Lea Kaufman: "Soldadinhos de Chumbo" |
Os militares deixaram o poder na América Latina já há algumas décadas, mas paradoxalmente hoje governos civis muitas vezes recorrem a eles para resolver conflitos internos.
Hoje, quando o Estado de Direito parece se consolidar em países sul-americanos que até os anos 80 eram governados por ditaduras militares, ninguém quer estragar a festa trazendo à tona presságios ruins. Mas já há algum tempo vêm se alertando que o fim da ditadura militar na Argentina, no Brasil, no Chile, no Paraguai e no Uruguai deve ser comemorado sem baixar a guarda.
O temor é que as Forças Armadas recuperem um protagonismo na sociedade que poderia pôr em risco a democracia.
Nos casos da Argentina e no Paraguai, as Forças Armadas não têm mais a posição privilegiada que outrora ostentavam. No caso argentino, isso se dá porque a ditadura militar foi muito sangrenta e pelas próprias circunstâncias que levaram ao seu colapso.
"No Paraguai, o poder que os militares têm contrasta com o que eles têm em outros lugares, não porque sejam mais democráticos, mas porque sua esfera de influência é menor", afirma o pesquisador Thomas Otter, da Universidade Georg August de Göttingen e que vive na Bolívia.
"Os problemas são diferentes: no Paraguai há menos tráfico de drogas e os índices de criminalidade são mais baixos que nos países vizinhos", diz Otter, mencionando áreas tradicionalmente de responsabilidade da polícia.
O pesquisador Peter Alterkrüger, vice-diretor do Instituto Ibero-Americano de Berlim, e grande conhecedor da história paraguaia do século 20, discorda. Ele está convencido de que, apesar do tamanho reduzido e do pequeno orçamento, as Forças Armadas são a única instituição no país com capacidade de encarar a ameaça que são os cartéis de drogas e outras organizações criminosas, armadas até os dentes.
O Exército é a nova polícia?
"Se não for o Exército, quem vai enfrentá-los se a polícia é tão mal aparelhada?", questiona Alterkrüger, observando que uma das máximas da democracia paraguaia tem sido "fortalecer o papel civil das Forças Armadas".
Exatamente por isso deve-se perguntar de que forma evolui o crescente envolvimento dos militares na vida civil, não só no Paraguai. Para alguns analistas políticos, o caminho que tomaram as relações entre civis e militares em grande parte da América do Sul é motivo de preocupação.
"No passado, em momentos de crise, não eram poucas as pessoas que sonhavam que o Exército daria um golpe para restaurar a ordem. Mas agora é no âmbito da democracia que se recorre aos militares para reforçar a segurança interna", observa a pesquisadora Claudia Zilla, do Instituto Alemão de Relações Institucionais e de Segurança (SWP, na sigla em alemão).
"Ainda que oficiais das Forças Armadas já não assumam mais o poder político nem intervenham por conta própria, como faziam antigamente, o simples fato de certos governos apelarem aos militares em vez de à policia para resolver conflitos internos é um sério problema", diz.
A naturalidade com que o Exército brasileiro declara que a perda de vidas inocentes é inevitável na "guerra" contra traficantes nas favelas do Rio de Janeiro, a repressão violenta do movimento social Mapuche por parte da polícia militar chilena e outros excessos a que os militares parecem condenados por formação quando cumprem tarefas que não são deles evidenciam o que está em jogo quando se aborda o tema.
O risco de excessos militares e a falta de controle civil
Numa análise publicada em dezembro de 2010, Zilla também observou que, no Uruguai, a predominância de militares sobre os civis no comando do Ministério da Defesa compromete o controle público da instituição militar, uma situação que é compensada apenas pela existência, no Parlamento, de uma comissão para questões de segurança que tem ingerência sobre o orçamento das Forças Armadas.
Órgãos de fiscalização semelhantes existem na Argentina e no Chile, embora nem todas as fontes de renda do Exército chileno estejam sujeitas ao controle do poder legislativo.
"Mas seria muito fácil dizer que os militares são culpados pelo atual estado das coisas. Na maioria dos casos, é um governo democrático que decide concentrar tanto poder na mão das Forças Armadas e entrar numa relação de dependência tão assimétrica", declara Zilla, enfatizando a importância de estabelecer uma definição mais precisa das funções do Exército e de fortalecer o controle civil sobre os militares. Esses objetivos só podem ser alcançados se os governos promoverem abertamente uma política de segurança mais abrangente e transparente.
Autor: Evan Romero-Castillo (ms)
Revisão: Alexandre Schossler
Deutsche Welle
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