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domingo, 10 de outubro de 2021

O ódio que o Facebook espalha

 


Por Pedro Dória, para canalmeio.com.br.

O discurso poderia ser de um nazista contra judeus — mas quem o faz em nada parece com um nazista. O monge Wiseitta Biwuntha, mais conhecido por Wirarthu, tem os olhos amendoados, a pele corada tão comum no Sudeste Asiático e a cabeça completamente raspada. Sempre que está em público, veste a roupa típica dos budistas teravada — dhonka e shemdap, que juntos parecem um manto só dum vermelho escuro, quase vinho. Pela aparência, não destoaria se estivesse ao lado o Dalai Lama. Mas não pelo discurso. “Se você comprar de uma loja de muçulmano”, Wirarthu afirma, “o dinheiro não para ali. Este dinheiro, ao fim, será gasto para destruir nossa raça a religião. Esse dinheiro será usado para atrair mulheres budistas e força-las a se converter ao Islã e, quando os muçulmanos tiverem população maior, vão nos engolir, tomar o poder em nosso país e transformá-lo numa nação demoníaca islâmica.” Em Myanmar, mais de 90% da população se identifica como budista. Hoje aos 53, o monge é o rosto mais conhecido do Movimento 969, que defende que budistas devem se casar com budistas, comprar em negócios budistas e trabalhar pela expulsão dos muçulmanos do país.

Wirarthu é um dos mais ávidos defensores da limpeza étnica em Myanmar. É, também, um importante aliado político dos militares nacionalistas.

O monge Wirarthu não está mais no Facebook. Foi expulso em 2018, após o genocídio da minoria rohingya no ano anterior. Mas, até lá, a rede foi a principal plataforma para seu discurso de ódio étnico. E não houve nada de acidental. Em Myanmar, o Facebook foi propositalmente utilizado como ferramenta para construção de um ambiente político instável que levasse à violência. O surgimento da internet do país, um fenômeno recente, coincidiu com a radicalização seguida de colapso da democracia, no início deste ano.

Até 2011, Myanmar era uma ditadura militar, um dos regimes mais fechados do mundo, que tinha como principal rosto Aung San Suu Kyi, a política que venceu o Nobel da Paz, em 1991. Suu Kyi foi libertada no momento em que o regime começou a abrir. Embora não tenha sido permitido a ela concorrer às eleições no primeiro pleito, seu partido venceu 43 das 45 cadeiras do Parlamento e iniciou uma lenta liberalização do país.

Um dos marcos da democratização foi acesso à internet. O preço de um cartão SIM para smartphones despencou, em 2012, de milhares de dólares para centenas. Continuava muito caro, mas tornou-se acessível para uma crosta da classe média alta. Em 2013 o monopólio estatal sobre as telecomunicações caiu e duas operadoras estrangeiras entraram — uma catari, a outra norueguesa. Em 2014, o SIM já custava um dólar, as lojas se encheram de smartphones chineses baratos e o uso de internet, principalmente em plataformas móveis, explodiu.

Como criar um ambiente de desinformação

A cultura digital que se desenvolveu no país a partir dali foi uma centrada no Facebook — a adoção da rede social no país foi a mais acelerada em qualquer nação já registrada pela empresa. Quase instantaneamente, no arco de um ano, mais da metade da população abriu uma conta na plataforma. O fenômeno não passou batido pelo monge Wirarthu. Muito menos pelos militares.

Antes do golpe militar de fevereiro deste ano, Myanmar nunca chegou a ser uma democracia plena. Os generais mantiveram, por toda década de 2010, o poder isolado de reformar a Constituição que havia sido promulgada na ditadura anterior. E a Carta determinava que o poder civil não poderia intervir nas Forças Armadas, que atuavam com orçamento próprio e plena liberdade.

