sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

"Democracia brasileira foi corroída", diz instituto francês


Obra de Hieronymus Bosch
Deutsche Welle

Em relatório anual, grupo de estudos da Sciences Po levanta dúvidas se Temer chegará até o fim de 2018 e afirma que país está atolado. "Já em uma crise econômica e política, mergulha agora em uma crise de regime."

O Observatório Político da América Latina e do Caribe (OPALC), ligado ao renomado Instituto de Estudos Políticos de Paris (Sciences Po), fez um balanço sombrio sobre a crise brasileira em seu novo relatório anual sobre a região. Segundo o texto, "a alternância não eleitoral de 2016 desafia um quarto de século de consolidação democrática".

"Como na maioria dos períodos de crise que o Brasil conheceu em sua história, a solução de conflitos políticos acontece fora da arena eleitoral, em um círculo fechado das elites. Mas, desta vez, a solução não foi negociada. Ela foi imposta pelo desvio de um instrumento da democracia [o impeachment]. Agindo assim, os representantes corromperam a democracia brasileira", aponta o relatório. "Essa corrupção moral do regime constitucional foi somada a uma corrupção moral e financeira do sistema político, reforçando o descrédito da democracia."

O documento também afirma que o procedimento foi realizado de "maneira brutal, abusiva e indecente" e "teve o efeito de reforçar a polarização política e fragilizar as instituições democráticas".

O OPALC aponta que "as revelações que se sucedem no contexto da Lava Jato [...] alimentam o descrédito da classe política e fazem tremer o sistema político em seu todo". E que "ao fim de 2016, a democracia brasileira parece esfarrapada, corroída pelos excessos de seus representantes."

O documento também apontou um caráter ilegítimo na ascensão do presidente Michel Temer e de um novo projeto de reformas. "Apesar de o procedimento de destituição (impeachment) ter como objetivo punir as ações pessoais de um indivíduo, a queda de Dilma provocou um expurgo governamental e a ascensão de um projeto político que havia sido minoritário nas eleições de 2014. Nesse sentido, a alternância política que resultou da destituição pode ser qualificada como ilegítima."

De guerra fria a união sagrada

O relatório também levanta dúvidas sobre a capacidade do governo Temer. "O ano de 2016 foi concluído em um clima de profunda incerteza. A democracia brasileira está literalmente atolada. Já em uma crise econômica e política, o Brasil mergulha em uma crise de regime."

"Apresentada como uma solução para melhorar a governabilidade do país, o impeachment de Dilma acabou abrindo um período de instabilidade (...). A sociedade brasileira está mais dividida do que nunca, e a sequência do impeachment desempenhou um papel importante no reforço dessa polarização. Os antipetistas e os pró-petistas, no entanto, compartilham uma rejeição comum às suas elites políticas", diz o texto.

"Ilegítimo e impopular, o governo Temer encarna uma geração política que já chega acossada por ter usado o poder em excesso e abusado dele. Só falta um gatilho para que a 'guerra fria' se transforme em uma 'união sagrada' [referência à trégua e à aliança entre a direita e a esquerda francesas durante a Primeira Guerra] contra Temer, às custas do regime democrático".

Por fim, o relatório aponta a crise de apoio à democracia no Brasil. "O apoio à democracia passou de 54% a 32% entre 2015 e 2016. Nenhum outro país da América Latina experimentou um recuo parecido."

O capítulo brasileiro no relatório foi elaborado por Frédéric Louault, vice-presidente do OPALC e professor da Universidade Livre de Bruxelas, na Bélgica.

Em entrevista à DW, Louault afirma que 2017 deve ser mais um ano imprevisível na política brasileira. Ele diz que a morte do ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, pode desacelerar a Lava Jato, mas não vai ser suficiente para parar a operação.

