quarta-feira, 5 de maio de 2010

Deserto de Caráter


JC e-mail 4002, de 04 de Maio de 2010.

Deserto de caráter, artigo de José Monserrat Filho

Texto responde a nota publicada na edição de 5 de maio da "Veja". Segundo o autor, a revista deturpou o sentido de carta-consulta do MCT que procurou listar os pesquisadores brasileiros de origem árabe para futuros e eventuais programas e projetos de cooperação

José Monserrat Filho é o chefe da Assessoria de Assuntos Internacionais (Assin) do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Artigo enviado pelo autor ao "JC e-mail":


De 8 a 12 de março deste ano, após visitar o Irã, o ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, esteve na Jordânia, onde conheceu instituições de ciência e tecnologia e conversou com cientistas daquele país. Ele regressou convencido das boas perspectivas de cooperação em CT&I não só com a Jordânia, mas também com outros países árabes. E concluiu que os pesquisadores brasileiros de origem árabe poderiam participar deste esforço de aproximação e de trabalho conjunto em áreas de interesse comum entre o Brasil e os países árabes.

Precisávamos, então, saber quem são e em que instituições trabalham estes pesquisadores brasileiros. Conversamos a respeito e ocorreu-me enviar de uma carta-consulta a uma longa lista de diretores e lideranças de universidades, centros de pesquisas, entidades públicas e privadas, bem como de organizações e sociedades científicas.

A mensagem-padrão estava assim redigida:

"Prezado Senhor,

A Assessoria de Assuntos Internacionais do Ministério da Ciência e Tecnologia (Assin) está realizando um levantamento dos pesquisadores e cientistas de origem árabe que trabalham hoje no Brasil, tendo em vista o desenvolvimento de programas e projetos de cooperação em ciência e tecnologia entre o nosso País e os Países árabes.

Muito agradeceria se pudesse nos ajudar nesta tarefa, enviando-nos os nomes que conheça de pesquisadores e cientistas de ascendência árabe, com a respectiva área de estudo e a instituição onde trabalham atualmente. Estamos certos de que estes especialistas poderão prestar relevante serviço aos esforços de colaboração entre o Brasil e os Países árabes, muitos dos quais são donos de uma rica herança no campo do conhecimento científico e tecnológico.


Peço enviar as informações solicitadas para o e-mail [da Assessoria de Assuntos Internacionais do MCT]. Atenciosamente."


Semanas depois, um repórter da "Veja" me ligou para perguntar sobre as razões da carta-consulta, que, segundo ele, teria sido recebida com estranheza por pesquisadores. Dei-lhe todas as informações solicitadas. Inclusive o número de pesquisadores já listados até aquele momento - número este que aumentou bastante desde então.

Frisei que nosso objetivo era saber quem entre os cientistas brasileiros poderiam, eventualmente, nos auxiliar em programas e projetos de cooperação em ciência, tecnologia e inovação com os países árabes. O conhecimento da cultura e dos costumes locais desempenha papel por vezes essencial na troca de informações, nos seminários e eventos, bem como na conclusão de acordos. O jornalista quis saber se a consulta tinha algo a ver com o Irã. Expliquei-lhe que os iranianos não são árabes.

Imaginei, pela reação do repórter, que tudo tivesse ficado esclarecido.

Ledo engano. Ao ler a edição da "Veja" de 5 de maio, deparei-me, na coluna "Panorama - Holofote", à página 62, com a seguinte nota, que faço questão de transcrever na íntegra:

"Deserto de ideias

O ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, teve uma iluminação no deserto. Em uma visita ao Irã e à Jordânia, decidiu identificar os cientistas brasileiros de origem árabe. Para agradar aos novos parceiros do Itamaraty, expediu ofício para universidades cobrando a informação. Os pedidos espantaram a academia, que teme misturar conhecimento com etnia e religião. Ainda assim, foram atendidos. Resultado: são dezoito os pesquisadores de origem árabe. Uma pequena informação ao ministro Rezende: iranianos não são árabes."


Alguns pesquisadores já me telefonaram a respeito. Uns ressaltaram a "má fé" da nota. Outros disseram que "desta revista não se poderia esperar outra coisa". Um chegou a afirmar que "eles destilam veneno o tempo todo". Houve ainda quem, aludindo ao título da nota, falasse em "deserto de caráter".

O incrível é que uma nota como esta seja publicada numa revista que se autoproclama "indispensável". Fica a pergunta: indispensável para quê? E para quem?

Jornal da Ciência

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