Em 2017, dois anos após a ampla adoção da internet no país, o Exército já tinha um setor com 700 militares responsáveis por uma extensa campanha de desinformação no Face. Controlavam milhares de contas e páginas na rede, dentre elas as de celebridades, pop stars e até a popular Miss Myanmar, Shwe Eain Si, conhecida como SES. A população buscava seus ídolos sem saber que os influenciadores trabalhavam para o Exército, produzindo peças publicitárias de nacionalismo extremo e horror étnico. Em um de seus vídeos, narrado em inglês com legendas em birmanês, com a voz suave e um filtro difusor, SES prega a paz enquanto mostra fotografias falsas, gráficas de um verdadeiro terror, acusando os muçulmanos de ataques bárbaros contra budistas. (Ainda é possível assistir a este vídeo — mas o alerta cabe. É forte. E as acusações nele feitas são comprovadamente falsas.)

Embora não trabalhasse para o Exército, o monge Wirarthu passou a ter uma das páginas de Facebook mais visitadas no país. E ele republicava todos os boatos de violência, pregava que os muçulmanos secretamente controlavam o poder no novo governo, além de serem os donos do dinheiro em Myanmar. Em janeiro de 2017, um dos maiores advogados do país e conselheiro pessoal de Suu Kyi foi assassinado. Era um dos muçulmanos de maior visibilidade. Entre agosto e setembro do mesmo ano, pelo menos três mil pessoas da etnia rohingya foram assassinadas em manobras militares e mais de 800 mil fugiram do país para Bangladesh. Tentando ainda se manter no poder, Syy Kyi calou. Em dezembro a ONU classificou a ação como uma de limpeza étnica. Ou genocídio.

O governo civil nunca se recuperou da crise política aberta ali e dos constantes ataques via Facebook. Em 1o de fevereiro deste ano, caiu perante um novo golpe militar.

Uma das primeiras ações do regime democrático em Myanmar foi ampliar acesso à internet acreditando que, assim, abriria portas para o livre debate na sociedade. Mas quando o Facebook foi adotado espontaneamente como principal plataforma de diálogo, o elo quebrou.

Um estudo da ong jornalística Global Witness mostra o processo. Os investigadores criaram um perfil limpo, sem histórico passado, na rede de Myanmar. Fizeram então uma busca por notícias relacionadas ao Exército — o que qualquer um por lá inevitavelmente faz, tamanho o poder da instituição. No momento em que o primeiro like numa página relacionada aos militares foi dado, começaram a brotar recomendações de outras páginas. Em minutos o perfil antes vazio havia sido completamente dominado por desinformação racista, discurso de ódio e pró-golpe militar. Não é preciso grande esforço, o próprio algoritmo leva qualquer um a este tipo de conteúdo.

Durante a ditadura anterior, os militares acreditavam que se liberassem a internet, perderiam o controle do país. No Face, descobriram no curto período democrático que a internet poderia se tornar sua principal aliada. Com a ajuda da rede conseguiram criar o ambiente de incitação aogenocídio e tornar ao poder.

O monge Wirarthu foi expulso do Face em 2018, alguns meses após o genocídio. Àquela altura, ele já era habitualmente tratado como o ‘bin Laden budista’ pela imprensa internacional fazia muitos anos. Não era uma figura obscura e a natureza de seu discurso tampouco era desconhecida. O Facebook nunca explicou por que não havia tomado qualquer ação nos anos anteriores. Também foram expulsos generais, incluindo o comandante do Exército, num conjunto de 484 páginas, 157 contas e 17 grupos que “atuavam de forma coordenada em comportamento inautêntico”.

Mas, quando um tribunal internacional cobrou do Facebook, em 2020, informações que pudessem ajudar a reconstruir o caminho que o discurso do ódio online tomou para terminar em genocídio, a empresa se negou a entregar. O pedido, de acordo com a empresa, era “excessivamente amplo”. É também “intrusivo e oneroso”. Daria trabalho demais.

O Facebook também não informa quantos funcionários compreendem birmanês e são capazes de avaliar o conteúdo publicado.

