma mais protagonista nessa nova transformação da forma de produção agropecuária. Trata-se de incorporar elementos de sustentabilidade sócio-ambiental, para promover a transição de modelo, rumo a produção de alimentos mais saudáveis para o ser humano e para o futuro de nosso planeta.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

sábado, 2 de julho de 2011

OS MAIORES PRODUTORES DE SOJA DO BRASIL SÃO ARGENTINOS

Grupo argentino El Tejar lidera em produção de soja no Brasil

 

Por Roberto Samora

SÃO PAULO (Reuters) - Com somente oito anos no Brasil, o grupo argentino El Tejar superou na safra 2010/11 tradicionais produtores de soja do país, utilizando uma agressiva estratégia de arrendamentos que tem seduzido os donos de terras e oferecido forte concorrência a brasileiros.

O El Tejar, com empresa constituída no Brasil denominada O Telhar, concentra suas operações no país em Mato Grosso, onde avalia-se que o grupo argentino tenha plantado até 300 mil hectares de soja, segundo levantamento junto ao setor produtivo e a consultores.

O grupo argentino, com atuação agrícola também na Argentina, Uruguai, Bolívia e Paraguai, não divulga a área plantada no Brasil, mas uma porta-voz da empresa no país afirmou que O Telhar conta com 21 unidades produtoras em Mato Grosso, que integram os mais de 700 mil hectares de cultivos da companhia em toda a América do Sul.

A empresa com sede na Argentina, que nasceu da associação de um grupo de produtores em 1987, inicialmente com foco na pecuária, hoje também conta com investidores de fora do país.

Isso permite ao El Tejar atuar com uma estratégia de arrendamentos arrojada para ganhar área plantada, considerada até hostil por alguns agricultores em Mato Grosso, que antes arrendavam terras e as perderam para o grupo argentino, não vendo chances de concorrência.

"Os maiores produtores de soja do Brasil já não são mais brasileiros, parece até piada", comentou Carlos Fávaro, vice-presidente da Aprosoja, entidade dos produtores do Estado de Mato Grosso, em entrevista à Reuters.

Ele estima que o El Tejar plantou entre 250 mil e 300 mil hectares na última safra em Mato Grosso, superando grupos como os mato-grossenses Bom Futuro, com 180 mil hectares de soja, dos irmãos Maggi Scheffer, e mesmo empresas como a do ex-governador e atual senador Blairo Maggi, com plantio na safra 2009/10 de 135 mil hectares --Blairo é primo dos Scheffer.

"Agora eles são os maiores do mundo", disse Fávaro, referindo-se ao El Tejar, que em área contínua na América do Sul planta o equivalente a mais de quatro vezes o território do município de São Paulo.

Os grupos agrícolas com atuação em Mato Grosso, o maior produtor brasileiro de soja, ainda costumam plantar milho na segunda safra, além de algodão. Questionado sobre o tamanho da produção de grãos no Brasil, o El Tejar afirmou produzir mais de 600 mil toneladas no Estado, mas não detalhou volumes por produto.

"PEÃO" DE ARGENTINO

Além de pagar pelo arrendamento um volume xis de sacas por hectare, O Telhar ainda contrata todos os serviços do próprio dono da terra, como se ele fosse um funcionário, segundo um consultor que preferiu não ser identificado.

"Não é um arrendamento convencional, é de porteira fechada... Acaba sendo melhor (para o dono da terra), já que o cara não tem risco nenhum e ainda pode otimizar toda a estrutura dele", disse o analista.

No arrendamento tradicional no Estado, no qual o arrendatário cuida de todos os aspectos da produção, o dono da terra recebe somente pelo arrendamento.

Seduzidos pelos valores dos argentinos, muitos proprietários de terra trocaram de arrendatário para O Telhar, o que também gerou uma inflação de preços de arrendamento.

"Eu mesmo perdi área plantada, eles pagam bem acima da média, o preço do arrendamento quase dobrou, e pra quem vive em um mundo normal é impossível concorrer", afirmou um produtor do sul de Mato Grosso que prefere não se identificar.

Segundo o diretor da Aprosoja, o El Tejar consegue oferecer mais vantagens aos donos das terras porque conta com financiamentos a custos mais baixos no exterior, em torno de 3 por cento ao ano, e também porque trabalha com custos mais reduzidos, ao comprar insumos em grande escala.

"O produtor de Mato Grosso, com limites para se financiar com o crédito oficial, tem que recorrer a tradings e paga um juro de 15 por cento ao ano", declarou Fávaro. "Aí ele (O Telhar) chega e coloca o produtor brasileiro de peão, pra trabalhar pra ele", completou, defendendo políticas públicas para haver um "equilíbrio de oportunidades".

OUTRO ARGENTINO

O crescimento da presença de grupos argentinos no Brasil, como o El Tejar e também o Los Grobo, que também trabalha com arrendamentos, coincide com um período em que a Argentina impôs taxas sobre as exportações de grãos, o que tornou a atividade menos rentável num dos maiores produtores globais.

Por outro lado, a maior presença de estrangeiros no Brasil, por meio de arrendamentos, foi considerada positiva em recente entrevista do ministro da Agricultura, Wagner Rossi , num momento em que o governo tenta limitar a compra de terras por empresas do exterior, visando entre outras coisas restringir especulação no campo.

Se o arrendamento pode ser uma alternativa, há quem pense diferente em Mato Grosso. O setor produtivo teme que, numa eventual derrocada nos preços internacionais das commodities, grupos como El Tejar não renovem seu arrendamentos, afetando a produção nacional.

