quinta-feira, 27 de julho de 2017

PORTO ALEGRE CERVEJEIRA






Água, cevada maltada, lúpulo, fermento: essa é a composição clássica da cerveja, que permite infinitas combinações. Desde muito tempo, porém, outros condimentos eram e são utilizados no processo de produção das cervejas, tais como coentro, cascas de laranjas, camomila, pimentas, etc. Alguns cervejeiros também gostam de temperar suas criações com baunilha, cacau, canela e até abóbora. Essas especiarias servem como complemento, para realçar o sabor de determinados tipos de cervejas.

Outras fontes de amido são utilizadas na fabricação de cervejas, como o milho e o arroz, para substituir parcialmente a cevada maltada. Isso é feito na produção em grande escala, para diminuir os custos e, assim, baratear o preço final. O impacto negativo na qualidade da cerveja, porém, é muito grande. Algumas pessoas pensam que o produto final, após a adição desses complementos, não é na realidade uma cerveja e sim outra bebida similar.

As grandes produtoras de cerveja utilizam muitos aditivos químicos no processo de produção, transformando seus produtos em verdadeiras sopas químicas, prejudiciais à saúde.





Estive conversando com um amigo Cervejeiro, sócio de uma cervejaria de médio porte, abaixo citado como fonte. Ele explicou que quando vai introduzir uma nova cerveja na linha de produção, inicialmente cria uma receita. Após, produz artesanalmente a cerveja e a bebe, sozinho ou, preferencialmente, com amigos e amigas. A partir dessa degustação realiza uma crítica e repete a produção artesanal várias vezes, com novas degustações, até chegar ao ponto que considera ideal. Somente então oferece a seu sócio a possibilidade de colocar na linha de produção. É um processo criativo meticuloso, porém creio que ele não sofra muito com isso. Normalmente o sócio dele faz ajustes para possibilitar que, a partir de então, a nova cerveja tenha características padronizadas.

Essa forma de produção é muito distinta das grandes indústrias de cerveja que, com poucas exceções, produzem de forma automatizada bebidas destinadas ao consumo de massa.

Alguém poderia dizer que essa forma de colocar são generalizações. De fato, são. Coloquei dessa forma apenas para destacar dois modos de produção com formatos muito diferentes entre si.



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Dá para dizer que, tradicionalmente, Porto Alegre é a cidade dos “Bar Chopp”. É sem dúvida uma característica local. Alguns ainda estão em atividade, como o Tuim e a Caverna do Ratão. Outros não existem mais, porém marcaram época. É o caso do Líder, Gato Preto, Liliput e tantos outros.

Nesses bares não tinha erro. Era servido Chopp gelado, acompanhado por almôndegas, bolinhos de bacalhau ou os famosos sanduíches abertos, além de outros petiscos tradicionais.

Praticamente todas as pessoas apreciadoras de cerveja tinham o “seu” Bar Chopp predileto, que era frequentado de forma quase cerimonial.

Esses estabelecimentos foram os antecessores dos atuais bares e botecos que surgiram após uma verdadeira “onda” de crescimento do consumo de cervejas artesanais e especiais.

Outra curiosidade sobre Porto Alegre: a primeira Oktoberfest realizada no Brasil, ocorreu na SOGIPA, em 1911, em comemoração ao centenário da primeira Oktoberfest alemã.


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No final do século XIX, Porto Alegre se destacava por ser uma espécie de capital da cerveja no Brasil. Havia 21 fabricantes, segundo o historiador Gunter Axt. A maior parte se localizava no bairro Floresta.

No início do século XX ocorreu um fenômeno de decadência econômica e financeira das cervejarias existentes, principalmente em função da expansão da carioca Brahma e da Antárctica Paulista.

Em 1924 foi realizada a fusão de três empresas familiares remanescentes (Bopp, Sassen e Ritter), para fazer frente à Brahma e Antárctica. Em 1945 esse empreendimento passou a ser denominado oficialmente Cervejaria e Maltaria Continental e funcionava na Av. Cristóvão Colombo, onde atualmente funciona um Shopping. Em 1946 a Continental acabou sendo incorporada pela Cervejaria Brahma.