No país vizinho

Em agosto de 2020, mais ou menos quando o Face se negava a entregar à Justiça dados que ajudassem a compreender o genocídio rohingya, outro monge budista começou a agir não muito longe de Myanmar. Mas, diferentemente de Wirarthu, Luon Sovath precisou fugir de seu país. O Camboja. Conhecido em todo o país, um ávido defensor dos direitos humanos, Luon Sovath foi vítima de uma campanha massiva de desinformação — ele não ameaçava, era ameaçado. Dentre o material que circulou no Facebook a seu respeito estava um vídeo muito pouco nítido que sugeria relações sexuais suas com uma mãe e as três filhas. Não só estaria violando o juramento de castidade como cometendo algo próximo do incesto num país particularmente conservador. A ameaça se mostrou tão relevante que ele teve de deixar o país.

O Camboja é uma ditadura e vem sendo governado, desde 1985, pelo primeiro-ministro Hun Sen, um homem de 69 anos que atuou como soldado durante o genocídio promovido pelo Khmer Vermelho durante a década de 1970. Assim como em Myanmar, por lá a internet é, em essência, o Facebook. A plataforma que todos usam. E, assim como as Forças Armadas de Myanmar, o governo tem um departamento dedicado a produzir conteúdo falso para a rede.

No caso de um dos vídeos envolvendo o monge Luon Sovath, repórteres do New York Times descobriram indícios ligando o material a dois funcionários deste departamento de propaganda.

Advogados de políticos da oposição, nos EUA, tentam já há três anos conseguir dados sobre a compra de publicidade no Facebook, para divulgação de conteúdo pró-governo. Um conjunto de e-mails vazados em 2017 sugerem que, por dia, o Estado gastava US$ 15 mil por dia para atrair visitas para suas páginas. Num país com 15 milhões de habitantes, a página do premiê tem quase 14 milhões de seguidores. Em sua campanha mais recente online, Hun Sen vem promovendo uma campanha de ‘moralização’ das mulheres que usam roupas ‘reveladoras’ online.

Morte africana

O cantor pop Hachalu Hundessa dirigia seu carro, no dia 29 de junho do ano passado, quando um homem se aproximou, disparou e o matou em um bairro periférico de Addis Ababa, capital da Etiópia. Hundessa tinha 34 anos e, por toda vida, alternou a militância política com a carreira de músico. Foi preso aos 17 por sua defesa de autonomia para o povo Oromo, ao qual pertence, e permaneceu nas cadeias da ditadura etíope por cinco anos. A carreira musical veio depois — “ele compôs a trilha sonora da revolução Oromo”, explicou um professor da Universidade Keele, na Inglaterra. “Um gênio lírico que incorporou as esperanças e aspirações do povo.”

Segundo a polícia, o assassino pertencia a sua etnia. O rapaz matou Hundessa porque o cantor se aproximara do premiê Ahmed Abiy, também Oromo, e que hipernacionalistas criticavam por contemporizar com outros grupos. Imediatamente após o assassinato, o Facebook se incendiou em acusações diversas, boatos e incitação. Nas horas seguintes, hordas tomaram as ruas da capital etíope. Propriedades foram destruídas e incendiadas. Houve uma série de linchamentos que terminaram com decapitações públicas.

Apenas um ano antes, em 2019, o corredor etíope Haile Gebreselassie tentou usar sua fama internacional para chamar atenção para outra explosão de ódio na região de Oromia. Ela deixou 81 mortos após informações falsas circularem no mesmo Facebook de que grupos rivais estavam sendo armados para ataques. Gebreselassie, recordista mundial de maratonas em 2008, foi ouvido na época por toda imprensa.

Em 2020, o Facebook dizia ter uma equipe de 100 pessoas responsáveis pela moderação de conteúdo no continente africano. Não revelava quantos compreendiam algum dos mais de 50 dialetos falados na Etiópia. Durante as eleições que ocorreram em junho deste ano no país, a empresa diz ter contratado falantes nativos de oromo, amharic e somali, que de fato são os troncos linguísticos mais importantes. Não afirmou quantos. Entre março e março, de 2020 a 21, o Face afirma ter retirado mais de 87 mil postagens de desinformação no país. O arco cultural do continente africano abarca mais de duas mil línguas.