Mas a porta-voz de O Telhar rebateu essa preocupação, afirmando que "ao ingressar em um país e realizar investimentos" a ideia do grupo é ficar por muitos anos, "garantindo a estabilidade de todos os envolvidos".

O total semeado por El Tejar, a propósito, também supera de longe o plantio do Los Grobo, que recentemente anunciou intenção de abrir o capital na Bovespa e que plantou na última safra, no Mercosul, 247 mil hectares de grãos e oleaginosas, sendo um terço do total no Brasil.

Uma vez com ações na Bovespa, a unidade do Los Grobo no Brasil --que além de trabalhar com plantio também negocia grãos, como o El Tejar-- fará frente a outra companhia listada do país, a SLC Agrícola, com cerca de 230 mil hectares plantados de soja, milho e algodão na última safra.

Questionada sobre intenção de eventual IPO no Brasil, a porta-voz de O Telhar não respondeu.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

A luta vitoriosa de 72 famílias gaúchas sem terra


Igor Natusch, para Sul21

Para muitos, um pedaço de terra é mais do que uma conquista: é uma luta que nunca se encerra. Depois das longas marchas, das ocupações e da espera pela desapropriação, vem outra etapa para aqueles que, até este momento, chamávamos de sem terra. Com poucos recursos, muitas vezes sem conhecer bem o chão onde construirão os alicerces de seu futuro, resta a centenas de famílias o esforço para tirar do solo o que dele se espera. O assentamento, longe de ser o final de uma saga, é apenas o começo de um novo e longo episódio.

Desde os três anos de idade, Jaqueline Nunes conhece como poucos os caminhos poeirentos da luta por um pedaço de chão. Vinda de uma família de pequenos agricultores, Jaqueline foi criada em meio a barracas, nos acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), espalhados pelo interior do Rio Grande do Sul. Debaixo de uma lona, encarou durante anos o calor do verão eas chuvas geladas do inverno. Aos 18 anos, decidiu sair do assentamento onde morava com a família, em Nova Santa Rita, para construir a própria história. Foram mais 3 anos e 9 meses em meio à escassez, buscando por um lugar onde cultivar uma nova vida.

Desde 2007, Jaqueline faz parte das 72 famílias que vivem no Assentamento Apolônio de Carvalho, em Eldorado do Sul (RS). Dessas, 53 se dedicam atualmente ao cultivo de arroz orgânico, em uma área que se estende por 534 hectares. “O orgânico para mim é mais natural, porque eu sempre estive no meio disso”, conta Jaqueline, que também atua como coordenadora regional do MST. Seu pai, assentado em Nova Santa Rita, foi um dos primeiros agricultores ligados ao movimento a cultivar verduras ecológicas. Atualmente, vende seus produtos em Porto Alegre, em uma feira promovida pelo Incra.

Segundo dados do Incra/RS, a área de cultivo de arroz agroecológico no RS alcançou 3,8 mil hectares em 2011, superando os 2,1 mil do ano passado. O número de famílias envolvidas com o cultivo, feito sem aditivos químicos, também aumentou: de 211 famílias em 2010, agora são 428. Os produtores vivem em 16 assentamentos, espalhados por 11 municípios. A maioria deles ligados à reforma agrária. Realidade na qual o assentamento onde Jaqueline mora se insere, de forma oficial, pela primeira vez.

O Assentamento Apolônio de Carvalho foi escolhido pelo governo gaúcho para a inauguração da oitava colheita de arroz orgânico de 2011. O lançamento aconteceu no dia 17 de março, com a presença do governador Tarso Genro e de secretários estaduais. Depois da festa, da visita dos engravatados e do governador chegando de helicóptero, ficou o trabalho para fazer. E as perspectivas são boas. Em alguns pontos, os assentados estimam mais de 120 sacos de arroz por hectare — uma média maior do que a das fazendas das redondezas, que cultivam o cereal de forma convencional, com uso de aditivos químicos. “Eles ficam falando ‘poxa, nós plantamos arroz convencional e colhemos 80 ou 90 sacos por hectare. Como é que eles conseguem?’”, diz Jaqueline.

Jaqueline Nunes: luta pela terra durou bastante tempo - Ramiro Furquim/Sul21


A maioria das famílias, segundo Jaqueline, tinha a ideia inicial de trabalhar com leite. Mas as condições do terreno inviabilizaram o projeto e forçaram os assentados a uma mudança de rota. “A nossa terra aqui só dá mesmo para arroz”, afirma Josino de Jesus, outro agricultor que encontrou no Apolônio de Carvalho a chance de controlar o próprio destino. “O terreno é muito molhado, não dá para cultivar plantas secas”. Jaqueline explica que algumas famílias, pela falta de experiência, tiveram resistência em plantar o orgânico. “É uma cultura meio arriscada, porque é muito investimento. Se der um erro humano perde a produção e fica endividado para o resto da vida”.

Uma das formas de contornar essa inexperiência é a parceria estabelecida com agricultores de Tapes, já acostumados a lidar com o cultivo de arroz. É uma troca simples: os assentados de Eldorado do Sul entram com a terra, e Tapes empresta os tratores, fundamentais para a colheita. Além disso, a troca de experiências é valiosa para os iniciantes no cultivo de arroz agroecológico. “Nossa ideia é ir aprendendo, adquirindo equipamento e nos tornando cada vez mais autônomos”, explica Jaqueline.

“Por que tu não acampa e pega um pedaço de terra?”

