sexta-feira, 21 de junho de 2024

LADEIRA ABAIXO

 


por Paulo Müzell*

Apesar da derrota de Bolsonaro em 2022, importante porque evitou o pior – a ampliação e a hegemonia da estupidez fascista do bolsonarismo entreguista -, decorridos os primeiros dezoito meses do governo Lula não há razões para otimismo.

Vivemos num período em que os partidos de direita e de extrema direita crescem em todo mundo: que a vitória de governos progressistas são raras exceções – a recente eleição de uma mulher de esquerda para a presidência do México é uma delas.

Lula, próximo de completar oitenta anos de vida, se elegeu por escassa margem de votos num cenário adverso. A direita e a extrema direita fascista têm ampla maioria no Congresso. O poder judiciário é, foi e sempre será conservador, um pilar de sustentação dos interesses patrimoniais da elite. O PT encolheu, perdeu consistência ideológica e relevância política. Junto com PSOL, tem uns poucos quadros lúcidos e ativos no cenário político nacional. Se fossemos nominá-los, a lista não preencheria os dedos de duas mãos.

A economia com Lula vai bem: PIB cresce moderadamente, desemprego e inflação baixos. Ainda assim, o Banco Central (leia-se Roberto Campos, agora o neto) teima em manter uma elevada taxa básica de juros, hoje mais de 6 por cento acima da inflação. Um absurdo. Esta é uma questão central porque a cada elevação de apenas um por cento da taxa, o caixa do Tesouro desembolsa 40 bilhões a mais para pagar os juros da dívida pública. Governo quer e precisa manter juros baixos; os rentistas o contrário, sempre querem lucrar mais. No confronto o governo é fraco, vacila. Nesta quebra de braços, o mercado vence e manda

*Paulo Müzell é economista.

quinta-feira, 13 de junho de 2024

ENCURRALADO

ENCURRALADO

(outra forma de contar a mesma coisa) 

 

Um amigo assumiu a direção de hospital psiquiátrico e me convidou para visitá-lo.

Em uma manhã com o céu encoberto e ameaçador, como iria passar por perto, decidi fazer a visita. 

Estacionei o carro em uma vaga bem em frente ao hospital e me dirigi à portaria do prédio, que ficava no final de uma fileira de árvores raquíticas. 

O silêncio era quase total, a não ser por estalidos que a velha casa que servia de manicômio emitia eventualmente. 

No que parecia ser uma recepção havia um velho balcão e em cima dele uma xícara de café ainda fumegante. 

Esperei um pouco e, como não vinha ninguém, apertei o botão de uma campainha de mesa, tipo sineta. 

O som da campainha reverberou pela casa e retornou com um eco. Ninguém se apresentou. 

Como não dispunha de muito tempo decidi entrar por um corredor com várias portas em ambos os lados, para ver se encontrava alguma pessoa. 

Quando estava no fundo do corredor escutei um ruído atrás de mim e, assustado, me virei rapidamente para ver o que era. 

Na minha frente estava um homenzarrão de aproximadamente dois metros de altura portando na mão direita uma grande faca de ponta curva. 

Tentei falar alguma coisa, porém da minha boca só saiu um grunhido abafado. 

O homem se aproximou rapidamente, em posição de ataque. 

Minha única saída era uma porta à minha direita que estava ligeiramente entreaberta. Me esgueirei por ela e vi que tinha outra porta que dava para um jardim. Corri até o jardim e o homem correu atrás de mim. 

Vi, então, que no final do jardim tinha uma escadaria. 

Corri até lá e subi o mais rapidamente possível, seguido pelo atacante, que parecia furioso. 

Entrei em um longo corredor que dava para outra porta. Penetrei nesse novo recinto e percebi, apavorado, que era uma sala sem outra saída. 

Corri para um canto, atrás de um armário, tentando desesperadamente me esconder. O homem com a faca me localizou e veio velozmente em minha direção, com expressão de vitória no olhar. 

Chegou bem perto de mim, levantou a faca e me entregou, dizendo: 

“Agora é tua vez!”.

segunda-feira, 20 de maio de 2024

A BATALHA DA ÁGUA

 

 

Foto de Yoshihiro Kimura

 

A matriarca e o patriarca da família Zaffari que se deslocaram do interior do Rio Grande do Sul para Porto Alegre foram muito sagazes.