O ponto

Com muita frequência, o que se publica a respeito de desinformação nas redes sociais trata de Estados Unidos, Europa, ou alguns outros países como o Brasil. O Brasil, noves fora a baixa autoestima local, é um país rico e importante na geopolítica mundial. Por conta de Jair Bolsonaro, tornou-se também um dos focos da imprensa internacional atenta ao drama da recessão democrática que ocorre no mundo.

Myanmar, Camboja, Etiópia e tantos outros não são foco. Em países como estes, as línguas faladas são pouco relevantes na economia mundial. Ninguém as fala com exceção de quem as tem como línguas maternas. Tensões étnicas não são novas em nenhum destes lugares. Ódio, autoritarismo ou violência muito menos. A história é longa. A diferença é a velocidade — de uma hora para a outra, pelas redes, boatos são espalhados espontaneamente ou por meio de uma máquina organizada para isto — e uma explosão se dá.

O Facebook já tem pelo menos um genocídio com seu nome.

A questão é simples: o algoritmo faz discurso de ódio circular com facilidade. Ele, o algoritmo, desmontou como a internet funcionava. Antes, pessoas precisavam buscar a informação que consumiriam. O algoritmo leva informação a elas. A nós. E, invariavelmente, é o tipo de material que atiça conflito. Assim como campanhas presidenciais como as de Jair Bolsonaro e Donald Trump utilizaram a ferramenta para ampliar o impacto de suas mensagens, outros movimentos autoritários no mundo já dominaram a técnica.

E a usam livremente. Muitas vezes, sem os holofotes da imprensa.

 

 

Fonte da Imagem: The Phantoms of the Brain by richworks on DeviantArt

domingo, 6 de dezembro de 2020

O NOVO PADRÃO DE CAMPANHAS ELEITORAIS

 


 

Não rir, nem se lamentar, nem odiar, mas compreender.

Baruch Espinoza

 

 

Muitas pessoas que se interessam por assuntos políticos estão impressionadas com alguns acontecimentos no âmbito planetário.

De fato, nos últimos 20 anos o mundo assistiu a uma espetacular ascensão de movimentos populistas de direita e extrema direita.

Partidos e movimentos de extrema direita em todo o mundo, particularmente na Europa, se sentiram à vontade para levantar a cabeça e fazer suas pregações extremistas, algumas vezes chegando ao poder em seus países.

Orbán na Hungria, o partido Lei e Justiça na Polônia, Kurs na Áustria, dentre outros, foram vencedores de processos realizados dentro de formatos democráticos considerados tradicionais.

As espetaculares vitórias eleitorais de Trump em 2016 e de Bolsonaro em 2018, além da vitória do Brexit, no início de 2020, podem ser considerados os pontos mais altos da ascensão do populismo de extrema direita.

Nos últimos tempos as ondas desse populismo extremista aparentemente estão refluindo em todo o planeta, porém a forma de fazer política nunca mais será a mesma.

A seguir veremos rapidamente quais foram as mudanças mais perceptíveis.

 

 

O Caldo de Cultura: As Redes Sociais

 

Sean Parker, primeiro financiador do Facebook, explica com funcionam as redes sociais:

Somos criaturas sociais, e nosso bem-estar depende, em boa parte, da aprovação dos que estão em volta. Ao contrário de outros animais, o homem nasce sem defesas e sem competências e continua assim por muitos anos. Desde o início, sua sobrevivência depende das relações que ele consegue estabelecer com os outros. O diabólico poder de atração das redes sociais se baseia nesse elemento primordial. Cada curtida é uma carícia maternal em nosso ego. A arquitetura do Facebook é toda sustentada sobre a nossa necessidade de reconhecimento”.

Ele continua: “Nós fornecemos a você uma pequena dose de dopamina, cada vez que alguém o curte, comenta uma foto ou um post, ou qualquer outra coisa sua. É um loop de validação social, exatamente o tipo de coisa que um hacker como eu poderia explorar, porque tira proveito de um ponto fraco da psicologia humana. Os inventores, os criadores, eu, Mark [Zuckerberg], Kevin Systrom, do Instagram, estávamos perfeitamente conscientes disso. E, mesmo assim, fizemos o que fizemos. E isso transforma literalmente as relações que as pessoas têm entre si e com a sociedade como um todo. Interfere provavelmente na produtividade, de certa maneira. Só Deus sabe qual o efeito que isso produz no cérebro de nossos filhos.”