 

Josino de Jesus nasceu em Caçapava do Sul, filho de agricultores. A decisão de lutar por um pedaço de chão, porém, surgiu em Porto Alegre. “Vim trabalhar com um doutor aqui em Porto Alegre, e tinha um acampamento perto de onde eu trabalhava. E aí esse doutor me disse: por que tu não vai acampar lá com eles e pegar um pedaço de terra?” Jesus, como é conhecido no assentamento, achou que era uma boa ideia, e juntou-se ao acampamento. “Foi ele quem me levou lá, inclusive. Faz uns 7 anos”.

Hoje em dia, Jesus cuida não só da plantação de arroz, mas também de uma das hortas que diversificam a produção do assentamento. “Já entreguei aipim, milho verde, abóbora”, lista ele. As hortas ajudam, também, a aproximar o assentamento de um equilíbrio autossustentável. “Algumas famílias buscam alternativas”, explica Jaqueline Nunes. “Arroz é uma vez por ano. Dá para fazer até 7 mil reais de renda por ano, mas se a gente fizer essa divisão por mês, vai dar uns 400 ou 500 reais, às vezes menos que um salário mínimo. Tem muitas famílias, como a do Jesus, vendo essa questão de horta. A horta já é uma renda mensal que ele vai ter. Tem famílias que estão fazendo queijo. Já são outras rendas, mesmo que a gente saiba que a renda maior é mesmo a do arroz”.

Para ampliar a capacidade produtiva, a solução é contar com fomentos do Incra. O assentamento já conseguiu duas parcelas de recursos junto ao órgão, e atualmente pleiteia uma terceira. Além disso, os trabalhadores rurais contam com fundos de investimento do Pronaf. Os assentados assentados podem investir estes recursos em equipamentos para plantio e colheita, além de melhorias úteis para o seu dia a dia. Existem também planos para empreendimentos coletivos, como a construção de um silo.

Josino de Jesus: "Não dá para cultivar plantas secas" - Ramiro Furquim/Sul21


“Podemos formar grupos de cinco ou seis famílias para adquirir um trator, para grades, esses implementos maiores”, comenta Jaqueline. “A família pode optar. Se ela diz que vai ficar no arroz, tem como investir em trator, comprar os implementos todos. Outros optam por trabalhar com leite, mas para nós aqui é bem mais complicado, por causa das características do terreno. Provavelmente 90% das famílias vão ficar no arroz mesmo”.

Terreno pertencia a traficante internacional de drogas

 

A terra que hoje fornece alimento para a merenda escolar de milhares de estudantes em todo o Brasil já foi utilizada para propósitos bem menos nobres. Mais precisamente aos negócios escusos do traficante internacional Juan Carlos Ramirez Abadía. O terreno era parte das quase infidáveis posses do colombiano Abadía no Brasil, mas não era usado para o cultivo ou produção de drogas. Era, isso sim, um gigantesco haras, no qual o traficante criava cerca de 15 cavalos de raça. “Os cavalos eram criados à base de chocolate. Chocolate mesmo, alfafa e chocolate!”, admira-se Jaqueline.

Traficante colombiano criava 15 cavalos nas terras que agora produzem arroz orgânico - Ramiro Furquim/Sul21


Muito bem alimentados de cacau, os cavalos descansavam em grandes baias, enquanto o proprietário do terreno pensava em investimentos ainda mais altos. A ideia de Abadia, segundo os atuais moradores do assentamento, era construir no local uma das maiores arenas de rodeio da América Latina. No entanto, a Justiça alcançou Abadía antes que as obras tivessem início, e frustrou os planos empreendedores do traficante internacional.

As origens pouco nobres da terra acabaram sendo positivas para o MST na luta pelo apoio da comunidade. O que não quer dizer que o assentamento tenha acontecido sem sobressaltos. “Foi uma ocupação que durou bastante tempo”, explica Jaqueline. Durante 58 dias, os trabalhadores rurais ficaram no terreno, esperando uma definição, sem aceitar os argumentos usados para convencê-los a sair. “Eles (governo) não tinham argumentos para as famílias”, diz Jaqueline. “Nosso argumento era de que queríamos produzir, e eles não tinham elementos para nos contestar, porque era terra de traficante, de lavagem de dinheiro. Mas acabou sendo bom, porque a sociedade ficou do nosso lado. Conseguimos fazer esse diálogo”.

Mãe de Jaqueline foi presa no confronto da Praça da Matriz

 

A mãe de Jaqueline Nunes, Elenir, foi uma das pessoas presas após o tristemente notório incidente na Praça da Matriz, em 1990, quando uma violenta tentativa de dispersar agricultores resultou na morte de Valdeci de Abreu Lopes, cabo da Brigada Militar. O fato marcou o MST, que a partir dali passou a ser visto por muitos como uma organização criminosa — imagem que, para vários setores, segue intocada. “Foi uma coisa que marcou muito”, admite Jaqueline, em um dos poucos momentos em que seu olhar desvia do interlocutor e volta-se para o vazio.

Sete pessoas foram presas pela morte de Valdeci. Durante anos, a versão oficial foi de que, agredido por uma foice, o cabo teria atirado a esmo uma ou duas vezes antes de tombar morto. Mais tarde, os autos do processo relevaram outra versão: a de que o golpe fatal teria sido provavelmente uma atitude de defesa, após os disparos, já que uma pessoa golpeada na artéria carótida perde os sentidos quase que imediatamente.

Dos sete presos, a mãe de Jaqueline foi a única mulher. Aparentemente, nenhum dos que assumiram a responsabilidade estava de fato envolvido no crime. Ao levarem a culpa pela morte do policial militar, eles seguiram o princípio do MST de não personalizar ações. Elenir Nunes foi uma das pessoas baleadas por Valdeci — vítima dos tiros, acabou transformada pelo inquérito em culpada de assassinato.

