Mostrando postagens com marcador Sociedade Rural Brasileira. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Sociedade Rural Brasileira. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Atlas da Questão Agrária Brasileira, por Eduardo Paulon Girardi

Foto de Sebastião Salgado:

Amiga/o, tenho o prazer de comunicá-los que está on-line o Atlas da Questão Agrária Brasileira.

O Atlas é resultado da minha tese de doutorado, defendida em 2008 no Programa de Pós-Graduação da FCT/Unesp - Presidente Prudente sob a orientação do Prof. Bernardo Mançano Fernandes e com o apoio da FAPESP. O objetivo no trabalho foi a elaboração de um estudo sobre os principais temas da questão agrária no Brasil dando ênfase à sua expressão territorial. Foram analisados os problemas (pobreza, desflorestamento, concentração fundiária, violência no campo etc) e também a luta pela terra, a produção agropecuária, a dinâmica populacional e alguns aspectos da configuração territorial.

O diagnóstico e as proposições que o seguem são alicerçados na teoria sobre os modelos de desenvolvimento para o campo, sendo que nos posicionamos junto ao Paradigma da Questão Agrária. Isso possibilitou realizar uma leitura dos dois territórios divergentes da questão agrária: o campesinato X o latifúndio e agronegócio.

O Atlas compreende mais de 300 mapas, número este que será acrescido constantemente. Foram mapeadas as violências no campo e as ocupações e assentamentos desde o fim da década de 1970 e início da década de 1980. Sendo assim, o Atlas também é um banco de informações geográficas (mapas) sobre a luta pela terra no Brasil. Outro destaque é o mapeamento dos dados do INCRA agregados em escala municipal, o que evidencia que não há necessidade de ocupar novas áreas. Um resultado inédito é o mapa do Índice de Gini para os municípios brasileiros. Na conclusão apresento um mapa sinótico que comporta as principais estruturas territoriais da questão agrária brasileira. Espero que o Atlas possa contribuir com o movimento para o estabelecimento de um modelo de desenvolvimento que compreenda a necessária reforma agrária no Brasil. Além do Atlas, na tese também apresento uma proposta téorico-metodológica para a cartografia geográfica – a Cartografia Geográfica Crítica -, que certamente é de interesse mais específico dos geógrafos, os quais convido à discussão do tema.

Desde já, agradeço a todos(as) que tenham contribuído de alguma forma para o trabalho. Críticas, dúvidas e sugestões são bem-vindas para que o Atlas possa ser aprimorado.

Convido-os agora para uma vista ao Atlas em www.fct.unesp.br/nera/atlas

Se acharem conveniente, peço que ajudem a divulgar o endereço eletrônico. Obrigado.

Atenciosamente,
Eduardo Paulon Girardi, Geógrafo, e-mail: epgirardi@yahoo.com.br

EcoDebate

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

PARA VALER


Se a situação colonial evoca alguma coisa é a atual coexistência no Brasil do latifúndio sem proveito social ou econômico e as legiões de banidos da terra, com a Coroa portuguesa no papel do proprietário ausente.

Luis Fernando Verissimo

Numa carta ao O Estado de S. Paulo, o Sr. Cesário Ramalho da Silva, presidente da Sociedade Rural Brasileira, comentou um texto meu sobre a reforma agrária intitulado “Injustiça e desordem”, publicado aqui há semanas. O Sr. Cesário não gostou do texto. Nele eu lamentava a demora de uma reforma agrária para valer no país e o Sr. Cesário pergunta: “Que reforma agrária para valer seria essa que dilapidaria o setor do agronegócio, que segura as contas do país, com efeito multiplicador de gerar riqueza, emprego e renda para a indústria e os serviços?”. Segue dizendo que toda a nação já entendeu que o setor rural é o maior responsável pelo crescimento da economia brasileira, junto com a estabilização da moeda, salvo os que insistem num pensamento “ideológico” e atrasado sobre a questão – como, suponho, o meu. E recorre a uma analogia curiosa: “É como voltar ao tempo do Brasil colônia, onde nós, colonizados, não podíamos acumular riqueza porque tudo pertencia à Coroa portuguesa”. Parece-me que se a situação colonial evoca alguma coisa é a atual coexistência no Brasil do latifúndio sem proveito social ou econômico e as legiões de banidos da terra, com a Coroa portuguesa no papel do proprietário ausente. Não se quer a dilapidação de negócio algum e sim uma reforma agrária que inclua os milhões de hectares vazios mantidos no Brasil só pelo seu valor patrimonial – uma realidade notória que o Sr. Cesário não cita – na cadeia produtiva, com colonização bem-feita e bem-apoiada.

O Sr. Cesário diz que não há exemplo de reforma agrária que deu certo. Eu tenho alguns. Li um relatório da ONU sobre os efeitos dramáticos na cidade de Calcutá, conhecida pela miséria e a extrema degradação urbana, da reforma agrária feita na sua região. Uma reforma agrária radical livrou o Japão de uma estrutura fundiária feudal e teve muito a ver com sua recuperação depois da guerra. A louca corrida para ocupar o oeste estadunidense não é modelo para nenhum tipo de colonização racional, mas não deu errado. E já que exemplos estadunidenses legitimam qualquer argumento, mesmo os do pensamento “ideológico”, recomendo que se informem sobre o Homestead Act, com o qual o governo dos Estados Unidos lançou, no século 19, o maior programa de distribuição de terra da História. Não surpreende a desinformação sobre reformas agrárias alheias que deram certo, ou só foram frustradas pela reação violenta. Os próprios sucessos da incipiente reforma agrária brasileira são ignorados.

Sobre os assentamentos que estão funcionando em paz, e produzindo, e contribuindo para o efeito multiplicador que o Sr. Cesário, muito justamente, exalta, só se tem silêncio. O texto que desagradou ao Sr. Cesário foi motivado por uma manifestação, depois atenuada, do Conselho Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul, que equiparava o movimento dos sem-terra à guerrilha e pedia sua dissolução. Diante da flagrante iniqüidade da situação fundiária brasileira, mostravam, como na frase de Goethe, que preferiam a ordem à justiça. A criminalização do movimento dos sem-terra seria a outra face da descriminalização, pela absolvição e o esquecimento, de atos como o massacre de Carajás. Acho que o Sr. Cesário e seus pares concordam comigo que a escolha não precisaria ser feita, que ordem ideal seria a que advém da justiça, ou da ausência da injustiça. Mas isso, claro, pressupõe outro Brasil. Talvez outra humanidade.

Fonte Primária: Jornal “Zero Hora” nº. 15672, 24/7/2008.