"Ainda vamos continuar vendo essa dinâmica de tensão entre o Judiciário e o mundo político. A operação pode perder velocidade, mas a máquina vai continuar em andamento mesmo que Temer coloque uma figura amigável no STF. Há muitos juízes e investigadores que vão continuar a trabalhar. É provável que em marco apareçam novos elementos que venham a criar dificuldades para Temer", opina.

Louault também afirma que, sem apoio popular e legitimidade, o governo Temer só pode esperar aguentar até 2018 se a economia melhorar. "Se ela não se mexer, essa frágil estabilidade do seu governo vai enfrentar ainda mais dificuldades".

No ano passado, em seu relatório sobre 2015, o OPALC já havia previsto um período difícil em 2016 por causa dos efeitos colaterais do modelo de presidencialismo de coalizão, apontando que a democracia brasileira precisava de "reformas políticas profundas para se consolidar".

Fonte: http://www.dw.com/pt-br/democracia-brasileira-foi-corro%C3%ADda-diz-instituto-franc%C3%AAs/a-37289049?maca=bra-newsletter_br_Destaques-2362-html-newsletter

domingo, 22 de janeiro de 2017

FEBRE AMARELA!


Surto de febre amarela é tragédia anunciada, diz historiador


Na virada do século 19 para o 20, as cidades do Brasil sofriam com problemas de saneamento básico e recorrentes epidemias. Na época, o sanitarista Oswaldo Cruz conseguiu erradicar a doença, que volta a assombrar o país.



Há mais de cem anos, o sanitarista Oswaldo Cruz conseguiu, numa campanha até então inédita, acabar com focos do mosquito Aedes aegypti e erradicar as recorrentes epidemias de febre amarela nas grandes cidades do país – isso numa época em que não havia vacina contra a doença.

Agora, no entanto, a enfermidade ameaça voltar aos centros urbanos, com a confirmação de 47 casos entre os 272 suspeitos, e 25 mortes em Minas Gerais; e a luta contra o mosquito – que também transmite os vírus da dengue, da chicungunya e do zika – parece perdida.

Por que um problema resolvido há mais de um século volta a assombrar a população? Para o historiador Marcos Cueto, da Casa de Oswaldo Cruz, trata-se de um retrocesso e também de uma tragédia anunciada. "Na história das epidemias do século 21, muitas vezes a dengue antecede a febre amarela. Mas aqui as lições da História não são levadas em conta", afirma o especialista, que é também editor científico da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos.

Na virada do século 19 para o 20, as condições de saneamento nos principais centros urbanos do país eram insalubres. Mesmo na antiga capital, o Rio de Janeiro, o problema era grave e responsável, diretamente, pelas recorrentes epidemias de febre amarela. A situação era tão séria que muitos navios estrangeiros evitavam aportar por aqui em determinadas épocas do ano – o que trazia consequências econômicas.

Rodrigues Alves assumiu a Presidência da República em 1902 disposto a dar um basta àquela situação. Logo no ano seguinte, Oswaldo Cruz foi chamado a assumir a diretoria-geral de Saúde Pública – um cargo similar ao de ministro da Saúde – com a espinhosa missão de acabar com a febre amarela.

O médico criou o Serviço de Profilaxia da Febre Amarela, que logo colocou nas ruas as chamadas brigadas de mata-mosquitos – grupos de agentes sanitários cujo objetivo era eliminar os focos de mosquito a qualquer custo. O modelo de ação era truculento, com os agentes de saúde percorrendo todas as casas e destruindo todos os locais de desova do mosquito transmissor. Mas surtiu efeito: em 1907, a epidemia foi considerada erradicada. E desde 1942 não há registros de transmissão de febre amarela nos centros urbanos.

"No Brasil e em muitos países da América do Sul este era um problema considerado controlado; restrito a regiões amazônicas", afirma Cueto. "Desde o fim dos anos 20, praticamente não houve nenhum surto epidêmico nas cidades. E desde 1937 existe uma vacina".

Para Cueto, no entanto, de lá para cá, predominou no país uma atitude passiva e tolerante com o mosquito transmissor da febre. "Os controles foram ficando cada vez mais relaxados [e por essa mesma razão houve um aumento da dengue e do zika]. Não houve uma política de vacinação entre a população urbana e o número de moradores das cidades só aumentou", explica o especialista.

As cidades cresceram de forma desordenada, e as áreas mais pobres e sem saneamento são os maiores focos de proliferação do mosquito. No caso de novos surtos da doença, são justamente as parcelas menos favorecidas da população que mais sofrerão com o problema.

Para Cueto, medidas individuais para controle de larvas – como apregoa hoje o governo – não são suficientes. "Temos que resolver os problemas de água, moradia e pobreza que fazem com que existam muitos reservatórios nas favelas", diz o especialista. "E além disso, temos que resolver o problema da criminalidade nas favelas, que impede o trabalho de sanitaristas no controle dos reservatórios e na educação higiênica."

Para o historiador, Oswaldo Cruz é um exemplo de liderança a ser seguido, embora não represente mais um modelo. "Agora existem novos desafios, temos problemas novos, precisamos de respostas mais complexas", afirma. "Precisamos resolver a questão da pobreza urbana e fazer com que a vacina seja acessível para todos."

Fonte:  Deutsche Welle (http://www.dw.com/pt-br/surto-de-febre-amarela-%C3%A9-trag%C3%A9dia-anunciada-diz-historiador/a-37209686?maca=bra-newsletter_br_Destaques-2362-html-newsletter)

domingo, 8 de janeiro de 2017

Como o Japão praticamente extinguiu as mortes por arma de fogo


domingo, 1 de janeiro de 2017

O novo mapa da desigualdade brasileira



Sozinhas, 700 mil pessoas — 0,36% da população — têm patrimônio igual a 45% do PIB. E pagam, quase sempre, impostos mais baixos que os dos assalariados

Por Evilásio Salvador


O Brasil tem um dos mais injustos sistemas tributários do mundo e uma das mais altas desigualdades socioeconômicas entre todos os países. Além disso, os mais ricos pagam proporcionalmente menos impostos do que os mais pobres, criando uma das maiores concentrações de renda e patrimônio do planeta. Essa relação direta entre tributação injusta e desigualdade e concentração de renda e patrimônio é investigada no estudo Perfil da Desigualdade e da Injustiça Tributária, produzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) com apoio da Oxfam Brasil, Christian Aid e Pão Para o Mundo. Tive o privilégio de conduzir a pesquisa e redigir sua versão final.

Foram considerados os quesitos de sexo, rendimentos em salário mínimo e unidades da Federação. O texto busca identificar o efeito concentrador de renda e riqueza, a partir das informações sobre os rendimentos e de bens e direitos informados à Receita Federal pelos declarantes de Imposto de Renda no período de 2008 a 2014.

Os dados da Receita Federal analisados para o estudo revelam uma casta de privilegiados no país, com elevados rendimentos e riquezas que não são tributados adequadamente e, muitas vezes, sequer sofrem qualquer incidência de Imposto de Renda (IR). Por exemplo: do total de R$ 5,8 trilhões de patrimônio informados ao Fisco em 2013 (não se considera aqui a sonegação), 41,56% pertenciam a apenas 726.725 pessoas, com rendimentos acima de 40 salários mínimos. Isto é, 0,36% da população brasileira detém um patrimônio equivalente a 45,54% do total. Considera-se, ainda, que essa concentração de renda e patrimônio está praticamente em cinco estados da federação: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná, agravando ainda mais as desigualdades regionais do país.

Um sistema tributário injusto amplia — ao invés de amenizar — esta desigualdade. Um dos fatos mais graves é que a tributação sobre a renda no Brasil não alcança todos os rendimentos tributáveis de pessoas físicas. A legislação atual não submete à tabela progressiva do IR os rendimentos de capital e de outras rendas da economia. Elas são tributadas com alíquotas inferiores à do Imposto de Renda incidente sobre a renda do trabalho. Não existe Imposto de Renda Retido na Fonte sobre os lucros e dividendos. Um dispositivo legal (mas excêntrico) — o dos “juros sobre capital próprio” — permite uma redução da base tributária do IR e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Esses rendimentos são tributados a 15% de forma exclusiva, não necessitando o beneficiário fazer qualquer ajuste na Declaração Anual do IR. A consequência chega a ser bizarra: os 71.440 declarantes hiper-ricos, que tinham renda acima de 160 salários-mínimos em 2013, praticamente não possuíam rendimentos tributáveis, pois 65,80% de sua renda tinha origem em rendimentos isentos e não tributáveis.

O estudo aponta ainda que os contribuintes com rendas acima de 40 salários mínimos representam apenas 2,74% dos declarantes de IR, mas se apropriaram de 30,37% do montante dos rendimentos informados à Receita Federal em 2013. Além disso, dos R$ 623,17 bilhões de rendimentos isentos de Imposto de Renda em 2013, R$ 287,29 bilhões eram de lucros e dividendos recebidos pelos acionistas. Se submetidos à alíquota máxima da atual tabela progressiva do Imposto de Renda (27,5%), esses recursos gerariam uma arrecadação tributária extra de R$ 79 bilhões ao Brasil.

As informações tornadas públicas pela Receita Federal, a partir da disponibilização da base de dados “Grandes Números das Declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas”, contribuem para uma maior transparência sobre a questão tributária no país, que há tempo ocupa lugar na agenda pública das propostas de reformas. Os dados ampliaram um novo olhar sobre a desigualdade social no Brasil e reforçam ainda mais a injustiça tributária no país. Até mesmo o Imposto de Renda, que deveria ser o fiador de um sistema tributário mais justo, acaba contribuindo para maior concentração de renda e riqueza em nosso país.

Com isso, as propostas para a reforma tributária que diversas organizações da sociedade civil — inclusive o Inesc — já apresentaram na agenda pública brasileira estão na ordem do dia. É necessário revogar algumas das alterações realizadas na legislação tributária infraconstitucional após 1996, que sepultaram a isonomia tributária no Brasil, com o favorecimento da renda do capital em detrimento da renda do trabalho. Dentre essas mudanças destacam-se: 1) o fim da possibilidade de remunerar com juros o capital próprio das empresas, reduzindo-lhes o Imposto de Renda e a CSLL; e 2) o fim da isenção de IR à distribuição dos lucros e dividendos na remessa de lucros e dividendos ao exterior e nas aplicações financeiras de investidores estrangeiros no Brasil.

Outra medida fundamental seria a implementação do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto na Constituição e não regulamentado até hoje. É uma oportunidade para a prática da justiça tributária, por aplicar corretamente o princípio constitucional da capacidade contributiva, onerando o patrimônio dos mais ricos no país. Igualmente necessária é a introdução da progressividade no Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos (IT-CDM). Outras medidas importantes são a tributação maior para bens supérfluos e menor para produtos essenciais para a população.

Uma proposta de reforma tributária no Brasil deveria ser pautada pela retomada dos princípios de equidade, de progressividade e da capacidade contributiva no caminho da justiça fiscal e social, priorizando a redistribuição de renda. As tributações de renda e do patrimônio nunca ocuparam lugar de destaque na agenda nacional e nos projetos de reforma tributária após a Constituição de 1988. Assim, é mais do que oportuna a recuperação dos princípios constitucionais basilares da justiça fiscal (equidade, capacidade contributiva e progressividade). A tributação é um dos melhores instrumentos de erradicação da pobreza e da redução das desigualdades sociais, que constituem objetivos essenciais da República esculpidos na Constituição Federal de 1988.

Fonte: http://outraspalavras.net/brasil/o-novo-mapa-da-desigualdade-brasileira/