O confronto na Praça da Matriz acabou marcando decisivamente a relação entre Jaqueline Nunes e a mãe. A filha evita detalhes, não se aprofunda na história, mas admite que pouco viu Elenir nos anos de prisão e que passou a ser filha de “duas famílias”. Hoje, ela tem uma terceira família: a própria. Seu marido trabalha longe, voltando apenas nos finais de semana; seu filho passa a maior parte do tempo na escola ou sob os cuidados da madrinha. Enquanto isso, Jaqueline trabalha em nome do MST, ajudando outras famílias a colocar um fim na caminhada em busca de terra.

“Diziam que eu ia chegar aqui para plantar sapo”

 

“Chega de caminhar”, disse Doroti Carpes, após anos de marchas e acampamentos. Ela e o marido participaram da marcha até São Gabriel, que cruzou o Rio Grande do Sul em 2003, e permaneceram durante três anos e meio em um pré-assentamento em São Borja. “Era marcha e marcha, luta e luta. A gente parava de caminhar já de noite; os pés ficavam inchados”, conta ela. Depois de tanto andar, Doroti resolveu abraçar a chance e vir até Eldorado do Sul. “Diziam para mim: mas tu vai para lá para plantar sapo!  E eu disse que não tinha problema: vou plantar sapo se precisar”, lembra, rindo.

Doroti Carpes: "Vou plantar sapo, se precisar" - Ramiro Furquim/Sul21


Chegando ao assentamento, a água acabou se mostrando, de fato, um problema. Devido ao solo úmido do banhado, demorou muito tempo até que se encontrasse o lugar mais adequado para levantar as casas. “A gente levantava um barraquinho, dava uma chuva e já alagava tudo”, lembra Doroti. Jaqueline explica que, no início, a divisão por lotes não levava em conta as áreas secas, e as casas se espalhavam de forma desigual pelo assentamento. Depois de um tempo, os assentados e o Incra chegaram a uma conclusão: era impossível levantar casas em determinados pontos do terreno. Atualmente, as casas são erguidas em trechos específicos, próximas umas das outras. “São áreas que não alagam” explica ela. “A limpeza dos valos e a criação de canais acabaram drenando bastante, por isso é seco… Antes, qualquer chuva e era água pelo joelho, em qualquer lugar”.

Vinda da região norte do estado, Marli Malinoski chegou ao assentamento mais de um ano depois da primeira divisão dos lotes. Esteve no Rio de Janeiro, fazendo parte de um projeto chamado “solidariedade e formação nas áreas de reforma agrária”. Embora estivesse concorrendo a outras áreas mais próximas de onde moram seus familiares, Marli acabou sendo chamada para o Apolônio de Carvalho, e resolveu não deixar a chance passar. No momento, ela é uma das poucas pessoas a morar sozinha no assentamento.

No momento, existem cinco lotes ainda não ocupados no Apolônio de Carvalho. Geralmente, o MST tem seus próprios critérios para definir quem vai ganhar a terra — participação nas marchas e ocupações, tempo de acampamento, situação familiar. Porém, o Incra resolveu criar regras para disciplinar essa escolha. Regras que não parecem agradar muito os moradores do assentamento. “Hoje, aplicam um questionário”, conta Marli Malinoski. “Querem saber se tem experiência em plantio de arroz, carteira assinada de trabalho em várzea. Quem é sem terra não tem carteira assinada, é gente que trabalhou em granja e não tem como comprovar”, reclama.

Relação com prefeitura de Eldorado do Sul é complicada

 

Um dos muitos desafios do dia a dia do assentamento está em conquistar, mais do que a atenção, o respeito do poder público. Pelo que se percebe nas conversas com os assentados, o diálogo com a prefeitura de Eldorado do Sul não costuma ser dos mais fáceis. Como exemplo, Jaqueline Nunes cita uma das reuniões que teve com o prefeito do município, Ernani de Freitas Gonçalves (PDT). Durante o encontro, Jaqueline teria tido que ouvir o prefeito dizer que o plantio de arroz orgânico não trazia muitas vantagens para Eldorado do Sul. “Ele disse que progresso mesmo quem trazia eram as grandes empresas, como a Dell”, revolta-se.

Para contestar essa visão, o assentamento tenta usar uma linguagem que os governos, de modo geral, entendem muito bem. “Fomos para uma reunião com o secretário de agricultura do município (Sérgio Munhoz), com a pauta de obter tubos para canalização”, conta Jaqueline. “No início, ele (secretário) ficou meio assim, não estava muito disposto a ajudar. Quando dissemos para ele que eles tinham que investir no Apolônio, que só de ICMS dá R$ 1 milhão por ano para o município, a coisa mudou. Ele arregalou os olhos e disse ‘um milhão? Vamos fazer os cálculos então’. Quando eles viram que dava retorno financeiro, mandaram 200 tubos para nós”, conta ela, sorrindo. “Antes de ver que dá retorno, eles ficam jogando a gente para lá e para cá”, continua Marli Malinoski. “Tem que falar com o prefeito, tem que falar com o secretário de Obras. É um jogo bem estranho”, completa, escolhendo as palavras.