Instalaram suas lojas em locais majoritariamente habitados ou com potencial de serem ocupados por segmentos das classes média e média alta.

Os supermercados Zaffari, com seu slogan "economizar é comprar bem" passaram a ser um ícone da classe média porto-alegrense.

Comprar bem, no senso comum de seus clientes, significa algo como comprar produtos de qualidade em ambientes agradáveis, com preços mais caros que a concorrência, selecionando “por cima” o público comprador.

Talvez a loja mais representativa desse conceito é o Zaffari Higienópolis.

Ao contrário de outras lojas até maiores, que se encontram em regiões que mesclam classes mais abastadas com pessoas com menor poder aquisitivo, esse supermercado está literalmente cercado por um público com uma média de poder aquisitivo que pode ser classificada como abastada.

Para algumas pessoas, visitar o Zaffari Higienópolis é um acontecimento social. Comparecem vestidos com esmero ou, mais recentemente, ostentando uniformes completos de frequentadores de academias de musculação e similares. Exceto, às vezes, sapato de salto alto substituindo o tênis.

Existem inclusive horários em que é comum encontrar pessoas que vão até lá para ver se arrumam algum encontro de caráter não estritamente comercial. Isso eu só ouvi falar, não constatei pessoalmente, porém como esses comentários vieram de fontes variadas eu acreditei.

Nesse ambiente de gente bonita, inteligente e sincera (desculpa, Lulu Santos), fiquei impressionado durante a pandemia da COVID com a extrema necessidade das pessoas de se abastecer com quantidades enormes de papel higiênico.

Agora, nesta enchente de maio, aconteceu outra vez. Só que agora o papel higiênico ficou ofuscado pela busca por água.

Frequentadores do Zaffari Higienópolis enchiam seus carrinhos com água. Algumas pessoas faziam malabarismo para empurrar mais de um carrinho repleto do líquido precioso.

Até que faltou. Gôndolas de água vazias.

A gestão do supermercado passou a racionar a venda de água.

Os clientes começaram a se olhar de forma desconfiada.

Literalmente algumas pessoas rosnavam umas para as outras.

Senhores veteranos, bem-vestidos com calças com friso impecável e sapatos lustrados, tentavam uma forma de furar a fila da água, que já estava quase saindo para fora da loja.

O processo civilizador ficou congelado durante alguns dias, até que a água começou a retornar nas torneiras das residências.

Aí voltou a “normalidade”, com as pessoas reaprendendo a dizer por favor, com licença, obrigado e desculpa. As tais palavrinhas mágicas...

Ainda bem que lá fora, nos locais críticos, a solidariedade imperou.

Tivemos um verdadeiro tsunami de doações para os alagados, bem como uma enorme avalanche de voluntariado.

Não tenho como avaliar a quantidade de clientes do Zaffari Higienópolis que se dedicaram de alguma forma a apoiar os necessitados nesta tragédia terrível pela qual estamos passando.

Com certeza alguns apoiaram.

 

quinta-feira, 4 de abril de 2024

Fim da Impunidade aos torturadores

 

Imagem: Sébastien Norblin, Antígona dando enterro a Polinices, 1825 (Wikimedia Commons)


(texto de 2013, continua atual)

 

Luis Fernando Verissimo - O Estado de S.Paulo (04 de abril de 2013)


Sempre é bom começar citando Hegel. Porque dá uma certa classe ao texto e porque, a partir de Hegel, você pode ir para qualquer lado, para a esquerda e ou para direita. Marx afiou suas teses criticando e às vezes assimilando Hegel, e Hegel, ao mesmo tempo em que sacudia o pensamento conservador europeu, era o exemplo mais acabado do que Marx abominava, o filósofo que explicava o mundo em vez de tentar mudá-lo. Mas minha citação de Hegel não tem nada a ver com esta divisão, mesmo porque é uma que todo o mundo - a partir da redescoberta da peça no século 18 - endossaria. Hegel disse que a Antígona de Sófocles era o mais sublime produto da mente humana, e sua heroína a mais admirável personagem, da História.