A partir de então ocorreu gradativamente uma brutal concentração do mercado cervejeiro brasileiro.

Mais recentemente, em meados dos anos 90, ocorreu o início de um novo fenômeno: o surgimento de pequenas cervejarias alternativas às gigantes do mercado.

Não foi um fenômeno isolado. Aparentemente uma certa quantidade de pessoas de forma crescente, em várias partes do País, se deram conta que existia a possibilidade de produção de cerveja diferente do padrão das grandes produções.

Um número cada vez maior de pessoas passou a produzir, de forma artesanal, sua própria cerveja.

Em Porto Alegre, o surgimento da Dado Bier em 1995, foi um delimitador marcante em relação a essa nova cultura. A Dado Bier, em seus rótulos, declara ter sido a primeira Micro Cervejaria criada no Brasil.

Outro precursor dessa nova fase foi Gustavo Dal Ri. Gustavo produzia cerveja artesanal desde 1984, porém no ano de 2002 formalizou a criação de uma empresa dedicada à produção de cerveja, a Cervejaria Schmitt, primeira empresa a produzir cerveja artesanal em garrafa no Rio Grande do Sul.

A partir de então muitas microempresas dedicadas à produção de cerveja artesanal foram criadas, algumas conquistando renome nacional e até internacional.

Não vamos citar essas novas cervejarias para não cometer injustiças, porém calcula-se que existem em torno de 40 cervejarias com essas características em funcionamento na Capital das Gaúchas e Gaúchos.

A partir do ano de 2005 iniciou um fenômeno que atualmente está cristalizado: o surgimento de bares dedicados à comercialização de cervejas artesanais e especiais, com harmonização gastronômica específica.

Os primeiros estabelecimentos com essas características foram o Bierkeller, Água de Beber e Biermarkt, porém logo estabelecimentos similares se disseminaram. Atualmente existem vários bares, pubs, etc, que têm como centro de sua atuação a produção e/ou comercialização de cervejas artesanais e especiais.


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A primeira associação de pessoas em Porto Alegre destinada à produção de cerveja artesanal foi a Confraria da Cerveja da SOGIPA – Bierkeller, fundada em novembro de 2004.

Conforme registrado no site da ACERVA Gaúcha – Associação dos Cervejeiros Artesanais do RS, a Confraria da Cerveja da SOGIPA foi fundada com o objetivo de difundir a cultura da cerveja, estudar, pesquisar, produzir artesanalmente e degustar diversos tipos de cerveja.

O grupo fundador era composto desde simples degustadores até pessoas mais experientes, que já produziam artesanalmente suas cervejas em casa. Troca de experiências, promover palestras e eventos ligados ao conhecimento da cerveja também estavam nos objetivos da Confraria, que continua atuando até o presente momento, com duas reuniões mensais fixas: uma para produção de cerveja e outra para degustação.

Em julho de 2007 foi criado o embrião da ACERVA Gaúcha, movimento esse liderado inicialmente pelos cervejeiros Eduardo Boger, Leo Sassen e Jorge Gitzler. 

A fundação oficial da ACERVA Gaúcha, porém, somente ocorreu em novembro de 2007, com estrutura inspirada nas pioneiras ACERVAS Carioca e Mineira. Este fato ocorreu em encontro realizado na casa do cervejeiro Ronaldo Nast.
 
Convém registrar que em agosto de 2010 foi fundada, também, a Associação Gaúcha das Microcervejarias – AGM, organização encarregada pela congregação e defesa dos interesses das Microcervejarias no Estado do Rio Grande do Sul.

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A Revista da Cerveja, em sua edição nº 26 (janeiro/fevereiro de 2017), publicou o resultado de levantamento efetuado pelo Instituto da Cerveja Brasil – ICB, com dados inéditos sobre o mercado cervejeiro brasileiro, com destaque para a evolução da cerveja artesanal.

A pesquisa aponta que o Brasil continua sendo o terceiro maior produtor mundial de cerveja, com um volume de 138,6 milhões hL/ano.