Marli Malinoski: uma das poucas pessoas que vivem sozinhas no assentamento - Ramiro Furquim/Sul21


As dificuldades com a prefeitura vão além dos investimentos materiais, estendendo-se também a aspectos menos óbvios, mas nem por isso menos perceptíveis. “O transporte de Eldorado do Sul, que leva os estudantes, não aceita transportar assentados e não faz integrado”, denuncia Marli. Tratamento bem diferente do que recebem de Charqueadas, o outro município que abriga terras do assentamento. Na cidade, administrada por Davi Gilmar de Abreu Souza (PDT), os assentados são melhor tratados, dentro da lógica econômica que move o município. “A questão de apoio a cooperativas é bem mais marcada em Charqueadas”, diz Jaqueline Nunes, que também integra a coordenação regional do MST. “Eles veem a cooperativa com outros olhos. Nosso esforço é fazer Eldorado do Sul ver a gente com esse mesmo olhar”.

Marli exemplifica. “Às vezes, a gente chega em Eldorado passando mal, precisando mesmo de atendimento (médico). Já fui duas vezes até lá, uma delas porque eu estava com um problema de coluna, e já chegavam perguntando de onde eu era. Eu respondia que era do Apolônio e diziam ‘tá, mas é do lado de Eldorado ou de Charqueadas? Porque se for de Charqueadas a gente não atende, tem que ir até lá, nós não damos cobertura para vocês’”. Do outro lado da ponte, segundo ela, o tratamento é distinto. “Tu chega lá e tem atendimento, remédios, marca exames. Ninguém te pergunta nada”, diz Marli Malinoski, lembrando também do ônibus que aparece de vez em quando, com dentista e clínico geral, para atender as famílias dentro do assentamento.

Arrendamento para “catarinas” quase põe tudo a perder

 

Apesar dos progressos, uma crise interna acabou dividindo os assentados e por pouco não cria sérios problemas para o Apolônio de Carvalho. Tudo começou com a proposta de agricultores de fora, chamados de “catarinas” pelos moradores do assentamento. “As famílias estavam passando necessidade, sem equipamentos para plantar, sobrevivendo com cesta básica”, explica Marli. “Daí apareceram eles, com uma mala de dinheiro, dizendo que queriam plantar arroz nas nossas terras, que nos dariam tanto por ano. Como que não vai aceitar?”

Os catarinas tornaram-se, a partir daí, arrendatários do terreno. “Para eles, era um modo de ganhar dinheiro”, afirma Jaqueline. “Não nos levavam para a plantação, não nos deram chance de aprender nada. Eles vivem de empréstimo em cima de empréstimo, não pagam imposto nenhum, plantam e colhem aqui para vender tudo lá”.

Assim que soube do arrendamento, o Incra tomou medidas duras — contra os assentados. “Todas as famílias foram notificadas, ameaçaram tirar todo mundo dos lotes”, conta Jaqueline, indignada. Os interrogatórios eram constantes, tentando determinar quais assentados teriam sido os primeiros a aceitar a proposta dos catarinas. “Começaram a jogar as famílias umas contra as outras. Diziam que um tinha falado do outro, que algumas pessoas eram ‘inadequadas para convívio social’”, acrescenta Marli, sem disfarçar a ironia na voz. “Os companheiros começaram a pensar que não era o Incra o inimigo, e sim as outras famílias. Chegou em um ponto que os vizinhos não se encontravam mais nem para tomar chimarrão”.

De acordo com Jaqueline, foi um período de estagnação para o Apolônio de Carvalho. “Não conseguíamos mais reunir as famílias para discutir melhorias. Precisávamos ir atrás de energia elétrica, de água, transporte escolar, e ninguém conseguia se organizar, porque todo mundo desconfiava de todo mundo”. Além disso, a determinação do Incra no sentido de que ninguém podia deixar os lotes enquanto durasse o inquérito aumentou ainda mais a carga de tensão. “Quem saísse, seria notificado”, lembra Marli. “Acabou ficando uma situação do tipo: se o filho tiver como ir para a escola, tudo bem, se não tiver, não vai, porque ninguém tinha disposição de ir atrás”.

O esforço, mais do que de recuperar a convivência entre as famílias, acabou sendo de reorganizar todo o assentamento. “Fomos organizando os grupos de produção, dividindo alguns lotes para produção de sementes, outros para os grãos”, conta Jaqueline. Hoje, a integrante da coordenação regional do MST comemora uma situação bem mais positiva dentro do assentamento. “Se a gente tem uma reunião para discutir alguma demanda, 90% das famílias aparecem. Naquela época, a gente não conseguia reunir cinco famílias que fossem para ir atrás de alguma coisa”, revela.

“A família que não tem um bichinho vai querer comprar uma vaca”

 

A situação, no momento, é inegavelmente melhor. Com esforço coletivo, o Assentamento Apolônio de Carvalho conseguiu retomar o rumo e agora investe com força crescente em uma cultura que já dá sinais de sucesso. Mas os trabalhadores sabem que ainda há bastante coisa para conquistar. “Como estamos investindo bastante, não vamos ter muito lucro agora”, admite Jaqueline Nunes. “A gente espera que nos anos seguintes, com essa estrutura que estamos montando, os custos caiam e a gente consiga investir mais nas famílias mesmo, nas casas”.

Marli, Jaqueline e Doroti: exemplos para os pequenos agricultores - Ramiro Furquim/Sul21


“Mesmo essas parcelas (de financiamentos do Incra) não garantem que a gente vá poder adquirir as máquinas e equipamentos que a gente precisa”, diz Marli Malinoski. “Porque a família que ainda não tem um bichinho vai querer comprar uma vaca, por exemplo. A vaca é uma garantia de leite, de sustento, é uma contribuição de proteína na alimentação. As famílias têm prioridades que são para a subsistência delas, para consumo imediato. Não tem como abrir mão disso para investir em outras coisas”.

