sexta-feira, 14 de maio de 2010

Documentário italiano satiriza Berlusconi em Cannes


Por James Mackenzie

CANNES (Reuters) - A comediante Sabina Guzzanti lança um ataque à moda de Michael Moore contra o sistema político italiano em documentário exibido no Festival de Cinema de Cannes, traçando um retrato alarmante de erosão democrática e mentiras oficiais.

"Draquila: Italy Trembles" (Draquila - A Itália treme) examina o que aconteceu após o terremoto que devastou a cidade medieval de L'Aquila no ano passado, motivando uma grande operação governamental de limpeza e reassentamento da população comandada pelo primeiro-ministro Silvio Berlusconi.

Ex-satirista da televisão e adversária vitalícia de Berlusconi, Guzzanti emprega algumas das técnicas cômicas usadas por Moore, embora seu estilo seja mais comedido que o do cineasta norte-americano independente.

Misturando clipes de TV, entrevistas e uma ou outra charge, a diretora critica a versão dos acontecimentos que apresenta Berlusconi como salvador de L'Aquila, sugerindo que, em lugar disso, o premiê teria aproveitado o desastre para reforçar seu poder e solapar a democracia.

"Eu estava trabalhando sobre outra coisa, mas alguém me contou umas histórias bizarras sobre coisas que estavam acontecendo em L'Aquila", contou Guzzanti à Reuters Television em entrevista. "Fiquei realmente chocada. Era algo muito grande, e ninguém estava sabendo de nada."

Antes mesmo de ser exibido, "Draquila" - um trocadilho, juntando o nome do vampiro ao da cidade - provocou controvérsia na Itália. O ministro da Cultura, Sandro Bondi, tachou o filme de "propaganda política que ofende a verdade e todo o povo italiano."

Ele declarou que deixaria de comparecer ao festival de Cannes, em protesto, mas o filme recebeu uma grande divulgação graças à investigação aberta na sexta-feira sobre casos suspeitos de corrupção em contratos públicos fechados na esteira do desastre.

SIGILO

"Todo o mundo disse 'por que fazer esse filme, já que o terremoto terá sido esquecido no ano que vem?'", disse Guzzanti. "Mas ele é o assunto do momento agora, porque neste terremoto é possível enxergar todos os elementos de nossa crise.

Berlusconi - que no ano passado promoveu uma cúpula do G8 na cidade, a título de gesto de solidariedade com as vítimas - apontou para a resposta imediata à crise como um dos maiores êxitos de seu governo.

Mas Guzzanti o acusa de tentar criar uma estrutura de poder alternativa, enorme e sigilosa, através do abuso e ampliação dos dispositivos constitucionais que permitem que a Autoridade de Proteção Civil italiana a passar por cima das normas democráticas usuais, em casos de emergência.

"A gente não espera fazer uma descoberta tão enorme: que existe algo como um exército totalmente livre para criar leis e gastar tanto quanto quiser sem qualquer tipo de controle, dependente diretamente do primeiro-ministro", disse ela.

Depois do terremoto, a população da cidade devastada foi transferida para hotéis de beira-mar e acampamentos de barracas, onde sua gratidão inicial deu lugar a fúria com as restrições impostas, à medida que os meses se passaram e suas casas continuaram fechadas.

(Reportagem adicional de Tessa Unsworth)

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