Com a instabilidade da economia, as vendas no mercado de cervejas mainstream caíram: de 2015 a 2016 (janeiro a outubro), houve queda de 1,8%.

Apesar dessa baixa no mercado como um todo, o mercado de cervejas artesanais vai no sentido oposto.

Mesmo representando apenas 0,7% do volume total de cervejas no Brasil, aproximadamente 91 milhões L/ano, há um claro aumento no número de cervejarias artesanais nos últimos 11 anos.

Foram contabilizadas 372 cervejarias artesanais funcionando até o final de 2015, 17% a mais que em 2014.

A taxa de crescimento média está acima de 50 novas cervejarias por ano, quase uma nova empresa por semana.

As estimativas do ICB para 2016 acompanham esse ritmo: “acredita-se que em torno de 60 novas cervejarias tenham iniciado sua produção nesse ano, o que leva o país ao número de 432 cervejarias até o final de 2016”, aponta o documento.

A pesquisa ainda aponta um dado já sentido pelos consumidores: 91% das micro cervejarias estão nas regiões Sul e Sudeste, refletindo a concentração econômica do país.

A maior parte das cervejarias artesanais brasileiras é de pequeno porte, com produção média de 20 mil L/mês.

Mesmo com a crise político-econômica que atinge o país, o mercado de cervejas artesanais continua em crescimento e com boas perspectivas para os próximos anos.

“Levantamentos junto aos principais stakeholders deste mercado levam o Instituto da Cerveja a apostar na continuidade desse crescimento: a aposta é de que o número chegue a pelo menos 500 até o final de 2017”, registra a pesquisa.


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Não é exagero dizer que Porto Alegre atualmente se constitui em uma referência quando se trata de produção de cerveja artesanal, em relação a todo o país.

Atualmente existem várias cervejarias produzindo cervejas reconhecidas nacionalmente e até internacionalmente, em função de sua qualidade.

Existe até uma espécie de polo, na zona norte da cidade, onde se concentram em torno de 10 cervejarias de pequeno e médio porte.

Esse polo cervejeiro tem atraído a atenção dos apreciadores de cerveja de outros locais. Até um roteiro turístico foi criado, organizado pelo Sebrae/RS, para visitação organizada a algumas cervejarias.

Além disso, a produção informal de cervejas artesanais, em casas, apartamentos e garagens, é um fenômeno crescente, que desafia as estatísticas.

A produção e degustação de cervejas artesanais de qualidade tem se tornado uma verdadeira paixão para as pessoas envolvidas.

Por outro lado, observa-se um movimento de questionamento em relação a autoridades municipais, com foco nas autorizações para funcionamento.

Há uma queixa generalizada dos cervejeiros em relação ao excesso de burocracia para constituição e liberação de documentos necessários para funcionamento das pequenas produções de cerveja.

Esse fato, somado à carga de impostos estaduais e federais, é atualmente um empecilho para que o setor se desenvolva com mais rapidez.

As organizações que congregam os cervejeiros artesanais e produtores de micro e pequeno portes estão engajadas para solucionar os entraves atualmente existentes e contam com a sensibilidade do poder público.

Saúde!



Omar Rösler, em junho de 2017.


BEBA MENOS. BEBA MELHOR!
SE BEBER NÃO DIRIJA!






Fontes:



Jorge Gitzler: ex-Presidente da Associação dos Cervejeiros Artesanais do Rio Grande do Sul – ACERVA GAÚCHA, da Associação Gaúcha das Microcervejarias – AGM e da Associação Brasileira de Cervejarias Artesanais – ABRACERVA.



Gustavo dal Ri: sócio proprietário da Cervejaria Schmitt.



João Carlos Kerber Neto e José Otávio Kerber: sócios proprietários da Cervejaria Whitehead.



Revista da Cerveja: www.revistadacerveja.com.br



Acerva Gaúcha: www.acervagaucha.com.br



Blog Cervisiafilia: http://cervisiafilia.blogspot.com.br/


2 comentários:

  1. Ótimo Omar,
    deu vontade de ir no Tuim.

    abraço,
    Rodrigo

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  2. Que baita artigo, hein!!
    Repassando aos amigos cervejeiros...

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