Seja como for, o futuro dessas famílias surge mais como uma esperança do que como um ponto de interrogação. Os últimos quatro anos do Assentamento Apolônio de Carvalho são, para elas, mais um passo em uma longa jornada rumo ao próprio chão. Para muitos, distante de casa; para outros, longe do que a terra os tinha ensinado em semeaduras e colheitas anteriores. Para todos, um desafio e chance para novos começos. A colheita do arroz orgânico deve estar encerrada em duas semanas, fechando um ciclo e iniciando outro — na terra, da terra e para a terra.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Quién alimenta al mundo


REBELIÓN

Presentamos tres fragmentos de uno de los más recientes documentos de investigación del Grupo ETC, con atisbos y cifras del universo de personas, colectivos, comunidades, grupos, que reivindican el cultivo de sus propios alimentos [en su sentido más vasto] en todo el mundo y que son muchos más de los que suponemos. Campo y ciudad. Cultivo, recolección, animales de corral, pastoreo, caza y pesca. Este retrato contradice a una industria alimentaria que presume tener las soluciones para el hambre en el mundo.

La cadena alimentaria industrial

El modelo agroindustrial habla de una “cadena” alimentaria, con Monsanto en un extremo y Wal-Mart en el otro: una cadena sucesiva de empresas agroindustriales, fabricantes de insumos (semillas, fertilizantes, pesticidas, maquinaria) vinculadas con intermediarios, procesadores de alimentos y comerciantes al menudeo.

El 96% de toda la investigación agrícola y sobre alimentos ocurre en los países industrializados y el 80% de esa investigación se ocupa del procesamiento y distribución de alimentos. En la segunda mitad del siglo pasado, la cadena alimentaria industrial se consolidó tanto que cada eslabón —de la semilla a la sopa— lo domina un puñado de multinacionales que trabaja con una lista de bienes de consumo cada vez más restringida y que tiene a la humanidad en peligro de desnutrición o sobrepeso.

La cadena alimentaria industrial se enfoca en menos de 100 variedades de cinco especies de ganado. Los fitomejoradores corporativos trabajan con 150 cultivos pero se enfocan en apenas una docena. De las 80.000 variedades comerciales de plantas que hay en el mercado, casi la mitad son de ornato. Lo que resta de nuestras mermadas reservas de peces viene de sólo 336 especies, que son dos terceras partes de las especies acuáticas que consumimos. Al perderse biodiversidad, el contenido nutricional de muchos de nuestros granos y hortalizas ha caído entre el 5 y el 40%, de modo que hoy tenemos que comer más calorías para obtener los mismos nutrientes que antes.

Ante el caos climático, la cadena alimentaria industrial nos impone un régimen de patentes que favorece la uniformidad por encima de la diversidad y refuerza un modelo tecnológico al que le cuesta más tiempo y dinero obtener una variedad diseñada en laboratorio que lograr cientos de variedades convencionales. En resumen, las empresas no saben quiénes padecen hambre, dónde se encuentran o qué necesitan.

El Banco Mundial y muchas agencias de desarrollo bilateral creen en la falacia de que el desarrollo agrícola puede escoger a voluntad qué eslabones de la cadena prefiere aprovechar. Esta visión es ingenua. La razón por la que empresas como Monsanto, DuPont y Syngenta (que controlan la mitad de la oferta comercial de semillas patentadas y más o menos el mismo porcentaje del mercado mundial de pesticidas) se concentran en engendrar cultivos como el maíz, la soya, el trigo y ahora el arroz es porque las grandes compañías procesadoras de alimentos, como Nestlé, Unilever, Kraft y ConAgra pueden manipular sus baratos carbohidratos como relleno (estos cuatro cultivos constituyen dos tercios del aporte calórico para los consumidores estadounidenses) y convertirlos en miles de productos alimentarios (y no alimentarios) que “dan volumen” a mercancías más caras. A su vez, las empresas procesadoras buscan, por todos lo medios posibles, cumplir las exigencias de las grandes empresas de comercio al menudeo, como Wal-Mart, Tesco, Carrefour y Metro, las cuales demandan productos baratos, uniformes y predecibles en sus estantes y no dudan un instante en intervenir en otros eslabones de la cadena alimentaria para dictar el modo en que deben producirse los alimentos (y elegir que agricultores serán aceptados)

Por medio de una cultura corporativa y mercados compartidos, algunos de los eslabones de la cadena alimentaria han desarrollado fuertes vínculos informales: por ejemplo, Syngenta mantiene una estrecha relación con Archer Daniels Midland; Monsanto con Cargill y DuPont con Bunge (1). El modelo industrial es una cadena cargada de grilletes. Comprar en alguno de los segmentos implica comprar en todos los segmentos del modelo.

El tejido campesino de producción de alimentos

Sin embargo el sistema alimentario dominante, durante la mayor parte de la historia y aún para la mayoría de la humanidad actual no es una cadena, es un complejo tejido de relaciones. Los alimentos se mueven en este tejido: los campesinos también son consumidores que intercambian entre sí; los consumidores urbanos también son cultivadores de alimentos propios que cultivan e intercambian sus productos; los campesinos también son, a menudo, pescadores, recolectores o sembradores de forrajes y sus tierras existen dentro de un ecosistema de múltiples funciones.

El 85% de los alimentos que se producen se consume en la misma región ecológica o por lo menos dentro de las fronteras nacionales. Y la mayor parte se cultiva fuera del alcance de la cadena de las multinacionales.
La mayor parte de esta comida se cultiva a partir de variedades campesinas, sin utilizar los fertilizantes químicos que promueve la cadena industrial. Los campesinos crían 40 especies de ganado y casi ocho mil variedades. Los campesinos crían cinco mil de los cultivos domesticados y han aportado más de 1,9 millones de variedades vegetales a las existencias genéticas del planeta. Los pescadores campesinos recogen y protegen más de 15.000 especies de agua dulce. El trabajo de campesinos y pastores en mantener la fertilidad del suelo tiene un valor 18 veces superior al valor de los fertilizantes sintéticos que proveen las siete corporaciones más grandes del mundo en el ramo.

Los campesinos no hacen consorcios, pero están organizados. Existen 1.500 millones de campesinos en 380 millones de fincas, ranchos, chacras, parcelas; 800 millones más cultivan en las ciudades; 410 millones recolectan la cosecha oculta de nuestros bosques y sabanas; hay 190 millones de pastores y bastante más de 100 millones de campesinos pescadores. Por lo menos 370 millones de ellos pertenecen a pueblos indígenas. Juntos, esos campesinos son casi la mitad de la población mundial y cultivan al menos el 70% de los alimentos del planeta. Mejor que nadie, ellos alimentan a quienes sufren hambre. En 2050, para alimentarnos, necesitamos de ellos y de toda su diversidad.

Gráfica 1

70%: Los campesinos alimentan al menos al 70% de la población mundial

50% Porcentaje mundial de los alimentos producidos por campesinos

30% Porcentaje mundial de los alimentos que provienen de la cadena alimentaria industrial

12,5% Porcentaje mundial de los alimentos que proviene de la caza y recolección

7,5% Porcentaje de los alimentos que producen campesinos habitantes de ciudades

Los productores de alimentos a pequeña escala son aquellos hombres y mujeres que cultivan y cosechan alimentos y también frutos de los árboles, lo mismo que ganado, pescado y muchos otros organismos acuáticos. Entre ellos se incluye a los pequeños propietarios campesinos, a los granjeros y ganaderos familiares, a los pastores sedentarios o nómadas, a los pescadores artesanales y a los campesinos y jornaleros sin tierra, a los jardineros y hortelanos, a los pobladores de bosques, a los campesinos indígenas, a los cazadores y recolectores, así como a todos los usufructuarios a pequeña escala de los recursos naturales para producir alimentos. —Michel Pimbert (2).

Campesinos: la cuenta en detalle

Mientras que los especialistas en estadística piensan en términos de una población de más o menos 1.500 millones de agricultores en pequeño (campesinos), la cifra más realista se aproxima al doble, si se considera plenamente a quienes cuidan hortalizas y crían animales en las urbes, a los pastores nómadas, a los pescadores y a la gente que cuida los bosques del mundo. Quienes tienen huertos en las ciudades con frecuencia se desplazan entre el campo y la ciudad y los pescadores también siembran. He aquí un cálculo diferente.

Agricultores

De los 450 millones de establecimientos agrícolas, 382 millones (85%) tienen una extensión de 2 hectáreas o menos y las estadísticas se refieren a sus poseedores como pequeños propietarios o campesinos (3). Casi 380 millones de estas fincas agrícolas están ubicadas en el Sur global, y al menos 1.500 millones de personas (cuatro por finca) viven en ellas (4). Es significativo que 370 millones (5) son campesinos indígenas en, por lo menos, 92 millones de pequeñas fincas o rancherías. En total, es probable que los campesinos posean bastante más de la mitad de las tierras de cultivo del mundo. De los 1.560 millones de hectáreas globales de tierras arables para cultivos estacionales o permanentes (muchos países clasifican como “campesinos” a quienes poseen 5 hectáreas o menos de tierra), los campesinos poseerían cerca de 764 millones de hectáreas y no menos de 225 millones de hectáreas estarían en manos de grandes agricultores (6). Los agricultores medianos estarían en posesión de 571 millones de hectáreas (con un promedio de 36,8 hectáreas cada uno) (7). Algunos investigadores incorporan las “fincas” campesinas con una extensión inferior a 0,1 hectáreas por persona. La inclusión de estos campesinos casi sin tierra a los cálculos de la productividad distorsiona fuertemente la productividad real de las unidades campesinas.

Pastores

Cerca de 640 millones de campesinos crían animales, más unos 190 millones de pastores nómadas crían ganado para su propio consumo y el de los mercados locales (8). Como los pastores están en continuo movimiento y de manera rutinaria atraviesan fronteras nacionales, rara vez se les incluye en los cálculos sobre la seguridad alimentaria.

Pescadores

Existen en el mundo entre 30 y 35 millones de pescadores, pero probablemente más de 100 millones de campesinos están involucrados en actividades pesqueras, en el procesamiento y en la distribución de un volumen que asciende a cerca de la mitad del pescado capturado en el mundo para el consumo humano directo (unos 30 millones de toneladas métricas) (9). Estas cifras, sin embargo, sólo hablan de la producción campesina para el mercado y no de las actividades de pesca y acuicultura realizadas por los pueblos indígenas, los campesinos rurales y urbanos fuera del mercado. En total, 2.900 millones de personas obtienen el 15% o más de sus proteínas de especies marinas o de agua dulce. En los países más pobres, el 18,5% de las proteínas son provistas por pescadores artesanales a pequeña escala o de autosubsistencia (10). A diferencia de la mayoría de las empresas industriales de pesca y de los barcos-fábrica que surcan los océanos en busca de especies para fabricar alimento animal, los pescadores artesanales se concentran sobre todo en pescado para el consumo humano.

Gente que cuida huertos urbanos

Antes de la actual crisis alimentaria, se estimaba que unos 800 millones de personas estaban involucradas en la agricultura urbana. De éstas, 200 millones producen alimentos primordialmente para los mercados locales y logran dar empleo permanente a cerca de 150 millones de miembros de sus familias. En promedio, las ciudades del mundo producen casi un tercio de su propio consumo alimentario (11). En tiempos de altos precios de los alimentos, las actividades de agricultura urbana y periurbana, así como de la cría de animales en traspatios, se incrementa significativamente.

Cazadores y recolectores

No es posible cuantificar la proporción del abasto alimentario proveniente de los bosques, las orillas de los caminos y carreteras y otras tierras “marginales”. Lo que sí sabemos es que al menos 410 millones de personas viven en (o junto a) zonas boscosas y de ellas obtienen muchos de sus alimentos y formas de vida. En total, 1.600 millones de personas obtienen una parte de sus alimentos y otros materiales necesarios para la vida de los bosques del mundo (12).

Notas:

(1) Ana de Ita, del Centro de Estudios para el Cambio en el Campo Mexicano (ceccam), se encuentra entre quienes señalan la necesidad de vigilar las relaciones entre los actores y sectores dominantes dentro de la cadena alimenticia corporativa.

(2) Michel Pimbert, Towards Food Sovereignty: Reclaiming Autonomous Food Systems, IIED, 2008.

(3) Joachim von Braun, International Food Policy Research Institute, “High and Rising Food Prices”, presentación ante la Agencia USAID, Washington, DC, 11 de abril de 2008. http://www.ifpri.org/presentations/20080411jvbfoodprices.pdf

(4) Ver van der Ploeg, Jan Douwe, The New Peasantries —Struggles for Autonomy and Sustainability in an Era of Empire and Globalisation, Earthscan, 2008. “En todo el mundo hay ahora cerca de 1 200 millones de campesinos (Ecologiste, 2004; Charvet, 2005). ‘Los hogares de pequeñas fincas constituyen casi dos quintas partes [1.300 millones de personas] de la humanidad’ (Weis, 2007:25). En 1996, el Informe sobre la Situación del Mundo en Relación con los Recursos Genéticos Vegetales de la FAO estimó que cerca de 1.400 millones de personas dependían de la conservación de sus semillas”. Ver Oxfam Briefing Paper 129, “Investing in Poor Farmers Pays”, (2009). Oxfam calcula que 1.700 millones de pobres viven en fincas pequeñas en países de ingresos bajos y medios y constituyen cerca de dos terceras partes de todos los agricultores en dichos países.

(5) IFAD, abril de 2009, “IFAD Policy on Engagement With Indigenous Peoples”, Borrador de Política para Aprobación, Consejo Ejecutivo, 97 Sesión, Roma, 14-15 de septiembre de 2009. EB 2009/97/R.3/Rev.1

(6) Esto no significa que los campesinos tengan más tierra en total. La concentración de la tierra es brutal y se requiere a nivel mundial de una reforma agraria profunda. Los 225 millones de hectáreas de los grandes agricultores están en muy pocas manos. Sería el caso también de los “agricultores medianos”.

(7) Extrapolación de datos de von Braun. Ver Uwe Hoering, Who Feeds the World?, mayo de 2008, Servicio para el Desarrollo Eclesial, Asociación de las Iglesias Protestantes en Alemania (EED)– Evangelischer Entwicklungsdienst, pp. 8-9; “…las fincas pequeñas representan un 80% de las tierras agrícolas. Trabajando en pequeños campos, en condiciones difíciles y con medios escasos, estas unidades pequeñas contribuyen con cerca de la mitad de la comida que alimenta al mundo…”.

(8) Helena Paul, Almuth Ernsting, Stella Semino, Susanne Gura y Antje Lorch, Agriculture and climate change: Real problems, false solutions, A Preliminary report by Econexus, Biofuelwatch, Grupo de Reflexion Rural y NOAH-Friends of the Earth Dinamarca, septiembre de 2009. www.econexus.info.

(9) Yumiko Kura et al., “Fishing for Answers: Making Sense of the Global Fish Crisis”, Washington, DC, World Resources Institute, 2004, p. 37.

(10) FAO, Borrador de “Biotechnology applications in fisheries and aquaculture in developing countries”. “La pesca y la acuacultura aportaron cerca de 110 millones de toneladas de pescado para fines alimentarios en 2006, proveyendo así a más de 2 900 millones de personas con al menos un 15% de su ingesta protéica individual”. “…en los países de más bajos ingresos y déficit alimentario… la contribución del pescado a la ingesta protéica animal por persona fue significativa (18,5%) y es probablemente mayor a la que indican las estadísticas oficiales, en virtud del subregistro de la contribución de la pesca y la acuacultura de muy pequeña escala y de autosubsistencia”.

(11) WorldWatch Institute, State of the World 2007-Our Urban Future, 2007

(12) 1.600 millones de personas dependen fuertemente de los bosques. Según el Banco Mundial, 60 millones de personas viven en los bosques tropicales y selvas de América Latina, el sudeste de Asia, y África occidental y, por supuesto, dependen de la conservación de los bosques para sobrevivir; 350 millones de personas viven en o cerca de densos bosques y dependen de ellos para su subsistencia o como fuente de ingresos y 1.200 millones de personas en los países subdesarrollados utilizan los árboles en sus casas para generar alimento e ingresos monetarios”.

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La edición es responsabilidad de Biodiversidad. http://www.grain.org/biodiversidad/

El documento íntegro, traducido por Octavio Rosas Landa, puede consultarse en http://www.etcgroup.org