O cliente ideal do Sean Parker, de Zuckerberg e de todos os outros criadores de redes sociais é um ser compulsivo, empurrado por uma força irresistível para voltar à plataforma dezenas, centenas, milhares de vezes por dia, fissurado por essas pequenas doses de dopamina da qual se tornou dependente. Um estudo nos EUA demonstrou que, em média, cada pessoa dá 2.617 toques por dia na tela do smartphone. Sem dúvida, não é o comportamento de uma pessoa que esteja sã de espírito. Está mais próximo do modo de agir de um junkie em fase terminal, que se “aplica”, ao longo do dia, seguidas doses de refresh e de likes.

 

 

O “Público Alvo” da Extrema Direita

 

Obviamente que as pessoas fissuradas por reconhecimento nas redes sociais não se identificam automaticamente com as ideias da Extrema Direita.

Quem é, então, o “Público Alvo” desses movimentos populistas de direita?

O filósofo alemão Peter Sloterdijk nos dá uma dica importante.

Em um livro publicado em 2006 ele constata que um sentimento irresistível atravessa todas as sociedades.

Esse sentimento é alimentado por aquelas pessoas que, com ou sem razão, pensam ter sido lesados, excluídos, discriminados ou insuficientemente ouvidos.

Historicamente a Igreja foi a primeira a perceber esse sentimento de cólera e canalizar essa imensa raiva acumulada.

Posteriormente, os partidos de esquerda tomaram a frente a partir do final do século XIX. Segundo o filósofo, estes últimos garantiram a função de “bancos de cólera” acumulando as energias que, em vez de serem gastas em um instante, poderiam ser investidas na construção de um projeto mais amplo.

Hoje, diz Sloterdijk, ninguém mais gerencia essa cólera que as pessoas acumulam.

A Igreja Católica, por exemplo, teve que abandonar seus tons apocalípticos, para se adaptar aos “tempos modernos” e a esquerda, de forma geral, se adaptou aos princípios da democracia liberal e às regras do mercado.

Como consequência, a cólera passou a se expressar de maneira cada vez mais desorganizada, dos movimentos antiglobalização às revoltas nos subúrbios.

Entre dez a quinze anos após o livro de Sloterdijk foi possível constatar que parte significativa dessa energia colérica foi canalizada de forma organizada pelos movimentos de extrema direita.

 

 

 

Como Isso Aconteceu?

 

O caso emblemático inicial, que alterou a forma de fazer política, aconteceu na Itália. No início dos anos 2000, um italiano especialista em marketing compreende que a internet irá revolucionar a política.

Ele, Gianroberto Casaleggio, contrata um comediante, Beppe Grillo, para o papel de primeiro avatar de carne e osso de um partido-algoritmo. Nasce, assim, o Movimento 5 Estrelas.

Na realidade o 5 Estrelas não é um partido político. É um blog extremamente centralizado por Casaleggio, que faz estrondoso sucesso abordando temas populares que estimulam o ressentimento com o establishment político. Casalleggio é o maestro dos algoritmos, selecionando os assuntos que terão engajamento de seu público e Grillo, famoso comediante, é a face viva, exagerando ao máximo os assuntos abordados.

O Movimento 5 Estrelas fez muito sucesso eleitoral, elegendo numerosas bancadas de deputados e conquistando as Prefeituras de Roma e Turim em 2016.

Esse novo formato de “fazer política” chamou a atenção de vários ideólogos de movimentos populistas de extrema direita (Dominic Cummings, Steve Bannon, Milo Yiannopoulos, Arthur Finkelstein, dentre outros).

Giuliano da Empoli, escritor italiano, denomina esses ideólogos de “Engenheiros do Caos” (*).

Bannon, por exemplo, fez muitas visitas à Itália para absorver conhecimentos e elaborar a estratégia de uma “internacional populista”.

