Não rir, nem se lamentar, nem odiar, mas
compreender.
Baruch Espinoza
Muitas pessoas que se
interessam por assuntos políticos estão impressionadas com alguns acontecimentos
no âmbito planetário.
De fato, nos últimos 20 anos o
mundo assistiu a uma espetacular ascensão de movimentos populistas de direita e
extrema direita.
Partidos e movimentos de
extrema direita em todo o mundo, particularmente na Europa, se sentiram à
vontade para levantar a cabeça e fazer suas pregações extremistas, algumas
vezes chegando ao poder em seus países.
Orbán na Hungria, o partido
Lei e Justiça na Polônia, Kurs na Áustria, dentre outros, foram vencedores de
processos realizados dentro de formatos democráticos considerados tradicionais.
As espetaculares vitórias
eleitorais de Trump em 2016 e de Bolsonaro em 2018, além da vitória do Brexit,
no início de 2020, podem ser considerados os pontos mais altos da ascensão do
populismo de extrema direita.
Nos últimos tempos as ondas
desse populismo extremista aparentemente estão refluindo em todo o planeta,
porém a forma de fazer política nunca mais será a mesma.
A seguir veremos rapidamente
quais foram as mudanças mais perceptíveis.
O Caldo de Cultura: As Redes
Sociais
Sean Parker, primeiro
financiador do Facebook, explica com funcionam as redes sociais:
“Somos criaturas sociais, e nosso bem-estar depende,
em boa parte, da aprovação dos que estão em volta. Ao contrário de outros
animais, o homem nasce sem defesas e sem competências e continua assim por
muitos anos. Desde o início, sua sobrevivência depende das relações que ele
consegue estabelecer com os outros. O diabólico poder de atração das redes
sociais se baseia nesse elemento primordial. Cada curtida é uma carícia
maternal em nosso ego. A arquitetura do Facebook é toda sustentada sobre a
nossa necessidade de reconhecimento”.
Ele continua: “Nós fornecemos a você uma pequena
dose de dopamina, cada vez que alguém o curte, comenta uma foto ou um post, ou
qualquer outra coisa sua. É um loop de validação social, exatamente o
tipo de coisa que um hacker como eu poderia explorar, porque tira proveito de
um ponto fraco da psicologia humana. Os inventores, os criadores, eu, Mark
[Zuckerberg], Kevin Systrom, do Instagram, estávamos perfeitamente conscientes
disso. E, mesmo assim, fizemos o que fizemos. E isso transforma literalmente as
relações que as pessoas têm entre si e com a sociedade como um todo. Interfere
provavelmente na produtividade, de certa maneira. Só Deus sabe qual o efeito
que isso produz no cérebro de nossos filhos.”
O cliente ideal do Sean Parker, de Zuckerberg e de
todos os outros criadores de redes sociais é um ser compulsivo, empurrado por
uma força irresistível para voltar à plataforma dezenas, centenas, milhares de
vezes por dia, fissurado por essas pequenas doses de dopamina da qual se tornou
dependente. Um estudo nos EUA demonstrou que, em média, cada pessoa dá 2.617
toques por dia na tela do smartphone. Sem dúvida, não é o comportamento de uma
pessoa que esteja sã de espírito. Está mais próximo do modo de agir de um junkie em fase terminal, que se
“aplica”, ao longo do dia, seguidas doses de refresh e de likes.
O “Público
Alvo” da Extrema Direita
Obviamente que as
pessoas fissuradas por reconhecimento nas redes sociais não se identificam
automaticamente com as ideias da Extrema Direita.
Quem é, então, o
“Público Alvo” desses movimentos populistas de direita?
O filósofo alemão
Peter Sloterdijk nos dá uma dica importante.
Em um livro
publicado em 2006 ele constata que um sentimento irresistível atravessa todas
as sociedades.
Esse sentimento é
alimentado por aquelas pessoas que, com ou sem razão, pensam ter sido lesados,
excluídos, discriminados ou insuficientemente ouvidos.
