A polêmica envolvendo a extradição de Cesare Battisti se resume a velho refrão: antipetismo e antiesquerdismo. Battisti foi condenado à revelia, sem qualquer prova técnica ou pericial, exclusivamente com base nos depoimentos de uma testemunha interesseira, Pietro Mutti, envolvido nos fatos, que o acusou para ser beneficiado pelos mecanismos da delação premiada. Battisti viveu anos livre na França, durante os governos de François Mitterrand, onde trabalhou, casou-se e teve duas filhas. A Itália não se revoltou contra essa situação nem usou o tom agressivo que dedicou ao Brasil. Quando a direita chegou ao poder na França, reviu o refúgio concedido a ele pelos socialistas. Battisti acabou fugindo para o Brasil. Síntese da ópera: em qualquer lugar, a esquerda dá asilo a quem foi condenado por crimes políticos em defesa de utopias de esquerda. A direita faz o mesmo com os seus. A França de esquerda protegeu Battisti. Já a França de direita, o perseguiu.
O governo italiano atual, de direita, quer trancafiá-lo. Vai oferecer-lhe um novo julgamento? Não. Os críticos de Tarso Genro dizem que, por ideologia, ele entregou os atletas cubanos e, por ideologia, teria decidido não entregar Battisti. Esses mesmos críticos, por ideologia, entregariam Battisti e, por ideologia, não entregariam os cubanos. Tarso Genro afirma que os cubanos não queriam ficar. Outra leitura é possível: o governo brasileiro errou no caso dos cubanos e está acertando no caso do Battisti. Alguns dizem que é preciso pensar nas vítimas. Nunca os vejo manifestar preocupação, por exemplo, com as vítimas do terrorismo de Estado de Israel. Não me venham com a conversa do antissemitismo. Israel tem todo o direito de existir e defender-se, mas não tem o direito de extrapolar na forma da sua defesa, nem de manter os palestinos numa prisão a céu aberto.
Battisti é defendido na França até por intelectuais não esquerdistas como Bernard-Henri Lévy, que conhece o processo como poucos. A direita gaúcha sonha em repetir com Tarso Genro o que fez com Olívio Dutra. A direita brasileira sonha que Dilma Rousseff adote posturas mais à esquerda para poder acusá-la de esquerdismo, chavismo, intransigência, fundamentalismos e outros clichês típicos do radicalismo e da intransigência xiita da direita que a caracterizaram quando tinha o "monopólio da fala" na mídia. A grande arte de Lula foi não ter dado espaço para a aplicação desses rótulos fáceis. A direita é astuta. Condenava o PT por não fazer alianças. Depois, passou a condená-lo por fazer alianças. Battisti é um inocente útil no desejo ideológico de alguns de atingir o petismo.
Organismos internacionais de Direitos Humanos cobram do Brasil atitudes em relação aos crimes da ditadura militar. Não vejo os defensores da extradição de Battisti clamando pela punição dos torturadores do regime de 1964 que passeiam pelas nossas ruas. O Supremo Tribunal Federal nada mais tem a dizer no caso Battisti. Já votou e entregou a decisão final ao presidente Lula. Cabe-lhe agora emitir o alvará de soltura e ir trabalhar mais.
Juremir Machado da Silva | juremir@correiodopovo.com.br
Correio do Povo
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