O que foi captado na Itália foi aplicado, com adaptações, em vários lugares do planeta.

 

 

 

As Fake News

 

Os algoritmos das redes sociais são programados para oferecer aos usuários qualquer conteúdo capaz de atraí-los com maior frequência e por mais tempo.

Os algoritmos dos engenheiros do caos induzem os usuários a sustentar qualquer posição, razoável ou absurda, realista ou intergaláctica, desde que ela capte as aspirações e, principalmente, os medos dos eleitores.

Esta forma de fazer propaganda se alimenta sobretudo de emoções negativas, pois são essas que garantem maior participação dos eleitores. Daí o sucesso das fake News e teorias da conspiração.

O sucesso dessa nova forma de abordagem é medido pela capacidade de fazer explodir a cisão esquerda/direita para captar os votos de todos os revoltados e furiosos, e não apenas dos fascistas.

Por trás do aparente absurdo das fake News e das teorias da conspiração oculta-se uma lógica bastante sólida. Do ponto de vista dos líderes populistas e seus assessores, as verdades alternativas não são um simples instrumento de propaganda. Elas constituem um verdadeiro vetor de coesão.

Mencius Moldburd, famoso blogueiro da direita alternativa dos EUA, escreveu: “Por vários ângulos o absurdo é uma ferramenta organizacional mais eficaz que a verdade. Qualquer um pode crer na verdade, enquanto acreditar no absurdo é uma real demonstração de lealdade: a pessoa passa a possuir um uniforme virtual e pensa fazer parte de um exército”.

Assim, as lideranças de movimentos que agreguem fake News à construção de sua própria visão de mundo se destacam da manada dos comuns. Não são vistos como burocratas pragmáticos e fatalistas como os outros, mas como homens de ação, que constroem sua própria realidade para responder a anseios de seus seguidores.

 

 

 

A Destruição de Adversários

 

Arthur Finkelstein é um judeu homossexual de Nova York, apaixonado por ópera e literatura russa que milita, desde muito jovem, na ala dura do Partido Republicano dos EUA.

Seu método é o microtargeting, ou seja, análises demográficas sofisticadas e sondagens de boca de urna entre os eleitores das primárias dos EUA, que vão permitir identificar os diversos grupos para os quais devem ser enviadas mensagens segmentadas. A uns ele envia mensagens mais moderadas. Com outros envia mensagens pesadas, apontando certos aspectos do programa ou da personalidade dos candidatos que esses eleitores apoiam.

O verdadeiro talento de Finkelstein consiste não tanto em promover seu candidato, mas em destruir seus adversários. Ele desenvolve campanhas negativas, que jogam luzes nos defeitos de seus oponentes.

Ele transformou essa metodologia em uma arte que é copiada em vários locais do planeta.

 

 

 

Comunicação Segmentada

 

No modelo tradicional, a comunicação entre um candidato e seus eleitores alvo era (e é) muito limitada: se o candidato queria se comunicar com uma categoria ou grupo específico (base de sindicato, categoria empresarial, bairro, ...) tinha que fazer de forma pública. Se um candidato quisesse fazer uma comunicação para um público heterogêneo teria que utilizar termos moderados, para atrair o maior número possível de eleitores.

Atualmente, com a atuação de especialistas (físicos de dados, profissionais de TI, ...), a situação funciona de forma totalmente diferente. Esses profissionais identificam indivíduos ou pequenos grupos com características semelhantes e enviam mensagens customizadas para cada pessoa ou grupelho. Essas pessoas e grupos podem ter compreensões e comportamentos contraditórios entre si, porém nunca ficarão sabendo uns dos outros. O importante para os especialistas é convencê-los a votar no seu candidato ou não votar no candidato a ser destruído.

Essa nova forma de atuação política seria impensável sem a internet e as redes sociais.

 

 

 

Comentários Finais

 

Os atores com capacidade de liderança e visão estratégica continuam sendo fundamentais no jogo político.

Por outro lado, as redes sociais e a utilização de métodos científicos na comunicação via internet estão sendo cada vez mais decisivos na escolha dos eleitores. Para o bem ou para o mal.