Historicamente a
Igreja foi a primeira a perceber esse sentimento de cólera e canalizar essa
imensa raiva acumulada.
Posteriormente, os
partidos de esquerda tomaram a frente a partir do final do século XIX. Segundo
o filósofo, estes últimos garantiram a função de “bancos de cólera” acumulando
as energias que, em vez de serem gastas em um instante, poderiam ser investidas
na construção de um projeto mais amplo.
Hoje, diz
Sloterdijk, ninguém mais gerencia essa cólera que as pessoas acumulam.
A Igreja Católica,
por exemplo, teve que abandonar seus tons apocalípticos, para se adaptar aos
“tempos modernos” e a esquerda, de forma geral, se adaptou aos princípios da
democracia liberal e às regras do mercado.
Como consequência, a
cólera passou a se expressar de maneira cada vez mais desorganizada, dos
movimentos antiglobalização às revoltas nos subúrbios.
Entre dez a quinze
anos após o livro de Sloterdijk foi possível constatar que parte significativa
dessa energia colérica foi canalizada de forma organizada pelos movimentos de
extrema direita.
Como Isso
Aconteceu?
O caso emblemático
inicial, que alterou a forma de fazer política, aconteceu na Itália. No início
dos anos 2000, um italiano especialista em marketing compreende que a internet
irá revolucionar a política.
Ele, Gianroberto
Casaleggio, contrata um comediante, Beppe Grillo, para o papel de primeiro
avatar de carne e osso de um partido-algoritmo. Nasce, assim, o Movimento 5
Estrelas.
Na realidade o 5
Estrelas não é um partido político. É um blog extremamente centralizado por Casaleggio,
que faz estrondoso sucesso abordando temas populares que estimulam o
ressentimento com o establishment político. Casalleggio é o maestro dos
algoritmos, selecionando os assuntos que terão engajamento de seu público e
Grillo, famoso comediante, é a face viva, exagerando ao máximo os assuntos
abordados.
O Movimento 5
Estrelas fez muito sucesso eleitoral, elegendo numerosas bancadas de deputados
e conquistando as Prefeituras de Roma e Turim em 2016.
Esse novo formato de
“fazer política” chamou a atenção de vários ideólogos de movimentos populistas
de extrema direita (Dominic Cummings, Steve Bannon, Milo
Yiannopoulos, Arthur Finkelstein, dentre outros).
Giuliano da Empoli,
escritor italiano, denomina esses ideólogos de “Engenheiros do Caos” (*).
Bannon, por exemplo,
fez muitas visitas à Itália para absorver conhecimentos e elaborar a estratégia
de uma “internacional populista”.
O que foi captado na
Itália foi aplicado, com adaptações, em vários lugares do planeta.
As Fake News
Os algoritmos das
redes sociais são programados para oferecer aos usuários qualquer conteúdo
capaz de atraí-los com maior frequência e por mais tempo.
Os algoritmos dos
engenheiros do caos induzem os usuários a sustentar qualquer posição, razoável
ou absurda, realista ou intergaláctica, desde que ela capte as aspirações e,
principalmente, os medos dos eleitores.
Esta forma de fazer
propaganda se alimenta sobretudo de emoções negativas, pois são essas que
garantem maior participação dos eleitores. Daí o sucesso das fake News e
teorias da conspiração.
O sucesso dessa nova
forma de abordagem é medido pela capacidade de fazer explodir a cisão
esquerda/direita para captar os votos de todos os revoltados e furiosos, e não
apenas dos fascistas.
Por trás do aparente
absurdo das fake News e das teorias da conspiração oculta-se uma lógica
bastante sólida. Do ponto de vista dos líderes populistas e seus assessores, as
verdades alternativas não são um simples instrumento de propaganda. Elas
constituem um verdadeiro vetor de coesão.
