Uma
vez tendo conquistado a maior parcela possível do público – hoje já são
mais de cem milhões de pessoas usando o ChatGPT – a Open AI deve seguir
o caminho trilhado por muitas outras plataformas. Vai seguir o
mecanismo que nos mantém aprisionados seja no Facebook, Google, Uber,
Amazon, ou ChatGPT, e a maneira como essas empresas conseguem extrair
valor, ou mais-valia.
Sim, o produto somos nós. Mas Cory vai além, dizendo que a
bostificação é praticamente inevitável, dada a facilidade que as
plataformas têm em realocar onde extraem mais-valia no seu modelo de
negócios. Ou, melhor dizendo, uma vez que as plataformas e seus
algoritmos são atravessadores entre vendedores e compradores, “mantendo
ambos os lados como reféns”.
Funciona assim: no começo, qualquer plataforma com ambições grandes o
bastante dispensa milhões, senão bilhões de dólares em oferecer um
serviço inovador, engajante, interessante e interativo, que permita ao
usuário o gozo da descoberta de um mundo novo. Grana estratosférica é
gasta em desenvolvedores, designers, cientistas sociais, linguistas,
psicólogos, que vão construir uma deliciosa experiência de usuário, sem
absolutamente nenhum retorno financeiro imediato à empresa. Fora o
pessoal do marketing, que vai se esforçar em aliar o lançamento à
narrativa do bom-mocismo do Vale do Silício. Então o Uber era pra
democratizar a locomoção, o Facebook te conectava com aqueles que você
ama, a Amazon te entrega o que você quiser na sua casa etc etc.
A Amazon, por exemplo, operou durante anos com um prejuízo
estratosférico; o Uber, pra quem não sabe, tem prejuízo todos os anos,
chegando a 9 bilhões de dólares em 2022 no seu afã de controlar todo o
mercado global. Uma vez tendo os usuários, é fácil atrair os
fornecedores, a quem inicialmente também se oferece um bom negócio. Os
motoristas de Uber, por exemplo, recebiam uma bela quantia no começo,
ficavam extremamente satisfeitos por poderem ter um trabalho mais
flexível. E os clientes estavam satisfeitos. Até que o Uber passou a
recolher margens maiores, achatando o valor pago aos motoristas. Hoje,
tem sido difícil encontrar um Uber – o famoso processo de bostificação.
No caso do Facebook, o começo da era dos impulsionamentos – que eu vivi
aqui como diretora da Pública – também não era assim tão mau. Você
pagava um pouquinho, sua mensagem chegava a um monte de gente, havia
enorme interação. Só que, como se trata de um mercado não regulado, as
regras mudam de acordo com a cabeça do CEO da vez.
Imaginem o seguinte: as plataformas funcionam como grandes praças
públicas, porém privatizadas, onde as pessoas se encontram e passam um
bom tempo da sua vida. Mas, por serem espaços privados (e digitais, sem
nenhuma correlação necessária com a materialidade), toda e qualquer
regra pode ser mudada a qualquer momento – e sem aviso. Então você é um
vendedor de cachorro-quente e um dia o dono da praça decide que a
gravidade já não se aplica mais, e suas salsichas saem voando; no outro
dia, decidem que seria melhor que a temperatura fosse abaixo de zero; e
toda sua mercadoria congela.
É mais ou menos isso que acontece, mas na descrição de Cory (mais
sensata que a minha), o que ocorre é um pouco uma extorsão: uma vez que
todo-mundo-do-mundo já está capturado na sua plataforma, o algoritmo
passa a deixar de entregar sua mensagem, ou seu produto, e passa a
cobrar cada vez mais para fazer algo que antes custava pouco. Sendo um
monopólio, você é apenas obrigado a pagar.
Lembrando que esse mercado não é regulado. Não tem regra. Não tem
supervisão nenhuma. Nenhum monitoramento público. À la americana, o
mercado promete resolver sozinho os problemas que cria ao prender as
pessoas-produto no ciclo de gozo.
Aí sim chega a fase final, a fase em que o mercado está tão dominado de
ambos os lados – quem oferece o serviço e quem compra – que chega a hora
de os investidores verem de volta todo aquele investimento inicial. E a
plataforma fica uma merda.
É o que estamos vendo agora com o Twitter, e o que vimos com o Facebook.
O final do ciclo, para Cory, seria que as plataformas se tornariam um
“monte tão grande de merda” que esse seria o fim. Depois de mexer nas
relações humanas extraindo mais valia de todos os lados, o final seria o
abandono do cuidado com todas as partes e o fechamento da empresa,
depois de extrair muito lucro pros acionistas. Diz Cory que hoje o
Facebook, por exemplo, está “terminalmente bostificado”.
Mas eu acho que isso é otimista. Gigantes máquinas de dinheiro não
morrem assim tão fácil, e podem inventar novos produtos, comprar outras
empresas e tentar recomeçar o ciclo de atrair o público.
Minha preocupação é outra: que essas empresas tenham se tornado tão
poderosas e tão gananciosas que consigam frear qualquer mecanismo de
regulação até que seja tarde demais para conter as novas ondas de
robotização das atividades mais triviais da nossa vida, e com isso, a
nossa prisão, a precarização do serviço ofertado, e então o rebosteio
final.
No fundo, o que pode parecer um problema extremamente complexo é
simples. “A bostificação só conseguiu durar tanto porque a internet
virou ‘cinco websites gigantes’” e é dominada por um “grupo de
monopolistas confortáveis”, diz Cory. “A bostificação exerce uma
gravidade praticamente irresistível ao capitalismo plataformizado”.
Alternativas de serviços melhores não conseguem disputar a atenção, e,
quando conseguem, os monopólios apenas as compram.
Esse ciclo pode até ser infinito – veja a corrida do Google por lançar
seu próprio chat com inteligência artificial e imagine um ChatGpt que
esteja conectado na internet e já saiba tudo sobre você, que já tenha
todos os seus dados – desde que as empresas consigam atrasar
indefinidamente qualquer regulação pública da atividade de escravização
humana, ou da “indústria do gozo”. Já estamos vendo isso na queda de
braço da regulação em muitos lugares, inclusive no Canadá e no Brasil.
Para não sermos escravizados por robôs ultracapitalistas, não teremos
outra saída a não ser regular, quebrar, e regionalizar as plataformas.
Fonte do Texto: https://mailchi.mp/apublica.org/newsletter-xeque-na-democracia-032?e=f0c046fac2 Fonte da Imagem: https://rare-gallery.com/resol/1600x900/4582261-people-monochrome-surreal-digital-art-labyrinth.jpg
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brilhante
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