Escrita 400 anos antes de Cristo, a peça conta a história da filha de Édipo. Rei de Tebas, com a sua mulher (e mãe, lembra?) Jocasta. Antígona quer enterrar seu irmão, morto num ataque a Tebas, contrariando as ordens do rei Creonte, para quem o corpo do traidor, que permanecerá insepulto, pertence ao Estado e não à sua família. Antígona rouba o corpo do irmão para que sua alma, sem os ritos fúnebres, não se perca no mundo dos mortos, e o sepulta no meio da noite. Para punir sua desobediência, Creonte a condena a ser enterrada viva. Muitos conflitos são desnudados na peça mas o principal dele é entre o Estado e o indivíduo, entre a lei fria e costumes antigos, entre o direito do soberano e o direito do sangue comum. O fascínio da peça para Hegel e outros tem muito a ver com o renascente interesse pela cultura grega na Europa de então, mas também com a revolução que acontecia nas relações Estado/cidadão no explosivo começo do século 19.


A história de Antígona se adapta ao momento no Brasil, quando se tenta investigar o que permanece simultaneamente enterrado e insepulto no nosso passado, tantos anos depois do fim da ditadura. Os corpos ainda não foram devolvidos às suas famílias, os direitos do sangue ainda não se impuseram aos direitos do Estado algoz, os ritos fúnebres de muitos continuam restritos à imaginação de novas Antígonas, tão trágicas quanto a Antígona grega. Os arquivos da ditadura estão sendo aos poucos desenterrados. Já passou da hora de abrir as outras sepulturas.

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

A GEOPOLÍTICA EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO


 

Hoje, 22 de fevereiro de 2024, li duas notícias que considerei portadoras de informações relevantes a respeito da geopolítica mundial.

Algumas pessoas poderão achar engraçado – eu achei – porém sem dúvida é um assunto sério.

Aí vai:

“No sábado, faz dois anos que a Rússia invadiu a Ucrânia. Serão também dois anos de um vexame de previsões erradas sobre a economia russa.

O PIB do país de Vladimir Putin cresceu 3,6% em 2023. Na zona do euro, o crescimento deve ter sido 0,6%. No Brasil, de 3%. Nos EUA, foi de 2,5%, ... .

O resumo prévio da ópera é que Putin driblou sanções, no curto ou no médio prazo pode sustentar a guerra e consegue tocar um plano de descolamento do Ocidente.”

Esses três parágrafos acima foram copiados deste artigo da Folha de São Paulo: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2024/02/economia-russa-cresce-e-pode-sustentar-a-guerra-de-putin-por-muito-tempo.shtml

Outra ocorrência interessante:

“Componentes produzidos por empresas sediadas nos Estados Unidos e na Europa foram encontrados em um míssil norte-coreano lançado pela Rússia que caiu na Ucrânia, revela um relatório da organização Conflict Armament Research (CAR),com sede em Londres.

O míssil balístico de procedência da Coreia do Norte caiu na cidade ucraniana de Kharkiv no início de janeiro e continha 290 peças eletrônicas que não provinham do país do leste asiático, mas de 26 empresas de oito nações, a maioria delas ocidentais, como Estados Unidos e Alemanha.

Além disso, metade dos componentes documentados continham códigos de datas, sendo que em 75% deles foi possível identificar produção entre 2021 e 2023. Segundo o CAR, a partir desses dados, é possível concluir que, provavelmente, a arma não tenha sido montada antes de março de 2023. Ou seja: ela teria sido enviada à Rússia após o início da guerra na Ucrânia, que começou em fevereiro de 2022.”

Esses últimos três parágrafos foram copiados do seguinte artigo da Deutsche Welle: https://www.dw.com/pt-br/componentes-ocidentais-s%C3%A3o-encontrados-em-m%C3%ADssil-da-coreia-do-norte/a-68332122

Como todo mundo sabe, a Coreia do Norte é um dos países mais boicotados pelo Ocidente.

Aparentemente os boicotes e sanções dos outrora mais poderosos países ocidentais e mundiais, atualmente são um grande fiasco.

Omar 


Fonte da Imagem: Internet