quinta-feira, 20 de maio de 2010

Mortes na ditadura levam Estado brasileiro pela primeira vez a júri internacional

Foto de 1968 mostra detenção de suspeito durante a ditadura brasileira:

Familiares tentam desde 1982 obter informações sobre o desaparecimento de militantes da Guerrilha do Araguaia. Briga chega agora à Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos.

O Estado brasileiro vai ao banco dos réus pela primeira vez na Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA). A queixa se refere a uma fase antiga da história, mas com capítulos ainda secretos: o desaparecimento de guerrilheiros durante a ditadura militar, em vigor entre 1964 e 1985. Os julgamentos acontecem nesta quinta e sexta-feira (20 e 21/05), em São José da Costa Rica.

O governo brasileiro é acusado pelo desaparecimento forçado de pelo menos 70 pessoas, pela impunidade dos crimes e pelo não-esclarecimento da verdade sobre o que aconteceu com a Guerrilha do Araguaia. A decisão da Corte deve ser apresentada em até sete meses.

Entre as testemunhas a favor do governo estão o ex-ministro da Justiça José Gregori e o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Paulo Sepúlveda Pertence e, como perito, o ministro Gilson Dipp, corregedor do Conselho Nacional de Justiça.

A Corte foi acionada em 1995 e aceitou o processo um ano depois. Os familiares dos guerrilheiros são representados pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional, pelo Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, e pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos de São Paulo.

As representantes das vítimas pedem que a corte determine que o Estado brasileiro investigue e processe os perpetradores das violações, determinando as responsabilidades. E que, para tanto, deixe de usar a lei de anistia que impede a investigação dos fatos e a confirmação dos responsáveis pelas graves violações aos direitos humanos

Histórico da luta judicial

Segundo o relatório da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o governo brasileiro, desde a manifestação no processo recebido em 26 de junho de 1996, reconhece a responsabilidade pelos fatos denunciados. No entanto, o Estado alega que há recursos internos ainda não esgotados.

Em 1982, diante da omissão do Estado e à falta de informação sobre os desaparecidos, 22 familiares representando 25 vítimas iniciaram uma ação na Justiça Federal brasileira. Eles cobravam a localização e o traslado dos restos mortais das vítimas, além do esclarecimento das circunstâncias de seus desaparecimentos.

Diante da demora do processo, os familiares então resolveram acionar a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O governo brasileiro, por outro lado, alegou para a Comissão que o procedimento judicial iniciado em 1982, embora leve muitos anos, está tendo seu trâmite regular – segundo as normas brasileiras.

Ainda em 1995, a aprovação da lei 9.140 reconheceu os desaparecidos políticos como mortos e concedeu indenização de 100 a 150 mil reais para familiares das vítimas. Mas a punição dos culpados, segundo explicação oficial dada à Comissão, é impossibilitada segundo a Lei de Anistia, adotada em 1979 e ainda em vigor.

Guerrilha do Araguaia

As operações do governo militar para erradicar a chamada Guerrilha do Araguaia aconteceram entre 1972 e 1975. A região, próxima ao rio Araguaia, na divisa entre os estados do Pará, Maranhão e Tocantins, abrigava homens e mulheres ligados ao Partido Comunista do Brasil (PC do B), e camponeses locais que optaram pela luta armada.

Naquele período, os agentes da ditadura foram responsáveis por detenções ilegais e arbitrárias, torturas (muitos tiveram mãos e cabeças cortadas), execuções sumárias e desaparecimentos forçados, constituindo em graves violações aos direitos humanos.

Há 18 anos, os familiares dos desaparecidos brigam na Justiça para esclarecer as mortes, bem como a localização dos restos mortais e os respectivos atestados de óbito daqueles militantes.

Autora: Nádia Pontes
Revisão: Roselaine Wandscheer

Deutsche Welle

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