Mencius Moldburd,
famoso blogueiro da direita alternativa dos EUA, escreveu: “Por vários ângulos
o absurdo é uma ferramenta organizacional mais eficaz que a verdade. Qualquer
um pode crer na verdade, enquanto acreditar no absurdo é uma real demonstração de
lealdade: a pessoa passa a possuir um uniforme virtual e pensa fazer parte de
um exército”.
Assim, as lideranças
de movimentos que agreguem fake News à construção de sua própria visão de mundo
se destacam da manada dos comuns. Não são vistos como burocratas pragmáticos e
fatalistas como os outros, mas como homens de ação, que constroem sua própria
realidade para responder a anseios de seus seguidores.
A Destruição
de Adversários
Arthur Finkelstein é
um judeu homossexual de Nova York, apaixonado por ópera e literatura russa que
milita, desde muito jovem, na ala dura do Partido Republicano dos EUA.
Seu método é o
microtargeting, ou seja, análises demográficas sofisticadas e sondagens de boca
de urna entre os eleitores das primárias dos EUA, que vão permitir identificar
os diversos grupos para os quais devem ser enviadas mensagens segmentadas. A
uns ele envia mensagens mais moderadas. Com outros envia mensagens pesadas,
apontando certos aspectos do programa ou da personalidade dos candidatos que
esses eleitores apoiam.
O verdadeiro talento
de Finkelstein consiste não tanto em promover seu candidato, mas em destruir
seus adversários. Ele desenvolve campanhas negativas, que jogam luzes nos
defeitos de seus oponentes.
Ele transformou essa
metodologia em uma arte que é copiada em vários locais do planeta.
Comunicação
Segmentada
No modelo tradicional,
a comunicação entre um candidato e seus eleitores alvo era (e é) muito
limitada: se o candidato queria se comunicar com uma categoria ou grupo
específico (base de sindicato, categoria empresarial, bairro, ...) tinha que
fazer de forma pública. Se um candidato quisesse fazer uma comunicação para um
público heterogêneo teria que utilizar termos moderados, para atrair o maior
número possível de eleitores.
Atualmente, com a
atuação de especialistas (físicos de dados, profissionais de TI, ...), a
situação funciona de forma totalmente diferente. Esses profissionais
identificam indivíduos ou pequenos grupos com características semelhantes e
enviam mensagens customizadas para cada pessoa ou grupelho. Essas pessoas e
grupos podem ter compreensões e comportamentos contraditórios entre si, porém
nunca ficarão sabendo uns dos outros. O importante para os especialistas é
convencê-los a votar no seu candidato ou não votar no candidato a ser
destruído.
Essa nova forma de
atuação política seria impensável sem a internet e as redes sociais.
Comentários
Finais
Os atores com capacidade
de liderança e visão estratégica continuam sendo fundamentais no jogo político.
Por outro lado, as
redes sociais e a utilização de métodos científicos na comunicação via internet
estão sendo cada vez mais decisivos na escolha dos eleitores. Para o bem ou
para o mal.
É muito importante
que as forças democráticas se apropriem dessas estratégias de comunicação com
os eleitores, não só para se contrapor ao populismo de direita e extrema
direita mas, principalmente, para fazer com que suas mensagens cheguem com qualidade
a um número cada vez maior de pessoas.
Para que isso ocorra
é fundamental que energias e recursos financeiros sejam direcionados para formação e
organização de núcleos de especialistas em internet e tecnologia da informação.
Felizmente parece
que estamos assistindo, no planeta, a um refluxo da onda de extrema direita e a
um avanço dos ventos democráticos. Acredito que essa situação possa ser potencializada
nos próximos anos.
Omar Rösler, dezembro de 2020.
(*)
No livro “Os Engenheiros do Caos”, de Giulano da Empoli, ele explica didaticamente
como as fake News, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo
utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. No presente texto
tomei a liberdade de fazer citações literais desse livro. Sugiro
fortemente sua leitura. Reitero agradecimento ao amigo Junico Antunes pela indicação deste livro.
Fonte da Imagem: https://nl.pinterest.com/pin/622059767269792755/