É muito importante que as forças democráticas se apropriem dessas estratégias de comunicação com os eleitores, não só para se contrapor ao populismo de direita e extrema direita mas, principalmente, para fazer com que suas mensagens cheguem com qualidade a um número cada vez maior de pessoas.

Para que isso ocorra é fundamental que energias e recursos financeiros sejam direcionados para formação e organização de núcleos de especialistas em internet e tecnologia da informação.

Felizmente parece que estamos assistindo, no planeta, a um refluxo da onda de extrema direita e a um avanço dos ventos democráticos. Acredito que essa situação possa ser potencializada nos próximos anos.

Omar Rösler, dezembro de 2020.

 

(*) No livro “Os Engenheiros do Caos”, de Giulano da Empoli, ele explica didaticamente como as fake News, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. No presente texto tomei a liberdade de fazer citações literais desse livro. Sugiro fortemente sua leitura. Reitero agradecimento ao amigo Junico Antunes pela indicação deste livro.

 

Fonte da Imagem: https://nl.pinterest.com/pin/622059767269792755/

domingo, 6 de setembro de 2020

OS ENGENHEIROS DO CAOS

 


Se você quiser saber como as Fake News, as Teorias da Conspiração e os Algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ÓDIO, MEDO e influenciar ELEIÇÕES, a leitura do livro “OS ENGENHEIROS DOS CAOS”, de Giuliano Da Empoli, é fundamental.

Você vai entender perfeitamente como figuras improváveis, como Bolsonaro e Trump, tiveram sucesso eleitoral.

A seguir pequeno trecho do livro, para degustação:

““Somos criaturas sociais, e nosso bem-estar depende, em boa parte, da aprovação dos que estão em volta. Ao contrário de outros animais, o homem nasce sem defesas e sem competências e continua assim por muitos anos. Desde o início, sua sobrevivência depende das relações que ele consegue estabelecer com os outros. O diabólico poder de atração das redes sociais se baseia nesse elemento primordial. Cada curtida é uma carícia maternal em nosso ego. A arquitetura do Facebook é toda sustentada sobre a nossa necessidade de reconhecimento, como admite, tranquilamente, seu primeiro financiador, Sean Parker.

“Nós fornecemos a você uma pequena dose de dopamina, cada vez que alguém o curte, comenta uma foto ou um post, ou qualquer outra coisa sua. É um loop de validação social, exatamente o tipo de coisa que um hacker como eu poderia explorar, porque tira proveito de um ponto fraco da psicologia humana. Os inventores, os criadores, eu, Mark [Zuckerberg], Kevin Systrom, do Instagram, estávamos perfeitamente conscientes disso. E, mesmo assim, fizemos o que fizemos. E isso transforma literalmente as relações que as pessoas têm entre si e com a sociedade como um todo. Interfere provavelmente na produtividade, de certa maneira. Só Deus sabe qual o efeito que isso produz no cérebro de nossos filhos.”

Bem antes dos Bannon e dos Casaleggio, há o trabalho dos aprendizes de feiticeiro do Vale do Silício. O maquinário hiperpotente das redes sociais, suspenso sobre as molas mais primárias da psicologia humana, não foi concebido para nos confortar, mas, pelo contrário, veio à luz para nos manter num estado de incerteza e de carência permanente. O cliente ideal do Sean Parker, de Zuckerberg e de todos os outros é um ser compulsivo, empurrado por uma força irresistível para voltar à plataforma dezenas, centenas, milhares de vezes por dia, fissurado por essas pequenas doses de dopamina da qual se tornou dependente. Um estudo americano demonstrou que, em média, cada um de nós dá 2.617 toques por dia na tela de nosso smartphone. Sem dúvida, não é o comportamento de uma pessoa que esteja sã de espírito. Está mais próximo do modo de agir de um junkie em fase terminal, que se “aplica”, ao longo do dia, seguidas doses de refresh e de likes.””

 

Agradeço ao amigo Dr. Junico Antunes pela indicação e ao meu filho Henrique Zasso Rösler pela digitação.

