sábado, 5 de junho de 2010

Israel, um país sozinho


A situação em que vivem os palestinos é insustentável. O mundo todo, inclusive os Estados Unidos, sabe disso há muito tempo. Há pouco a acrescentar sobre sua penosa rotina, de falta de água, falta de comida, destruição de casas ou bombas sobre suas cabeças. Até mesmo Israel está ciente, melhor do que ninguém, das consequências danosas da sua ocupação das terras palestinas, que já dura 43 anos. Portanto não é o estado atual dos palestinos que pode definir o futuro do Oriente Médio. A chave de um futuro de paz para a região é o estado em que se encontra Israel. O que pode colocar um fim nesse conflito é Israel se convencer que sua situação atual é, assim como a dos palestinos, insustentável.

A desastrosa operação contra a frota de embarcações carregando ativistas em direção a Gaza, em que as forças de Israel mataram nove dos passageiros, isolou ainda mais o Estado judeu. Israel praticamente acabou com a amizade de décadas que desfrutava com a Turquia, uma democracia muçulmana integrante da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte). Os efeitos do abalo dessa relação, que já vinha se deteriorando, ficaram claros um dia após o ataque à frota. Israel mantinha as centenas de ativistas detidos, ameaçando inclusive indiciar boa parte deles criminalmente, quando o secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, exigiu a libertação de todos. Dentro da aliança militar ocidental, um ataque a um de seus membros é visto como um ataque a todo o bloco. A Turquia, de onde vieram todos os nove mortos, declarou a ação israelense como criminosa e pediu uma atitude da Otan. Israel não teve escolha: em poucas horas, acatou o pedido de Rasmussen e libertou os detidos.

Os danos à imagem de Israel não pararam por aí. A União Europeia condenou o ataque, e a Grã-Bretanha, que nos tempos de Tony Blair portava-se quase como um aliado incondicional de Israel, não mediu suas palavras. O ministro do Exterior, o conservador William Hague, exigiu uma investigação sobre o incidente e disse que o episódio mostrava que o bloqueio da Faixa de Gaza deveria acabar. Segundo Hague, a medida, imposta em 2007, depois que o grupo Hamas tomou o controle do território, tem efeito "sobre uma geração de jovens palestinos". Em outras palavras, Israel pode estar gerando novos militantes prontos para atacar o Estado judeu no futuro. Além de injusto com a população civil, o bloqueio estaria sendo, na visão britânica, prejudicial à própria segurança de Israel. O país parece também ter perdido parte de sua amizade com o Egito. O vizinho, primeiro país árabe com quem Israel assinou um acordo de paz, decidiu abrir indefinidamente o posto de Rafah, na fronteira com a Faixa de Gaza, como protesto contra o ataque em águas internacionais do Mediterrâneo. Com a medida, o bloqueio a Gaza passa a ser apenas israelense, e não uma ação conjunta com o governo egípcio. Para completar, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, também exigiu a suspensão do bloqueio a Gaza, alertando que o sofrimento dos seus 1,5 milhão de habitantes não pode continuar.

Mas Israel sempre pareceu ignorar a falta de aliados, desde que os Estados Unidos continuem do seu lado. Tal relação, entretanto, vem sendo abalada há meses, primeiro pela recusa israelense em atender o pedido do presidente Barack Obama para que interrompesse a construção de casas em territórios palestinos (Jerusalém Oriental inclusive). Washington estendeu a mão a Israel após o ataque no Mediterrâneo, garantindo que o pronunciamento do Conselho de Segurança da ONU fosse mais brando do que queriam outros membros. Mas a secretária de Estado Hillary Clinton foi clara ao falar da Faixa de Gaza: "A situação em Gaza é insustentável e inaceitável", disse Clinton, que nos últimos meses já vinha pressionando Israel a voltar à mesa de negociações com a Autoridade Palestina. Os Estados Unidos continarão sendo o melhor amigo de Israel no mundo, mas tal amizade não é mais incondicional, como nos tempos de George W. Bush. Além disso, o poder da maior potência do planeta é hoje relativamente menor, portanto Washington sabe que não pode manter o status quo no Oriente Médio por muito mais tempo.

Após transformar a aliada Turquia em um quase inimigo, perder a parceria do Egito no bloqueio a Gaza, provocar uma resposta indignada da Grã-Bretanha, testar a paciência dos Estados Unidos e causar um estado geral de ira no mundo, será que Israel ainda acredita ser possível viver sozinho, sem amigos? É verdade que, como bem lembrou a revista The Economist, o premiê conservador Stephen Harper fez do Canadá o mais novo e entusiasmado amigo de Israel. Mas o Canadá não tem influência nem relevância suficientes para melhorar a difícil situação do Estado judeu. Alguns países no mundo optaram pelo isolamento político e econômico, como Coréia do Norte e Eritreia. Israel sempre se orgulhou de ser uma democracia moderna, com fronteiras e economia abertas para o mundo, mas parece não ter percebido que sua situação atual é cada vez mais insustentável. Sem fronteiras oficialmente definidas, com um provável arsenal nuclear escondido da comunidade internacional, sem aliados entre seus vizinhos, cada vez mais distante de seus antigos amigos e com uma imagem negativa ao redor do mundo, Israel segue o caminho do isolamento. A paz, como todos sabem, fica na direção oposta.

Rogério Simões, BBC

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