domingo, 15 de março de 2015

HISTÓRIA EXTRAORDINÁRIA *


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No verão de 1942, a Ucrânia é administrada pelos nazistas com a brutalidade que os caracteriza. No entanto, os alemães quiseram organizar partidas de futebol entre os diferentes países ocupados ou satelitizados no Leste. E eis que uma equipe logo de distingue, acumulando vitórias contra seus adversários romenos ou húngaros: o FC Start, montado às pressas a partir da ossatura do defunto Dínamo de Kiev, proibido desde o início da ocupação, mas cujos jogadores foram chamados de volta para a ocasião.

A notícia dos sucessos dessa equipe chega aos alemães, que decidem organizar uma partida de prestígio em Kiev, entre a equipe local e a equipe da Luftwaffe. Os jogadores ucranianos são obrigados, no momento da apresentação das equipes, a fazer a saudação nazista.

No dia da partida, as duas equipes entram no estádio, lotado, e os jogadores alemães estendem o braço, gritando: "Heil Hitler!". Os ucranianos também estendem o braço, por certo para a decepção do público que, evidentemente, vê na partida a ocasião de uma demonstração de resistência simbólica ao invasor. Mas, em vez de pontuarem seu gesto com o "Heil Hitler" convencionado, os jogadores fecham o punho, dobram o braço sobre o peito e gritam: "Viva a cultura física!". O slogan, impregnado de conotação soviética, faz o público delirar.

Mal iniciada a partida, um atacante ucraniano tem a perna fraturada por um jogador alemão. Ora, na época não há reservas. O FC Start deve assim jogar com dez. Em superioridade numérica os alemães abrem o placar. A situação parece bem difícil, mas os jogadores de Kiev não desistem. Conseguem o empate, para a alegria da multidão. Depois marcam um segundo gol, que faz o estádio explodir.

No intervalo, o general Eberhardt, superintendente de Kiev, vai visitar os jogadores ucranianos no vestiário e lhes faz este discurso: "Bravo, vocês jogaram muito bem e nós apreciamos. Só que agora no segundo tempo, vocês devem perder. Devem! A equipe da Luftwaffe nunca foi derrotada, especialmente em territórios ocupados. É uma ordem! Se vocês não perderem, serão executados".

Os jogadores escutam em silêncio. De volta ao campo, sem acordo prévio e após um breve momento de incerteza, eles tomam sua decisão: vão jogar. Marcam um gol, depois mais um, acabam vencendo por cinco a um. O público ucraniano delira. O lado alemão resmunga. Tiros são disparados no ar. Mas por enquanto nenhum dos jogadores é ainda atingido, pois os alemães pretendem lavar a afronta em campo.

Três dias depois, uma revanche é organizada e anunciada através de uma grande quantidade de cartazes. Nesse meio tempo, os alemães fazem vir com urgência jogadores profissionais de Berlim para reforçar a equipe.

A segunda partida começa. O estádio está de novo lotado, mas desta vez tropas da SS se postam ao redor, oficialmente a fim de manter a ordem. Os alemães abrem outra vez o placar. Mas os ucranianos reagem e vencem por cinco a três. No final da partida, a torcida ucraniana delira de alegria, mas os jogadores estão lívidos. Os alemães disparam tiros, o campo é invadido. Na confusão três jogadores desaparecem na multidão. Eles sobreviverão à guerra. O resto da equipe é detido e quatro jogadores são imediatamente levados a Babi Yar, onde são executados. Ajoelhado diante da cova, o capitão e goleiro Nicolaï Trusevich tem tempo de gritar, antes de receber uma bala na nuca: "O esporte vermelho não morrerá jamais!". Os outros jogadores serão a seguir também assassinados. Hoje , um monumento lhes é dedicado diante do estádio do Dínamo.


* Texto extraído do livro HHhH de Laurent Binet (Companhia das Letras), gentilmente emprestado pelo amigo Cristóvão Feil.

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