 

Omar. 

Setembro de 2020 

 

Fonte da Imagem: https://br.pinterest.com/pin/674554850408950152/

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

NATAL: A ORIGEM!




A história do Natal começa, na verdade, pelo menos 7 mil anos antes do nascimento de Jesus. É tão antiga quanto a civilização e tem um motivo bem prático: celebrar o solstício de inverno, a noite mais longa do ano no hemisfério norte, que acontece no final de dezembro. Dessa madrugada em diante, o sol fica cada vez mais tempo no céu, até o auge do verão. É o ponto de virada das trevas para luz: o “renascimento” do Sol.
Num tempo em que o homem deixava de ser um caçador errante e começava a dominar a agricultura, a volta dos dias mais longos significava a certeza de colheitas no ano seguinte. E então era só festa. Na Mesopotâmia, a celebração durava 12 dias. Já os gregos aproveitavam o solstício para cultuar Dionísio, o deus do vinho e da vida mansa, enquanto os egípcios relembravam a passagem do deus Osíris para o mundo dos mortos.
Na China, as homenagens eram (e ainda são) para o símbolo do yin-yang, que representa a harmonia da natureza. Até povos antigos da Grã-Bretanha, mais primitivos que seus contemporâneos do Oriente, comemoravam: o forrobodó era em volta de Stonehenge, monumento que começou a ser erguido em 3100 a.C. para marcar a trajetória do Sol ao longo do ano.
A comemoração em Roma, então, era só mais um reflexo de tudo isso. Cultuar Mitra, o deus da luz, no 25 de dezembro era nada mais do que festejar o velho solstício de inverno – pelo calendário atual, diferente daquele dos romanos, o fenômeno na verdade acontece no dia 20 ou 21, dependendo do ano. Seja como for, o culto a Mitra chegou à Europa lá pelo século 4 a.C., quando Alexandre, o Grande, conquistou o Oriente Médio. Centenas de anos depois, soldados romanos viraram devotos da divindade. E ela foi parar no centro do Império.
Mitra, então, ganhou uma celebração exclusiva: o Festival do Sol Invicto. Esse evento passou a fechar outra farra dedicada ao solstício. Era a Saturnália, que durava uma semana e servia para homenagear Saturno, senhor da agricultura. “O ponto inicial dessa comemoração eram os sacrifícios ao deus.
Enquanto isso, dentro das casas, todos se felicitavam, comiam e trocavam presentes”, dizem os historiadores Mary Beard e John North no livro Religions of Rome (“Religiões de Roma”, sem tradução para o português). Os mais animados se entregavam a orgias – mas isso os romanos faziam o tempo todo. Bom, enquanto isso, uma religião nanica que não dava bola para essas coisas crescia em Roma: o cristianismo.
Os primeiros cristãos não estavam interessados em comemorações natalinas.
Não havia nenhum comando bíblico para fazê-lo e nenhuma data específica.
Mas, no século 4, quando as heresias concorrentes começaram a aparecer com força, houve uma necessidade de sublinhar o nascimento histórico de Cristo.
A primeira referência ao 25 de dezembro é de 336 d.C., no reinado do imperador Constantino, devoto de Mitra.
O mitraísmo era uma religião influente no exército romano.
Com o tempo, foram incorporados o Papai Noel, as renas etc. Os presentes surgiram na Idade Média, a partir de lendas nórdicas. 
O primeiro presépio do mundo teria sido montado em argila por São Francisco de Assis em 1223. Pegou. Quem não se emociona com aquela cena?
Uma colcha de retalhos muito bem urdida, chupada de outras tradições, sucesso absoluto há séculos.
Uma dica: guarde isso para você. Ninguém precisa de um chato metido a sabichão estragando a festa com choques de realidade e pavor.
...
A vida real já é suficientemente dura.
Feliz Natal. Com ou sem fake news.

Fonte do Texto: http://desacato.info/o-natal-e-a-mae-e-o-pai-das-fake-news-feliz-natal/
Fonte da Imagem:  https://www.flickr.com/photos/evenliu/46420340972