http://www.joannaseikalyartgallery.com/wp-content/gallery/mansour-el-habre/Football_acrylic2010_50x60cm.jpg |
No verão de 1942, a Ucrânia é administrada pelos nazistas
com a brutalidade que os caracteriza. No entanto, os alemães quiseram organizar
partidas de futebol entre os diferentes países ocupados ou satelitizados no
Leste. E eis que uma equipe logo de distingue, acumulando vitórias contra seus
adversários romenos ou húngaros: o FC Start, montado às pressas a partir da
ossatura do defunto Dínamo de Kiev, proibido desde o início da ocupação, mas
cujos jogadores foram chamados de volta para a ocasião.
A notícia dos sucessos dessa equipe chega aos alemães,
que decidem organizar uma partida de prestígio em Kiev, entre a equipe local e
a equipe da Luftwaffe. Os jogadores ucranianos são obrigados, no momento da
apresentação das equipes, a fazer a saudação nazista.
No dia da partida, as duas equipes entram no estádio,
lotado, e os jogadores alemães estendem o braço, gritando: "Heil
Hitler!". Os ucranianos também estendem o braço, por certo para a decepção
do público que, evidentemente, vê na partida a ocasião de uma demonstração de
resistência simbólica ao invasor. Mas, em vez de pontuarem seu gesto com o
"Heil Hitler" convencionado, os jogadores fecham o punho, dobram o
braço sobre o peito e gritam: "Viva a cultura física!". O slogan,
impregnado de conotação soviética, faz o público delirar.
Mal iniciada a partida, um atacante ucraniano tem a perna
fraturada por um jogador alemão. Ora, na época não há reservas. O FC Start deve
assim jogar com dez. Em superioridade numérica os alemães abrem o placar. A
situação parece bem difícil, mas os jogadores de Kiev não desistem. Conseguem o
empate, para a alegria da multidão. Depois marcam um segundo gol, que faz o
estádio explodir.
No intervalo, o general Eberhardt, superintendente de
Kiev, vai visitar os jogadores ucranianos no vestiário e lhes faz este
discurso: "Bravo, vocês jogaram muito bem e nós apreciamos. Só que agora
no segundo tempo, vocês devem perder. Devem! A equipe da Luftwaffe nunca foi
derrotada, especialmente em territórios ocupados. É uma ordem! Se vocês não
perderem, serão executados".
Os jogadores escutam em silêncio. De volta ao campo, sem
acordo prévio e após um breve momento de incerteza, eles tomam sua decisão: vão
jogar. Marcam um gol, depois mais um, acabam vencendo por cinco a um. O público
ucraniano delira. O lado alemão resmunga. Tiros são disparados no ar. Mas por
enquanto nenhum dos jogadores é ainda atingido, pois os alemães pretendem lavar
a afronta em campo.
Três dias depois, uma revanche é organizada e anunciada
através de uma grande quantidade de cartazes. Nesse meio tempo, os alemães
fazem vir com urgência jogadores profissionais de Berlim para reforçar a
equipe.
A segunda partida começa. O estádio está de novo lotado,
mas desta vez tropas da SS se postam ao redor, oficialmente a fim de manter a
ordem. Os alemães abrem outra vez o placar. Mas os ucranianos reagem e vencem
por cinco a três. No final da partida, a torcida ucraniana delira de alegria,
mas os jogadores estão lívidos. Os alemães disparam tiros, o campo é invadido.
Na confusão três jogadores desaparecem na multidão. Eles sobreviverão à guerra.
O resto da equipe é detido e quatro jogadores são imediatamente levados a Babi
Yar, onde são executados. Ajoelhado diante da cova, o capitão e goleiro Nicolaï
Trusevich tem tempo de gritar, antes de receber uma bala na nuca: "O
esporte vermelho não morrerá jamais!". Os outros jogadores serão a seguir
também assassinados. Hoje , um monumento lhes é dedicado diante do estádio do
Dínamo.
* Texto extraído do livro HHhH de Laurent Binet
(Companhia das Letras), gentilmente emprestado pelo amigo Cristóvão Feil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário